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domingo, 7 de outubro de 2012

Domínio do fato não exime quem acusa do ônus da prova

No julgamento da ação penal 470 – cognominada de mensalão – tem sido recorrente a invocação da teoria do domínio do fato. O que vem a ser isso? Praticado um crime, surge o desafio de estabelecer com precisão a responsabilidade, para que inocentes não venham a ser condenados ou culpados absolvidos. A maioria dos delitos tem natureza monossubjetiva, ou seja, podem ser praticados por uma única pessoa. É o caso do homicídio. Outros há em que se exige a presença de mais de um agente. São os plurissubjetivos: a bigamia é um bom exemplo.
 
As dificuldades de se divisar a participação ou o modus operandi de cada agente surgem no primeiro caso, vale dizer quando duas ou mais pessoas agem com unidade de desígnios para a realização de um determinado tipo penal monossubjetivo.
 
No concurso de pessoas, enquanto um realiza o verbo núcleo do tipo, como matar, subtrair, o outro presta auxílio: segurar a vítima enquanto o comparsa desfere facadas mortais. Ordinariamente, só é autor quem realiza o verbo nuclear do crime, sendo considerado partícipe quem de outra maneira contribui para a sua realização.
 
O primeiro tem pena mais grave que o segundo, daí a importância de se conhecer a diferença entre coautoria e mera participação.
 
O Código Penal resolve a dilemacidade do concurso de pessoas no artigo 29: “quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.” Essa é a regra regente, da qual, somadas a outras, extrai-se a possibilidade da aplicação da teoria do domínio do fato em nosso ordenamento jurídico.
 
Essa refinada teoria alemã supre, no pensamento de Roxin, a hipótese do autor mediato, aquele que não aparece e normalmente vale-se de terceira pessoa para a prática delitiva. Imagine-se o médico que, pretendendo matar o paciente diabético, determina à enfermeira a aplicação letal de glicose. Apenas o médico tinha conhecimento da doença e apenas ele tem o domínio funcional do fato: impedir que a glicose seja efetivamente ministrada. Portanto, tem domínio do fato quem pode fazer cessar a atividade criminosa ou quem domina a vontade do executor do crime.
 
Por conseguinte, o autor imediato do delito é quem o executa, aquele que seguiu as ordens do mandante realizando o verbo nuclear do tipo penal. Este efetua disparos de arma de fogo contra a vítima, visando matá-la, por determinação daquele. O mandante não aparece na cena do crime, não realiza o ato de matar, mas por ter o domínio funcional do fato pode impedir sua ocorrência.
 
Questão interessante atine ao aspecto da prova. Como e quando o autor mediato pode ser responsabilizado pelo delito?
 
Da mesma forma que se exigem provas para condenar o executor, devem existir provas também contra o mandante. A circunstância de ter o acusado o domínio do fato não exime quem o acusa do ônus de provar a acusação. Nosso sistema processual penal, na avaliação da prova, adota o sistema do livre convencimento motivado, exigindo do magistrado decidir a causa de acordo com sua livre convicção, desde que fundamentada em elementos constantes dos autos.
 
Neste sentido, “prova” seria a soma dos fatos produtores da convicção, o que pode se dar até mesmo por meios indiciários, analisados em conjunto, formando um quadro probatório robusto. A lei estabelece que indício é a circunstância conhecida e provada que, tendo relação com o fato que se quer provar, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra. O método indutivo pretende extrair uma regra geral a partir da recorrência de determinadas circunstâncias particulares. Figurativamente, agente com faca em punho perto do corpo da vítima pode ser, prima facie, o assassino.
 
Percebe-se que a “teoria do domínio do fato” também requisita, ao menos, indícios para que se possa vincular o mandante ao crime realizado pelo executor. Indícios, porém, não suplantam indigência probatória. Inadmite-se presumir responsabilidades ou aplicar regras da experiência em substituição à prova. Não é na cabeça do juiz, nem da opinião pública ou da “opinião publicitária”, que esses indícios devem coeexistir, mas, sim, no bojo do processo criminal. Dali é que devem ser hauridos. Lidar com indícios, como se vê, requer muita cautela, pois nem sempre onde há fumaça há fogo!
 
Ali Mazloum, juiz federal em São Paulo, especialista em Direito Penal e professor de Direito Constitucional
 
 

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