Via Brasil de Fato
Kit Felicidade
PAULO PASSARINHO
Conforme
era esperado, foi anunciado pela presidente Dilma Rousseff um conjunto
de novas concessões a serem feitas pelo governo federal, envolvendo
rodovias e ferrovias. Dentro de algumas semanas, será a vez de portos e
aeroportos serem também concedidos à iniciativa privada.
A
presidente não somente evitou a utilização da palavra privatização,
como fez questão de destacar que o Estado não está se desfazendo de
nenhum patrimônio, para “fazer caixa” ou para abater dívidas. Trata-se
de uma explicação que deve ser entendida dentro do universo psíquico do
neopetismo, conflitado entre o seu passado de oposição às privatizações e
concessões realizadas por FHC e o seu presente, de eficaz gestor do
modelo herdado do PSDB e mantido pelos governos de Lula e Dilma. Aliás,
Sergio Guerra, o presidente do PSDB, fez questão de divulgar uma nota
paga nos jornais da imprensa dominante, elogiando e felicitando Dilma
Rousseff pela sua iniciativa e pelo fato de a mesma “ter aderido ao
programa de privatizações”.
Dilma, por sua vez,
preferiu destacar que, no caso das ferrovias, ela está estruturando um
modelo “no qual vamos ter o direito de passagem de todos quantos
precisarem transportar carga”. Ela se refere a uma importante mudança em
relação às anteriores privatizações de ferrovias, que garantem o
monopólio de utilização da malha ferroviária aos seus donos privados.
Para
atender a esse objetivo, o governo, através da Valec, irá comprar
antecipadamente do concessionário da ferrovia toda a capacidade de
transporte instalada e irá ofertar o serviço a qualquer interessado,
através de oferta pública. Com isso, o chamado risco de demanda dos
concessionários desaparece, eliminando qualquer incerteza dessa natureza
aos mesmos.
A Valec, para esse tipo de
operação, contará com recursos do Tesouro Nacional, que seria compensado
com as receitas a serem geradas pela venda dos serviços, embora a
estimativa do governo seja que essa atividade venha a ser deficitária,
ao menos em um primeiro momento.
Sob o ponto de
vista estratégico, esse programa das ferrovias envolve trechos que ligam
zonas produtoras agrícolas e de minérios aos portos da costa
brasileira. Trata-se, portanto, da expansão da malha ferroviária voltada
ao fortalecimento de corredores de exportação de produtos primários,
reforçando nossa especialização no fornecimento de matérias-primas aos
países mais desenvolvidos e aprofundando nossa dependência subalterna no
processo de globalização.
A parte referente às
ferrovias envolve a previsão de construção ou modernização de 10 mil km
de estradas, com investimentos de R$ 91 bilhões, nos próximos 25 anos.
Já a parte referente às rodovias, prevê investimentos de R$ 42 bilhões,
destinados a 7,5 mil km de estradas a serem concedidas, com 5,7 mil km
previstos para a duplicação de pistas.
Na área
das rodovias, o critério de seleção dos vencedores das licitações a
serem feitas vai se basear na oferta da menor tarifa a ser proposta
pelos interessados, mas os concessionários somente poderão começar a
cobrar pedágios quando tiverem concluído pelo menos 10% das obras
previstas em contrato. Assim, o governo quer evitar as críticas em
relação às privatizações de rodovias realizadas pelo governo Lula, em
2007, quando a espanhola OHL, por exemplo, vencedora da maior parte das
licitações realizadas, embora não cumprindo com as suas
responsabilidades contratuais, após seis meses de concessão deu início à
cobrança das tarifas de pedágio.
A novidade
apresentada pelo governo, e que deve ser avaliada como importante, foi a
recriação de um órgão voltado ao planejamento e gerenciamento de
projetos integrados de infraestrutura, buscando articular e dar uma
dimensão sistêmica aos investimentos a serem realizados nos diversos
modais de transporte, incluindo a infraestrutura portuária. É a Empresa
de Planejamento em Logística, uma estatal que procura conferir
capacidade ao Estado em planejar os investimentos nessa área e que
inevitavelmente nos faz recordar das antigas funções do extinto Geipot
(Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes).
Contudo,
podemos afirmar que a essência do planejamento a ser feito por essa
futura estatal se enquadra dentro das exigências impostas pela hegemonia
política de bancos e transnacionais, voltadas a fortalecer uma
integração subalterna do país ao mercado externo, procurando aprofundar
nosso papel agromineral exportador, dependente da importação de capitais
e tecnologia, e refém das decisões de corporações multinacionais, sobre
o que produzir e como fazê-lo.
É esse modelo
que explica a propalada incapacidade do próprio Estado de alavancar
investimentos, tanto na área de infraestrutura, quanto na esfera social.
O acelerado processo de abertura do país, combinado com as mudanças
constitucionais realizadas nos anos 90 e a fragilização e deterioração
das estruturas do Estado brasileiro, nas áreas de planejamento e
execução operativa, nos deixa muito vulneráveis.
Além
disso, sob o ponto de vista orçamentário, quase 50% do Orçamento Geral
da União encontra-se comprometido com o pagamento de despesas
financeiras de uma dívida pública que sobe continuamente, apesar das
garantias oferecidas aos credores, sob a forma de um superávit primário
irresponsável.
Com relação aos recursos
financeiros disponíveis, observamos que novamente é o sempre presente
BNDES, agora turbinado não somente pelas verbas do FAT – Fundo de Amparo
ao Trabalhador -, mas também por injeções de recursos do Tesouro
Nacional, que estará financiando, a juros subsidiados, o investimento
“privado”, incluindo empresas estrangeiras. Não satisfeito, o governo
pretende, também, desonerar a folha de pagamentos à Previdência Social
dos setores de transporte aéreo e de carga, navegação de cabotagem,
transporte marítimo, navegação de apoio marítimo e portuário, e
manutenção e reparação de aeronaves, motores e componentes.
Porém,
o que viabiliza essa verdadeira ditadura do capital e seu pleno domínio
político sobre o Estado brasileiro é a mudança de posição política de
vários atores, como o próprio PT e a CUT. Com relação a essa central
sindical, seus principais dirigentes estiveram reunidos no Palácio do
Planalto, no próprio dia do anúncio dessas novas privatizações, com
representantes do governo. Ponderando apenas a necessidade de garantias
de emprego e salários aos trabalhadores, o presidente da entidade,
Vagner Freitas, considerou as medidas anunciadas como positivas.
Em
um quadro como esse, e com muito pesar, reconheço que quem melhor
definiu a natureza das decisões do governo foi o sempre presente e
diligente defensor de seus interesses, Eike Batista. Para ele, o pacote
de medidas é um “kit felicidade”. Para ele e os seus.
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