Guerrilheiro Virtual

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Mussolini não passou, Ingrid Bergman também não

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Sebastião Nery
Nunca uma mulher foi tão bela no cinema quanto Ingrid Bergman em “Casablanca”. Nunca, no cinema, uma canção saiu tão maravilhosa de um piano quanto “As Time Goes By” dos dedos do negro Sam. Nunca um olhar foi mais fascinante na historia do cinema do que o de Ingrid Bergman para Humphrey Bogart, entrando no “Rick” de Marrocos.

Pois essa historia houve, de verdade. Não bem assim, mas quase assim. O dono dessa eterna história de amor e guerra, resistência e liberdade, que fez de “Casablanca” um dos três mais citados em todas as listas dos melhores filmes, existiu e o conheci. Morreu em Roma em abril de 1991, com 92 anos.
 
O filme, todos o vimos. Um tcheco, Victor Lazlo, guerrilheiro, líder antinazista, caçado por Hitler na Europa inteira, chegou a Casablanca com a mulher, para conseguirem passaportes e fugirem, porque Marrocos ainda era francês, embora os alemães, ocupando a França, também lá estivessem.

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INGRID

O tcheco vai com a mulher, a luminosa e doce Ingrid Bergman, ao cassino para um encontro, atrás de passaportes falsos. No piano, um negro. A mulher de Lazlo o reconhece : – “Sam, toque aquela canção”. Ele diz que o patrão proibiu. Ela insiste. De repente aparece o dono do cassino, Rick, o elegante Humphrey Bogart, cigarro nos dedos, e ordena: – “Toque”.
 
Ele toca “As Time Goes By” (“Enquanto o Tempo Passa”). Os dois tinham sido namorados em Paris, até a ocupação alemã, quando fugiram, cada um para seu lado, e agora ela era a mulher do líder tcheco. Tiros, mortes, invasão do cassino e uma arrepiante “Marselhesa” cantada de pé.

Depois de noites desesperadas, acabam os dois, o tcheco e a mulher, fugindo para Lisboa em um velho avião, com passaportes arranjados por Rick, que, ajudado por um oficial francês, matou o comandante militar alemão, que foi ao aeroporto impedir a fuga. No cassino, Sam tocava “As Time Goes By”.

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GUERRILHEIRO
Este é o filme. Na vida, foi um pouco diferente, mas também fascinante. Randolfo Pacciardi (nasceu em 1889), jornalista, advogado e guerrilheiro, não era tcheco, era italiano. Em 1923, interrompeu um comício de Mussolini na Praça Veneza, e o já quase ditador o chamou de “advogadozinho idiota”.

Quando Mussolini tomou o poder, Pacciardi foi para Paris. Em 1936, estourou a Guerra Civil espanhola, com Hitler e Mussolini apoiando Franco. Foi para a Espanha, fundou a “Brigada Garibaldi”, com André Malraux, Hemingway, o brasileiro Apolônio de Carvalho, outros. Combateu Hitler na França e Mussolini na Italia. De lá, lutou na África (Argélia) com De Gaulle. E acabou em Marrocos com a divina Ingrid Bergman, dentro de um filme.

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MARROCOS

Perseguido pelos alemães e italianos, Pacciardi internou-se em um hospital de Marrocos para operar-se, embora não estivesse sentindo nada. O médico negou-se a operá-lo e acabou descobrindo tudo. Francês, amigo do comandante francês, levou Pacciardi para casa, arranjou-lhe um passaporte falso (ele era Renné Pigot) e o embarcou no navio português “Serpa Pinto”.
 
No navio, Pacciardi reencontrou, também fugindo de Hitler e Mussolini, e também com passaporte falso, uma antiga namorada da juventude em Paris, agora mulher do também antinazista Mendes France, mais tarde primeiro-ministro da França, e que lutara na resistência com De Gaulle, na África. Em Nova York, conheceu Michael Curtiz, diretor de cinema de Hollwood, contou-lhe sua historia. Curtiz chamou um roteirista e nasceu “Casablanca”.

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SENADOR

Acabada a guerra, Pacciardi volta à Itália, funda o jornal “La Voce Republicana”, ajuda a criar o Partido Republicano, elege-se para a Assembléia Constituinte e com Saragat torna-se vice-presidente do Conselho, no governo democrata-cristão de De Gaspari. E ministro da Defesa de 1948 a 53.

Em 1990, em Roma, o conheci já velhinho, senador vitalício, com 91 anos e lançando as memórias – “Cuore da Battaglia”- onde conta sua historia de “Casablanca”. Morreu em abril de 91. Eu ainda estava lá como adido cultural. O tempo acabou iluminando o passado de um bravo lutador que não desaparecerá enquanto no cinema Ingrid Bergman fugir com ele, e Sam tocar, nos pianos do mundo, “As Time Goes By”, “a canção do tempo que passa”.

Infelizmente, o que não passa é o fascínio da Itália por Mussolini. A força de Berlusconi é porque o italiano o acha o sucessor de Mussolini, físico e moral. Daí por que há 20 anos Berlusconi sai dos governos desmoralizado e volta sempre eleito pelo povo, para repetir suas cafajestadas e ladroagens.


Da Tribuna da Imprensa

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