*Luis Casado, La Izquierda/La Pluma, Red de Prensa No Alineada
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Cada um celebra os aniversários que possa, e aí estão os alemães “festejando” os dez anos das “Leis Hartz” (não confundir com Herz – coração, em alemão – porque, de coração, Herr Hartz pouco tinha).
Peter Hartz
Hartz,
DRH, como se diz agora – Diretor de Recursos Humanos – da Volkswagen,
para ver-se logo do que se trata, propôs a Gerhard Schröder, então
Chanceler socialdemocrata, uma série de reformas destinadas a
flexibilizar o mercado de trabalho, importante objetivo que também
designam como “cagar nos trabalhadores”. Suas propostas foram
rapidamente aceitas e adotadas, o que provocou a demissão do Ministro
das Finanças Oskar Lafontaine e o racha no Partido da Social-Democracia
Alemã (PSDA).
As
Leis Hartz constituem hoje o óleo de rícino que a Alemanha tenta meter
goela abaixo dos países do sul da Europa, – como se fossem objeto de uma
espécie de Anschluss [conexão], para que recuperem a “competitividade”.
Schröder, que chegou ao poder em 1998, rompeu em 1999 com o projeto keynesiano
do Partido da Social-Democracia Alemã (PSDA) [é o “PSDB/tucano”, só que
alemão] (dividir o bolo) e impôs medidas “liberais”, como único caminho
que levaria ao nirvana. Com Tony Blair – “meu maior êxito”, como dizia
Margaret Thatcher – Schröder tentou teorizar essa conversão ao
neoliberalismo, sob o título pouco imaginativo de “Terceira Via”.
Das
leis inspiradas pelo DRH da Volkswagen, a mais famosa é a lei “Hartz
IV”, que reformou o seguro-desemprego, em detrimento dos assalariados.
Já mostrei em várias ocasiões, que, para os neoliberais, o estímulo mais
eficiente para a laboriosidade e a produtividade dos desempregados é a
fome: aí estão eles, de volta. Trata-se exatamente disso.
Gerhard Schröder
Ao
liberalizar o mercado de trabalho alemão, Schröder abriu a porta para
que os patrões pagassem salários de 400 euros mensais (239 mil pesos
chilenos ou ~ 1000 reais), ou 1 euro/dia aos precarizados. Também se
favoreceu o trabalho em tempo parcial e o emprego “flexibilizado”. A Lei
Hartz IV reduziu a indenização por demissão a apenas um ano, sem
considerar os anos de contribuição. Ao fim de um ano de desemprego,
todos os desempregados entram na categoria Arbeitlosengeld II (indenização
por demissão II), na qual recebem 374 euros mensais (223 mil pesos
chilenos ou ~ 930 reais). Daí em diante, o desempregado Hartz IV fica
submetido a controle permanente sobre sua vida e sua atividade de
procurar emprego. Antes de receber sua indenização – para a qual
contribuiu de seu bolso – tem de ter consumido a maior parte de suas
economias. E tem de aceitar qualquer emprego que lhe seja proposto pela
agência de trabalho, inclusive com salário de 1 euro/hora, tendo retida
uma parte de sua pobre indenização.
Como
era de esperar, ser “Hartz IV” converteu-se numa modalidade de miséria,
sob outro nome. Todos tentaram escapar dessa qualificação, o que
dinamizou o mercado de trabalho a favor do emprego precário, que cresceu
fortemente. Um dos efeitos mais notáveis das leis Hartz foi a queda do
custo da mão de obra para as empresas: salário mínimo=lucro máximo –
outro modo de interpretar a tal almejada “competitividade”.
Outra
consequência está relacionada à queda do consumo e, portanto, à
melhoria da balança comercial alemã, em detrimento de seus sócios
comerciais da União Europeia. Mas até os partidários das Leis Hartz
reconhecem que, a partir de 2005, só o crescimento mundial sustentou a
economia alemã. Os produtos alemães mantiveram-se com preços razoáveis, à
custa de se apertar o cinto dos trabalhadores alemães. A demanda
interna continuou fraca até 2011 e ainda não consegue sustentar o
crescimento da economia alemã.
Curiosamente,
quando as contas alemãs estavam no vermelho, em 2005, Gerhard Schröder
negociou com Jacques Chirac a suspensão das sanções previstas no Tratado
de Maastricht – as mesmas que, hoje, Angela Merkel aplica com tanto
rigor a Grécia e Espanha.
Tony Blair
Antes
de deixar a Chancelaria alemã, Gerhard Schröder cuidou, sobretudo, do
próprio futuro: facilitou uns créditos para o conglomerado russo
GazProm, que lhe devolveu a cortesia e nomeou-o para uma de suas
suculentas gerências. Tony Blair, seu amigo de “Terceira Via”, aceitou
um serviço de assessoria a bancos norte-americanos, pela qual recebe um
milhão de dólares/ano. Vê-se que, sim, a social-democracia cuida bem dos
trabalhadores...
Outra
consequência não desprezível tem a ver com o redesenho da estrutura
política: a esquerda do PSDA e um grupo de militantes sindicais
aliaram-se a ex-comunistas da Alemanha Oriental e formaram Die Linke
[“A Esquerda”]. O PSDA, doente até hoje, infectado pelas Leis Hartz,
obteve 23% dos votos em 2009 – 19 pontos a menos que em 1998 – o menor
número de votos do pós-guerra. Os eleitores de esquerda preferem ou Die Linke,
ou os Verdes. Os centristas – inércia natural? – apoiam Merkel, quer
dizer, a direita. Como diz a imprensa europeia, Gerhard Schröder foi o
coveiro das ambições do PSDA.
Entretanto,
os efeitos das Leis Hartz permanecem: salários baixos, infância na
miséria, aumento das desigualdades. A tal ponto, que a direita alemã
reconheceu, há pouco tempo, a importância do salário mínimo para todos
os ramos da indústria, e também para o trabalho temporário e, isso,
enquanto a Corte de Karlsruhe já obrigou o governo a recalcular o
montante das indenizações por número de filhos.
Ninguém por aqui inventou coisa alguma.
No Chile, as Leis Hartz chamam-se “Leis da Concertação”. E Merkel, à chilena, chama-se “Piñera”.
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*Luis Casado: É engenheiro formado no Centre d'Etudes Industrielles Supérieures (CESI - Paris), foi professor visitante no Institut National des Telecommunications,
na França e consultor do Banco Mundial. Como empresário foi premiado
pela Câmara de Comércio e Indústria de Paris (Inovação Tecnológica -
2006). Juntamente com Armando Uribe Echeverria é editor em Paris (Ed. Du Relief).
Editor de “Politika”, publicou vários livros no Chile e na Europa. Em
2009 ajudou a fundar o Partido de Esquerda (PAIZ). Colaborador de La Pluma.
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