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quinta-feira, 14 de março de 2013

Política de comunicação da presidenta Dilma leva mídia independente à pior crise desde a ditadura

O Instituto Barão de Itararé têm sido um dos baluartes na luta contra a concentração da mídia no Brasil
A política de comunicação do governo Dilma conseguiu produzir, nesta terça-feira, mais uma baixa entre uma das mais renomadas publicações da esquerda brasileira. Distante dos anunciantes tradicionais no varejo, que se vêem forçados a anunciar apenas nos diários de corporações líderes de venda na imprensa brasileira, sob pena de perder as negociações comerciais nestes veículos da mídia conservadora; e sem qualquer reconhecimento por parte do poder público, sejam municipais, estaduais ou federal, a revista Caros Amigos foi vítima da “asfixia financeira”, como classifica a agência brasileira de notícias Carta Maior, promovida pela política em curso na Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Desde a ditadura militar, a mídia independente no país vive sua pior crise.
 
A revista, fundada em 1997 por intelectuais e jornalistas, detentora de sete distinções do prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos, entra em crise, a redação faz greve e é demitida. “Na origem do problema, a asfixia financeira, decorrente das decisões do governo federal de suprimir publicidade de utilidade pública nos veículos da mídia alternativa. Criada pelo renomado jornalista Sergio de Souza, Caros Amigos tornou-se uma referência pela qualidade de suas grandes reportagens e entrevistas. A revista resistiu ao ciclo tucano dos anos 90, mas não suportou os ‘critérios técnicos’ da Secom no governo Dilma, cuja prioridade é concentrar recursos nos veículos conservadores”, afirma a Carta Maior, em sua edição desta terça-feira.
 
Opinião sensata
 
Em sua página em uma rede social, o cartunista e intelectual Gilberto Maringoni, que integra a redação da agência Carta Maior, escreveu sobre o drama vivido pela Caros Amigos.
 
“Vou dizer uma coisa e espero não ser mal interpretado. Não vale a pena atacar o editor da Caros Amigos, Wagner Nabuco, como se ele fosse inteiramente responsável pela dramática situação da revista. Sei perfeitamente o que é ficar sem receber e sem ter direitos trabalhistas respeitados. Mas é injusto demonizar Wagner como se fosse um patrão da grande imprensa, um Frias ou Marinho da vida.
 
“Wagner batalha há mais de 30 anos pela transformação social e sofre o cerco e o descaso de um governo que dá importância zero à pluralidade e à democratização das comunicações. Estive com ele na Confecom, em 2009, e sei das investidas que faz para manter a publicação. Sou inteiramente solidário aos jornalistas de lá, muitos deles meus amigos. Eles devem buscar fazer valer seus direitos. Mas é preciso centrar as baterias contra o responsável principal por esta situação, o governo federal que tem absoluta preferência pelos monopólios da mídia. Na situação em que estamos, Caros Amigos será apenas a primeira a cair… Lamentavelmente”, prevê Maringoni.
 
Os jornalistas que trabalhavam na redação da Caros Amigos relataram, por meio de nota, o ocorrido na redação, prontamente respondida pelo diretor da revista, Wagner Nabuco. Leia, a seguir, ambos os lados da questão. No Núcleo de Mídia, o Correio do Brasil não encontrou quem pudesse repercutir os fatos aqui relatados.
 
Carta dos jornalistas da Caros Amigos:
 
O diretor-geral da revista Caros Amigos, Wagner Nabuco, chamou hoje (11/03/2013) a equipe de redação e anunciou que a empresa está demitindo todos os trabalhadores que se encontravam em greve desde sexta-feira, dia 08/03, alegando “quebra de confiança”.
 
Nós, integrantes da equipe de redação da revista Caros Amigos – responsáveis diretos pela publicação da edição mensal, o site Caros Amigos, as edições especiais e encartes da Editora Casa Amarela – lamentamos a decisão da Direção. Consideramos a precarização do trabalho e a atitude unilateral como passos para trás no fortalecimento do projeto editorial da revista, que sempre se colocou como uma publicação independente, de jornalismo crítico e de qualidade, apoiando por diversas vezes, inclusive, a luta de trabalhadores de outras

áreas contra a precarização no mercado de trabalho.
 
A greve é um instrumento legal, previsto na Constituição brasileira e direito de todos os trabalhadores. Foi adotada como medida para tentar melhorar as condições de trabalho na revista e foi precedida por uma série de incansáveis diálogos por parte desta equipe, desde que ela começou a ser montada em 2009. As tentativas foram sempre no sentido de atingir o piso salarial para todos os profissionais, encerrar os atrasos no pagamento dos salários e direitos como férias e 13º, que nos atingiram por mais de uma vez, de conquistar o registro dos funcionários fixos e uma melhor relação com colaboradores freelancers, que também convivem e conviveram com baixas remunerações e atrasos nos pagamentos.
 
Diante de alegações por parte da direção sobre dificuldades financeiras vividas pela empresa por se tratar de uma publicação alternativa, convivemos com salários mais baixos que os pisos e os praticados pelo mercado, e também com a inexistência de muitos direitos trabalhistas. Aceitamos negociar gradativamente a correção desses problemas de forma a fazer com que a Caros Amigos, “a primeira à esquerda”, não se tornasse agente de exploração de seus funcionários e avançasse nessa frente conforme suas possibilidades. Trabalhamos para ampliar a receita da empresa, seja pelo prestígio do trabalho realizado, muitas vezes premiado, seja pelo aumento do trabalho em forma de outras publicações como especiais e encartes.
 
Em todos os anos entre 2009 e 2013, mantivemos o diálogo salutar com a Direção, buscando negociar melhores condições para desenvolvermos o trabalho com o qual estávamos comprometidos. Isso foi feito por meio de cartas de toda a redação à direção, conversas de comissões da redação com a direção e inúmeras negociações entre o editor-chefe e diretor-geral.
 
Apesar de todos nossos esforços em construir uma boa relação interna, fomos pegos de surpresa com o anúncio de corte da folha salarial em 50%, com a demissão de boa parte da equipe ou redução do salário dos 11 funcionários de 32 mil pra 16 mil ao todo, conforme relatado em nota divulgada na data de anúncio da greve e que segue novamente ao final desta.
 
O anúncio de medida drástica que atinge diretamente os trabalhadores foi feito em forma de comunicado pelo diretor-geral, sem margem para negociação. Ainda buscamos pelo diálogo reverter o problema junto à direção por uma semana. Sem margem para conversa, recorremos à paralisação como forma de ampliarmos nossas vozes, mas fomos surpreendidos mais uma vez com o comunicado da demissão coletiva.
 
Nossa luta não é – e nunca foi – contra a revista Caros Amigos. Pelo contrario, reforçamos a importância de publicações contra-hegemônicas e críticas em um cenário difícil para a democratização da comunicação no Brasil, que cerceia a variedade de vozes. Nossa luta é, portanto, para o fortalecimento e a coerência de um veículo fundamental do qual sempre tivemos o maior orgulho de participar.
 
Vimos a público lamentar profundamente que essa crise provocada pela direção venha causar sérios prejuízos ao projeto editorial da Caros Amigos, que contou por todos esses anos com nossa dedicação.
 
Saímos desse espaço de forma digna diante de uma situação que tornou a greve inevitável, na esperança que nossos apelos sirvam de acúmulo para o futuro da Caros Amigos de modo que ela se torne exemplo não só no campo editorial, mas nas relações que mantém com seus funcionários e colaboradores. Esperamos que o compromisso assumido com colaboradores durante a gestão dessa equipe seja louvado e que eles recebam seus pagamentos sem atrasos. Também que sejam honrados nossos diretos trabalhistas.
 
Agradecemos todos que se solidarizaram com nossa situação e os que seguirão nos apoiando nessa nova etapa. Esperamos que esta experiência sirva de acúmulo e motivo de debate sobre a precarização, o achatamento de salários, a piora nas condições de trabalho e atitudes patronais – que existem tanto em empresas da grande imprensa quanto nas da contra-hegemônica – no sentido de buscarmos melhores condições para todos exercerem suas profissões. Por fim, esperamos que o exemplo comece pela imprensa contra-hegemônica com a correção de práticas como esta.
 
São Paulo, 11 de março de 2013.
 
Alexandre Bazzan; Caio Zinet; Cecília Luedemann; Débora Prado; Eliane Parmezani; Gabriela Moncau; Gilberto Breyne; Hamilton Octavio de Souza; Otávio Nagoya; Paula Salati; Ricardo Palamartchuk
 
A resposta de Wagner Nabuco, diretor-geral da Caros Amigos
 
“Nessa sexta-feira (8/3) estava em reunião, anteriormente agendada, com o contador e advogados, quando a equipe editorial entregou uma carta manifesto se declarando em greve.
 
“Assim que terminei a reunião desci ao andar da redação e não encontrei ninguém; as mesas estavam limpas e vazias. Confesso que me surpreendi, pois ao longo de 2012 e em 2013, tivemos várias reuniões com toda a redação (e suas comissões de representantes) para tratar dos assuntos que apresentaram na carta. Aliás, esta sempre foi minha postura com as várias equipes de redação, estagiários e free-lancers, que por aqui passaram e deram inestimável colaboração ao longo desses 16 anos.
 
“Devo dizer que reuniões assim também foram feitas com as equipes financeira, administrativa e comercial, hoje com apenas 9 pessoas, sendo que alguns trabalham e colaboram comigo e com a revista desde 1997.
 
“Ressalto que nessas reuniões mostrei todos os números da editora, sua movimentação financeira e o prejuízo mensal que a revista vem acumulando pois, mesmo com os milhares de leitores, as receitas de publicidade são pequenas ( e agora com mais restrições da SECOM/PR ) , todo o mercado de circulação – bancas e assinaturas – está em queda , os custos vem aumentando acima da inflação, e não podemos repassar para o preço de capa. Essa situação atingiu duramente os veículos alternativos e contra hegemônicos, que tiveram que fazer ajustes para continuar suas operações e produzir um jornalismo crítico e independente.
 
“Expliquei à todos , sem distinção entre redação , comercial e operacional, que precisava tomar essas difíceis medidas para garantir a sobrevivência da revista como tenho feito em momentos de crise já vividas desde 1997.
 
“Mais uma vez, tenho certeza, a Caros Amigos contando com o empenho de suas equipes internas , o apoio dos amig@s e a fidelidade dos nossos leitores , por todo o Brasil, sairá mais fortalecida dessa lamentável crise.
 
“Abraços
 
Wagner Nabuco”
 
Relator da ONU
 
Um dos dirigentes do Instituto Barão de Itararé, Centro de Estudos da Mídia Alternativa, o jornalista Altamiro Borges, em seu blog, relata a visita do relator das Nações Unidas para a Liberdade de Opinião e Expressão, Frank de La Rue, ao Brasil. O relator tem se manifestado em defesa de medidas de combate à concentração dos meios de comunicação e em apoio à liberdade e garantia de direitos na Internet.
 
Recentemente, la Rue se posicionou a favor da Ley de Medios da Argentina, por entender que instrumentos de regulação democrática são necessários para garantir o pluralismo e a diversidade na comunicação. La Rue participa de uma série de debate sobre a democratização da comunicação e a liberdade de expressão na Câmara Municipal de São Paulo.
 

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