Guerrilheiro Virtual

sábado, 18 de agosto de 2012

Neoliberalismo na veia: ‘que(it)’ felicidade


Kit Felicidade

PAULO PASSARINHO

Conforme era esperado, foi anunciado pela presidente Dilma Rousseff um conjunto de novas concessões a serem feitas pelo governo federal, envolvendo rodovias e ferrovias. Dentro de algumas semanas, será a vez de portos e aeroportos serem também concedidos à iniciativa privada.

A presidente não somente evitou a utilização da palavra privatização, como fez questão de destacar que o Estado não está se desfazendo de nenhum patrimônio, para “fazer caixa” ou para abater dívidas. Trata-se de uma explicação que deve ser entendida dentro do universo psíquico do neopetismo, conflitado entre o seu passado de oposição às privatizações e concessões realizadas por FHC e o seu presente, de eficaz gestor do modelo herdado do PSDB e mantido pelos governos de Lula e Dilma. Aliás, Sergio Guerra, o presidente do PSDB, fez questão de divulgar uma nota paga nos jornais da imprensa dominante, elogiando e felicitando Dilma Rousseff pela sua iniciativa e pelo fato de a mesma “ter aderido ao programa de privatizações”.

Dilma, por sua vez, preferiu destacar que, no caso das ferrovias, ela está estruturando um modelo “no qual vamos ter o direito de passagem de todos quantos precisarem transportar carga”. Ela se refere a uma importante mudança em relação às anteriores privatizações de ferrovias, que garantem o monopólio de utilização da malha ferroviária aos seus donos privados.

Para atender a esse objetivo, o governo, através da Valec, irá comprar antecipadamente do concessionário da ferrovia toda a capacidade de transporte instalada e irá ofertar o serviço a qualquer interessado, através de oferta pública. Com isso, o chamado risco de demanda dos concessionários desaparece, eliminando qualquer incerteza dessa natureza aos mesmos.

A Valec, para esse tipo de operação, contará com recursos do Tesouro Nacional, que seria compensado com as receitas a serem geradas pela venda dos serviços, embora a estimativa do governo seja que essa atividade venha a ser deficitária, ao menos em um primeiro momento.

Sob o ponto de vista estratégico, esse programa das ferrovias envolve trechos que ligam zonas produtoras agrícolas e de minérios aos portos da costa brasileira. Trata-se, portanto, da expansão da malha ferroviária voltada ao fortalecimento de corredores de exportação de produtos primários, reforçando nossa especialização no fornecimento de matérias-primas aos países mais desenvolvidos e aprofundando nossa dependência subalterna no processo de globalização.

A parte referente às ferrovias envolve a previsão de construção ou modernização de 10 mil km de estradas, com investimentos de R$ 91 bilhões, nos próximos 25 anos. Já a parte referente às rodovias, prevê investimentos de R$ 42 bilhões, destinados a 7,5 mil km de estradas a serem concedidas, com 5,7 mil km previstos para a duplicação de pistas.

Na área das rodovias, o critério de seleção dos vencedores das licitações a serem feitas vai se basear na oferta da menor tarifa a ser proposta pelos interessados, mas os concessionários somente poderão começar a cobrar pedágios quando tiverem concluído pelo menos 10% das obras previstas em contrato. Assim, o governo quer evitar as críticas em relação às privatizações de rodovias realizadas pelo governo Lula, em 2007, quando a espanhola OHL, por exemplo, vencedora da maior parte das licitações realizadas, embora não cumprindo com as suas responsabilidades contratuais, após seis meses de concessão deu início à cobrança das tarifas de pedágio.

A novidade apresentada pelo governo, e que deve ser avaliada como importante, foi a recriação de um órgão voltado ao planejamento e gerenciamento de projetos integrados de infraestrutura, buscando articular e dar uma dimensão sistêmica aos investimentos a serem realizados nos diversos modais de transporte, incluindo a infraestrutura portuária. É a Empresa de Planejamento em Logística, uma estatal que procura conferir capacidade ao Estado em planejar os investimentos nessa área e que inevitavelmente nos faz recordar das antigas funções do extinto Geipot (Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes).

Contudo, podemos afirmar que a essência do planejamento a ser feito por essa futura estatal se enquadra dentro das exigências impostas pela hegemonia política de bancos e transnacionais, voltadas a fortalecer uma integração subalterna do país ao mercado externo, procurando aprofundar nosso papel agromineral exportador, dependente da importação de capitais e tecnologia, e refém das decisões de corporações multinacionais, sobre o que produzir e como fazê-lo.

É esse modelo que explica a propalada incapacidade do próprio Estado de alavancar investimentos, tanto na área de infraestrutura, quanto na esfera social. O acelerado processo de abertura do país, combinado com as mudanças constitucionais realizadas nos anos 90 e a fragilização e deterioração das estruturas do Estado brasileiro, nas áreas de planejamento e execução operativa, nos deixa muito vulneráveis.

Além disso, sob o ponto de vista orçamentário, quase 50% do Orçamento Geral da União encontra-se comprometido com o pagamento de despesas financeiras de uma dívida pública que sobe continuamente, apesar das garantias oferecidas aos credores, sob a forma de um superávit primário irresponsável.

Com relação aos recursos financeiros disponíveis, observamos que novamente é o sempre presente BNDES, agora turbinado não somente pelas verbas do FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador -, mas também por injeções de recursos do Tesouro Nacional, que estará financiando, a juros subsidiados, o investimento “privado”, incluindo empresas estrangeiras. Não satisfeito, o governo pretende, também, desonerar a folha de pagamentos à Previdência Social dos setores de transporte aéreo e de carga, navegação de cabotagem, transporte marítimo, navegação de apoio marítimo e portuário, e manutenção e reparação de aeronaves, motores e componentes.

Porém, o que viabiliza essa verdadeira ditadura do capital e seu pleno domínio político sobre o Estado brasileiro é a mudança de posição política de vários atores, como o próprio PT e a CUT. Com relação a essa central sindical, seus principais dirigentes estiveram reunidos no Palácio do Planalto, no próprio dia do anúncio dessas novas privatizações, com representantes do governo. Ponderando apenas a necessidade de garantias de emprego e salários aos trabalhadores, o presidente da entidade, Vagner Freitas, considerou as medidas anunciadas como positivas.

Em um quadro como esse, e com muito pesar, reconheço que quem melhor definiu a natureza das decisões do governo foi o sempre presente e diligente defensor de seus interesses, Eike Batista. Para ele, o pacote de medidas é um “kit felicidade”. Para ele e os seus.

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