Russia Today (RT): Bom dia, e muito
obrigado por nos receber. Para começar, quero felicitá-los pela vitória.
Gostaria de saber como passou a noite? Teve tempo para dormir o
descansar um pouco?
Rafael Correa: Obrigado a RT e, através de RT, vai meu abraço a toda a
América Latina e a todo o mundo. Nesse trabalho, não há muito tempo para
descansar. Chegamos em casa à 1h da manhã. Faço o possível para não
perturbar a vida cotidiana de minha família. Então, às 7h levo meus
filhos à escola e dali vou para o Palácio, continuar trabalhando. Temos
cansaço acumulado. Já estamos habituados.
RT: As pesquisas previam 60% dos votos. Acertaram.
Rafael Correa: É, foram bem precisas, porque havia indecisos. Temos
alguma experiência... Tínhamos 62-61%, mas havia cerca de 20% de
indecisos, os que não se haviam decidido por proposta forte como a
nossa; o mais provável é que escolhessem outros setores políticos.
Assim, sabíamos que os números poderiam ser menores. Seja como for,
começamos a campanha com 52%. Nosso objetivo era não perder nenhum
desses votos. Começamos a subir e chegamos a 57-58%. Só tenho a
agradecer ao povo equatoriano.
RT: Mas não houve nervosismo. Nenhum
presidente do Equador fez o que o senhor fez. E, seja como for, nenhum
se manteve no poder durante todo o mandato.
Rafael Correa: Algum nervosismo sempre há. Trabalhamos, na campanha,
como se não tivéssemos nenhum voto. Foram 32 dias muito intensos de
campanha, fiquei sem voz, mas foi uma bela campanha, bastante bem
coordenada, con mensagem profunda. Tudo funcionou quase perfeitamente:
equipe de campanha, organização política, autoridades, militantes, os
comitês da Revolução Cidadã, que são grupos de cidadãos que se organizam
para dar apoio a essa revolução. E aí estão os resultados. São
resultados contundentes. E insisto: só tenho a agradecer ao nosso povo.
Claro, também, que mantenho o compromisso de não falhar com os
equatorianos.
RT: O senhor diz que foi uma bela
campanha. Mas o senhor criticou os meios eletrônicos e há boatos de que a
CIA prepara um golpe para desestabilizar o Equador. De que se trata,
exatamente?
Rafael Correa: Foi uma bela campanha, de nossa parte, porque foi
campanha com alegria, com música, com um programa muito bem elaborado de
governo, resumido em 10 eixos, com 35 propostas muito concretas.
Sinceramente, é o melhor plano de governo da história do Equador. Mas,
sim, enfrentamos campanha suja, na qual intervieram serviços de
inteligência daqui e do exterior. Parte dos nossos opositores, os menos
éticos, são militares da reserva, com experiência em inteligência, os
quais, quando não conseguem vencer nas urnas, trabalham para destruir a
moral, agridem a família, agridem a honra de amigos nossos. Tivemos,
sim, algumas dessas patrañas e, sim, foram organizadas, principalmente,
pelas redes sociais. Graças a Deus o povo equatoriano soube ignorá-las. A
CIA também... falou-se, mas nada foi provado, que haveria 87 milhões de
dólares para financiar a oposição, com o objetivo de desestabilizar o
Governo, para impedir que vencêssemos e, no caso de vencermos, como
aconteceu, para nos desestabilizar. Não se pode nem confirmar nem
desmentir essas denúncias gravíssimas, sem investigação muito mais
profunda.
RT: Sua imagem não foi abalada durante a campanha?
Rafael Correa: Não. Mas sem dúvida houve campanha suja. E a campanha de
sempre, de alguns veículos , que tomam partido e não faz o trabalho de
informar (...).
RT: Em 2010, houve aqui uma
tentativa de golpe de Estados, que ninguém previu naquele momento.
Deve-se esperar algo parecido agora? Provocação semelhante?
Rafael Correa: Não se pode excluir completamente o risco. Olhe à volta: o
contexto daquele golpe de Estado foi a imprensa desinformando... E a
oposição política, que se diz democrática, foram os primeiros a apoiar
os golpistas, pediram a renúncia do presidente – o mais violentamente
agredido. Tomaram medidas para desestabilizar o governo. E agora, na
campanha, proclamavam o quanto respeitam a Constituição. Evidentemente,
não se pode excluir o risco da imprensa corrupta – porque também há
melhor imprensa –, a imprensa que nada tem de ética, a mesma imprensa
que já não tem poder para impor e derrubar presidentes. Ontem, ficou
demonstrado. Mas, sim, aquela imprensa corrupta ainda tem capacidade
para provocar grande dano. Sempre podem difundir alguma outra mentira,
que, sim, pode nos prejudicar muito. Por isso, não se exclui essa
possibilidade. Temos de nos manter muito atentos, sempre, a essas
tentativas de desestabilizar governos eleitos.
Grande parte do que houve dia 30/9/2010 aconteceu porque a imprensa
informou mal, disse aos policiais e militares que perderiam benefícios,
salários, até as medalhas... De fato, foram canceladas várias dessas
coisas, que, em seguida, foram unificadas em salário muito maior. Mas
isso, precisamente, a imprensa não informou. Enganaram muita gente. E,
sim, podem criar outra vez clima semelhante. É preciso atenção extrema.
RT: Seu opositor nessas eleições, Guillermo Lasso, que alcançou 24% dos votos, disse que o senhor é o presidente dos ricos.
Rafael Correa: Eu?! Considero Guillermo Lasso homem inteligente e não
acredito que tenha dito tal coisa. Até que o ouça dele mesmo, dou-lhe o
benefício da dúvida, porque seria a mais rematada tolice que Lasso
jamais disse. E, afinal, não chegará aos 24%. Faltam alguns votos.
RT: Mas há quem diga também que
algumas reformas feitas no país, reformas tributárias, por exemplo,
funcionam em benefício só dos ricos. O que o senhor tem a dizer?
Rafael Correa: Que reforma tributária beneficiou só os ricos? [risos]
RT: Foi o que disseram os opositores.
Rafael Correa: A única proposta de todos os demais candidatos foi
reduzir impostos. Porque, pela primeira vez no Equador, os ricos pagam
impostos. A evasão ficou impossível. Antes, eles nem se preocupavam se
os impostos eram altos ou baixos, porque não pagavam imposto algum,
sonegavam e nada lhes acontecia. Por isso, agora que a sonegação e a
evasão ficaram impossíveis, e a proposta de eliminar todos os impostos
foi derrotada nas urnas, já duas vezes. Mas os ricos nunca pagaram
impostos e agora pagam. Duvido, sinceramente, que Guillermo Lasso,
pessoa inteligente, tenha dito tal barbaridade. Em todo o caso, é
extremamente claro quem é o candidato das elites no Equador.
RT: Ano passado, houve muita
polêmica em torno do caso de Julian Assange. Quais os objetivos do
Equador, quando decidiu dar-lhe asilo?
Rafael Correa: Que polêmica? Por que teria havido polêmica? Da próxima
vez que a Suécia, onde vivem muitos asilados latino-americanos, decidir
dar asilo a alguém, também haverá ‘polêmica’? Na minha opinião, há,
nessa história, muito de neocolonialismo. Esse governo, esse presidente e
esse país não aceitarão essas manobras. Não temos de pedir licença a
ninguém para exercer nossa soberania. É figura definida, bem claramente,
no direito internacional. O Equador exerceu a própria soberania, nos
termos do Direito Internacional, e não devemos explicações a ninguém,
nem temos de pedir desculpas, nem de pedir autorização a seja quem for.
Na prática, toda a solução da questão Julian Assange depende hoje da
Europa. Se, amanhã, a Grã-Bretanha lhe dá o salvo conduto, acaba o
problema. Se a Suécia o interrogar, como a lei sueca admite – e ninguém
aqui fez qualquer coisa para impedir a marcha da justiça sueca. É bom
esclarecer, porque, também aqui, não faltou informação errada –, por
vídeo, como pode fazer; se enviar um Promotor à Embaixada do Equador em
Londres, como também pode fazer, acaba a confusão. Assange foi convocado
para interrogatório. Não há, sequer, acusação formal contra ele, de
coisa alguma. Se o advogado do Sr. Assange nas cortes europeias, o Dr.
Baltasar Garzón, obtiver autorização para que o asilado deixe a
Embaixada do Equador em segurança, acaba-se a questão. Agora, tudo
depende da Europa. O Equador fez o que tinha de fazer, no exercício de
sua soberania. Não pedimos nem vamos pedir licença a seja quem for. Não
devemos desculpas a ninguém, nem explicações. País algum jamais pediu
desculpas a alguém, por exercer a própria soberania.
RT: Sim, mas parece que Julian Assange está convertido em prisioneiro eterno. Não vejo saída para essa situação...
Rafael Correa: Nesse caso, diga isso à Europa... Toda a solução está em
mãos de países europeus: Grã-Bretanha, Suécia, as Cortes europeias.
RT: E quando o senhor supõe que se resolverá isso?
Rafael Correa: Amanhã, se a Grã-Bretanha quiser resolver. Mas há aí
muita soberba, muita arrogância, muito de neocolonialismo. Querem de nós
demos explicações por conceder um asilo? Como assim? O que significa
isso? E querem também que revertamos decisão já tomada. Não o faremos.
Nunca.
RT: O senhor acredita, como o próprio Julian Assange, que pode acontecer de ele ser extraditado para os EUA, não para a Suécia?
Rafael Correa: Bem... Havia alta probabilidade. O caso do Sr. Assange
foi estudado detidamente, durante várias semanas, aqui no Equador.
Entendemos que aquele pedido de asilo tinha fundamento e concedemos o
asilo.
RT: Digamos que, ontem, não foi
noite só de sua vitória, que foi uma pequena vitória também para Hugo
Chávez, que voltou à Venezuela. O senhor foi dos primeiros a visitá-lo
em Cuba e dedicou sua vitória também a Hugo Chavéz. O que sabe de seu
estado de saúde e quanto imagina que possa voltar às suas funções?
Rafael Correa: Bem, estive com ele antes da operação, sem dúvidas
operação delicada, mas quem o visse, sem saber da doença, diria que
estava perfeitamente normal, com bom ânimo, muito bom aspecto. Mas, sim,
que se tratava de operação delicada, todos sabíamos. A notícia que
temos é de que se está recuperando. Excelente notícia, que tenha podido
voltar à sua amada Venezuela. Ama Cuba, mas a Venezuela é sua pátria, a
terra natal, e estou certo de que estar em casa será o melhor remédio
para a rápida recuperação de Hugo. Desejo-lhe rápida recuperação. Que
não seja cabeça dura. Das primeiras coisas que fez, depois de agradecer à
Venezuela, foi mandar-me felicitações... Ele agora tem de não pensar,
por uma semana, no que acontece na América Latina e concentrar-se na
recuperação.
RT: O senhor acredita que a recuperação seja possível?
Rafael Correa: Não sei. São desejos. Não sei se realizarão.
RT: Digamos, no caso de que Hugo
Chávez não possa voltar às funções de antes. O senhor está disposto a
assumir papel mais importante na América Latina?
Rafael Correa: Sempre me fazem essa pergunta e, com todo o respeito, o
que mostra é desconhecimento do que se passa na América Latina. Quem
aqui está buscando algum protagonismo? Hugo tem liderança natural.
RT: Mas a questão existe, na arena internacional. Vê-se como…
Rafael Correa: Há alguns fatos, há práticas, mas ninguém busca ascensão
continental. Essas coisas não funcionam assim, entre nós: se vou ser
novo líder depois de Hugo, mas Hugo está aí e continua. Então eu seria o
vice-líder. Nada disso funciona assim, aqui. Estamos aqui para servir o
povo, ninguém está procurando... E falo por mim, por Cristina, por Evo,
por Hugo, por Dilma, por todos os coordenadores desse processo de
mudança histórica na nossa América Latina. Nenhum de nós busca poder
para si, nada queremos para nós; queremos tudo para os nossos povos.
Estaremos onde o povo mais necessite de nós, como o mais humilde dos
cidadãos, como qualquer operário que constrói a pátria todos os dias, o
camponês ou o presidente da República, mas sempre para servir ao povo,
sem ambições pessoais
RT: Barack Obama foi reeleito. Hugo
Chávez também, e o senhor, essa noite. Todos os atores chaves nesse
hemisfério mantêm as respectivas posturas. Até que ponto, com os mesmos
jogadores, pode mudar a situação no continente?
Rafael Correa: Mudar em que sentido?
RT: No sentido das mudanças que esse bloco queria. Para a Revolução Cidadã, por exemplo.
Rafael Correa: Entendo que o presidente Obama seja boa pessoa, mas
Infelizmente nada mudou na política externa dos EUA. A moral dupla
prossegue. Insistem em dar-nos aulas de Direitos Humanos e tal, e mantêm
as torturas em Guantánamo. Se os grandes ditadores por aqui, os mesmos
que massacram sua gente, se são aliados incondicionais dos EUA, viram
grandes democratas, e são promovidos, dão-lhes emprego e os põem a dar
aulas em Washington. E presidentes totalmente democráticos, você viu,
ontem, como esse que aqui lhe fala, que dá a vida em defesa dos direitos
humanos de seus cidadãos, se não somos seguidores incondicionais de
Washington, somos nós, os ditadores, os que atentamos diariamente contra
a liberdade de imprensa, contra as liberdades fundamentais. Isso,
infelizmente, não mudou. Repito que o presidente Obama parece ser bom
ser humano, boa pessoa, mas a política externa dos EUA, sobretudo para a
América Latina, absolutamente não mudou. E tem de mudar, porque essa
dupla moral é inaceitável.
RT: Depois de vencer as eleições, o
senhor disse que sua meta é que a Revolução Cidadã seja irreversível.
Mas que passos devem ser tomados para que assim seja?
Rafael Correa: Temos de acabar de consolidar a nova instituição do
Estado. O ponto de partido é mudar as relações de poder. O problema da
América Latina sempre foi as elites dominantes. Nunca foram elites
progressistas, modernizadoras, que trabalhassem para o bem comum. Foram
elites que se apropriaram dos frutos do progresso técnico e
apropriaram-se deles de forma excludente, para ter seus bairros
exclusivos – num dos quais mora o Sr. Lasso, que diz que eu
representaria as elites.
A senhora, se quiser entrar no condomínio onde mora o Sr. Lasso, onde há
lagos artificiais, precisa ter um cartão magnético de identificação. Eu
não entro, porque sou escurinho. Para ter esses bairros exclusivos,
emparedados, para ter suas escolas exclusivas que nem por isso são as
que dão melhor educação, mas são tão caras que só os ricos podem
frequentá-las... E os ricos casam-se entre os ricos. Para casar ‘bem’
também os filhos e perpetuar a linhagem e a dominação. Eles têm seus
clubes exclusivos... Esse é o tipo de elite que manobrou a América
Latina. São os poderes que manobraram nossos países, que se traduziram
em estados aparentemente burgueses, de fato, aristocráticos, que
representam um poucos, bem poucos, excluindo as grandes maiorias. A
Revolução Cidadão implica, basicamente, mudar essa relação de poderes
com vistas a atender os cidadãos, em função das imensas maiorias, em
função do ser humano, antes do capital. Porque o capital também nos
dominou como está dominando na Europa, vale lembrar. E converter esses
estados só aparentemente burgueses em estados integrais, populares, que
nos represente todos e todas.
Já avançamos muitíssimo, mas tudo ainda pode ser perdido. Essa é a
mensagem do povo equatoriano, nessa reeleição. Temos de tornar
irreversíveis as mudanças que já alcançamos nas relações de poder, para
que, no Equador, os cidadãos, os seres humanos continuem a governar como
governam hoje. Para que nunca mais voltem a governar, aqui, os
banqueiros, os meios corruptos de comunicação, os países hoje
hegemônicos, as burocracias internacionais como o FMI e – ainda pior –
muito especialmente, o capital financeiro – todos os agentes que
dominavam e governavam o Equador, antes da Revolução Cidadã.
RT: Trata-se também, um pouco, de mentalidade. Quanto mudou a mentalidade das pessoas, nesse sentido?
Rafael Correa: Mudou muitíssimo. A senhora dizia, antes da entrevista,
que não conhecia o Equador, que só conheceu o país esse ano. Mas se
tivesse vindo há seis anos, não havia estradas, não havia bons serviços
públicos, não havia nada. Recebemos um país destroçado. Mas, mais
importante que as estradas, as escolas, os hospitais, as represas, os
portos e aeroportos, é a mudança na mentalidade dos equatorianos. Nos
haviam castigado tanto, uma oposição com líder político medíocre, uma
imprensa que, para nos controlar, roubava-nos qualquer esperança, nos
convencia de que éramos os mais inúteis, mais corruptos, mais
preguiçosos seres do planeta. Tanto nos bombardearam com esse discurso,
que se pode definir a situação, antes, como o país da desesperança.
Essa é a maior mudança que observo: vê-se que as pessoas estão
motivadas, orgulhosas do que se faz em sua terra, sentem-se
representadas pelo próprio Governo, recuperaram a autoconfiança. É o
essencial para seguir adiante, mais importante que as estradas e a
infraestrutura reconstruída: a atitude das pessoas. E essa atitude mudou
radicalmente. Mudança de 180 graus.
RT: Mas têm também muita confiança
no senhor e em seu governo. Sua popularidade é incrível e continua
crescendo. A que se deve isso, depois de tantos anos de governo?
Rafael Correa: É como diz Cristina Fernández [de Kirchner]: são
processos inéditos na América Latina. Antes, na América Latina, um
governo vencia eleições com 52% dos votos. Em um ano, o apoio popular
despencava para 15%, quer dizer, o desgaste no exercício do poder era
muito rápido. Agora é o contrário: o apoio popular consolida-se. Uma das
explicações, de nossa querida amiga Cristina Fernández de Kirchner,
presidente da Argentina, é que, afinal, os governos se parecem com o
povo. Antes, eram governos que queriam imitar estrangeiros, obedeciam a
interesses estrangeiros, falavam espanhol, mas pensavam em inglês,
quando pensavam. Hoje temos governos honestos, que trabalham, que
cometem erros, mas são dedicados, sacrificam-se, amam o país como o amam
os que os elegem para representá-los. As pessoas, afinal, sentem-se
representadas pelos governos.
RT: Que visão o senhor tem para o Equador dentro de quatro anos? Como vê o país?
Rafael Correa: Quando sair, quero deixar um país. Obviamente, não
conseguiremos resolver todos los problemas. Mas somos o país que mais
reduz a pobreza na América Latina; somos o país que mais reduz a
desigualdade, e a América Latina é a região mais desigual do mundo.
Somos uma das três economias que mais crescem. Somos a economia com
menor taxa de desemprego, 4,1%. Mas, apesar de todos esses sucessos, não
conseguiremos, nos próximos quatro anos, resolver todos os problemas.
Ainda haverá pobreza, desemprego, desigualdade.
O importante é deixar o país posto, irreversivelmente, na trilha rumo à
justiça social, ao desenvolvimento, na trilha desse conceito que
propusemos ao mundo – o conceito do buen vivir bom viver. Para isso,
como já disse, o básico é mudar as relações de poder: que o Equador seja
governado pelo povo do Equador, não por banqueiros, não por empresas
jornalísticas, não por países estrangeiros. Que, no Equador, o ser
humano domine. Não o capital.
RT: Senhor presidente, tenho uma
pergunta. Chegamos ao Equador há, mais ou menos, uma semana. Conversamos
muito pelas ruas, com gente que o apoia. Mas também há quem diz que a
pobreza caiu, se não me engano, em torno de 7%. Mas, hoje, há mais
gente, que antes, que recebe a ‘bolsa pobreza’. Queria, por favor, que o
senhor explicasse.
Rafael Correa: É o argumento que a imprensa inventou. É tão infantil.
Quem diz que o Equador é o país que mais reduziu a pobreza não é o meu
governo: é a ONU. Não são indicadores locais. São números da Comissão
Econômica para a América Latina, CEPAL, da ONU. Para desmentir esses
números, inventaram um argumento infantil.
Hoje transferimos dinheiro para os mais pobres, principalmente para mães
que trabalham em casa, as mais pobres da população. Quando chegamos ao
governo, eram 1.200.000; hoje, são cerca de 1.900.000. A imprensa olha
esses números e conclui: a pobreza aumentou... Ninguém jamais considera
que as estatísticas eram precárias, que a base era errada. Nós
corrigimos a base. Incluímos cerca de 400 mil mães excluídas e retiramos
da base 200 mil que não deviam estar lá. De fato, foram incluídos novos
200 mil que recebem o auxílio-pobreza. Nos depuramos, corrigimos a
base. A imprensa ‘interpreta’ que há, hoje, mais pobres... Dia seguinte,
não há estatísticas de tuberculosis. Construímos a pesquisa e a
estatística. Descobre-se que há 20 casos de tuberculose. A imprensa
‘noticia’: “Aumentou a tuberculose”. Nada disso. Hoje já temos
estatísticas. Mas... que absurdo! Antes, o auxílio-pobreza não era dado
aos portadores de necessidades especiais. Agora, com as políticas de
vanguarda que se desenvolvem no Equador, cerca de 150 mil deles já
recebem essa transferência monetária, que é de 50 dólares. Antes, os
idosos não recebiam o auxílio, nem tinham direito a aposentadoria. Dos
700 mil idosos sem aposentadoria que temos no Equador, 500 mil já
recebem a transferência monetária.
Some tudo e terá os quase 2 milhões de auxílios que distribuímos. Para
os gênios da mídia, significa que a pobreza aumentou. Merecem o Prêmio
Nobel de Economia. Veja o nível de oposição e os jornais, jornalistas e
redes comerciais de comunicação que temos de enfrentar aqui... A
pobreza, aí sim, parece, sem remédio: pobreza intelectual e ética.
RT: O senhor disse também que é seu
último mandato. Que se vai, depois desses quatro anos. Não imagino uma
pessoa como o senhor, deixando serviço por terminar. Mas é impossível
terminar todas essas mudanças em quatro anos.
Rafael Correa: Sim, mas também há outros que podem continuar construindo
a patria nueva. Veja... fui imerecidamente feliz em todas as etapas da
minha vida. Antes de ser presidente, estive, toda a vida, na
Universidade. Era feliz dando aulas, de tênis, jeans, camiseta. E também
fui muito feliz na presidência, cuidando de fazer o melhor possível
pelo meu povo. Quando me aposentar, se Deus quiser, também serei feliz
com minha família; Devo muito à minha família, cuja vida familiar foi
muito gravemente perturbada, porque, eu na presidência, minhas filhas
perderam privacidade, têm de andar com seguranças, recebem ameaças,
ouvem campanhas horrendas de difamação, realmente repugnantes. Então,
devo esse tempo à minha família.
E também, como a senhora já disse, minha presença é forte demais. Com
certeza não perturbarei a existência de quem venha depois de mim, se
continuar na política. É o que menos desejo.
Temos sido muito cuidadosos na preparação de quadros, que venham os
novos quadros. Depois desses quatro anos, penso retirar-me, não só da
presidência, mas também da vida pública.
RT: O senhor mencionou sua família. Dizem que leva seu filho à escola.
Rafael Correa: Sim. Hoje cedo, deixei os dois na escola.
RT: Hoje, um dia depois da reeleição? E como encontra tempo para...
Rafael Correa: Sou rápido. Retomar a vida normal, na medida do possível.
Porque, não se engane, tudo isso altera a vida. Minha família não mora
aqui no Palácio. Continuamos na mesma casa de classe média, ao norte de
Quito. Mas foi preciso instalar segurança, sistemas de vigilância...
Tudo isso atrapalha. Minha esposa, minhas filhas, têm de ter um séquito
de agentes de segurança. Há quem goste, mas, para mim, essa é uma das
partes mais difíceis da presidência: ter de viver cercado de seguranças,
a sensação de perigo sempre iminente, nenhuma privacidade. Além dos que
vivem para justificar o próprio ódio: “Correa, odeio você.” E põe-se a
inventar ataques, até que ... “Ah, já entendi porque odeio você: porque
você fez tal coisa...” Têm sempre de provar algum mal, para justificar o
ódio. Nada é mais terrível que isso!
RT: Muito obrigada, presidente, pela entrevista e pela atenção. E, mais uma vez, desejo-lhe felicidades.
Tradução: Vila Vudu
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