Pouco antes do leilão dos aeroportos, a
presidente Dilma Rousseff concedeu uma entrevista exclusiva ao 247;
disse que espera competição – e forte – entre os maiores grupos
nacionais e do mundo na briga por Confins e Galeão; sobre um suposto
distanciamento entre o Palácio do Planalto e os empresários, ela apontou
"fogo inimigo" e disse mais: "a relação aqui sempre foi de cooperação e
digo que nem o Estado pode subordinar o empresário, nem o empresário
pode querer subordinar o Estado"; sobre a solidez das contas públicas,
ela garantiu que as metas serão cumpridas em 2013 e 2014: "comigo não
tem essa história de gastança porque é ano eleitoral"; no campo social,
ela prometeu aprofundar a democracia com cotas raciais: "o Brasil
precisa sim de ações afirmativas"; em relação ao momento trágico do PT,
pediu aos militantes compreensão: "sou presidenta de todos os
brasileiros e não posso criar ou alimentar uma crise institucional";
íntegra
Leonardo Attuch 247 - Enquanto
alguns preveem e outros torcem para que a chamada "tempestade perfeita"
desabe sobre a economia nacional, o sol brilha forte em Brasília. São
15h30, na capital federal, e uma Dilma Rousseff leve recebe o 247 para
uma entrevista exclusiva. Sim, Dilma está leve. Tão leve quanto os
números do desemprego divulgados nesta quinta-feira – a taxa, de 5,2%, é
a menor da série histórica. A boa notícia de hoje talvez seja superada
por outra que ela espera para amanhã, quando serão leiloados os
aeroportos de Confins, em Minas Gerais, e do Galeão, no Rio de Janeiro.
"Vai ter competição e acho que muito forte", disse ela.
A presidente está feliz
com a montagem dos consórcios, que incluem operadores de aeroportos em
países como Cingapura, Holanda, França e Inglaterra, além de alguns dos
maiores grupos nacionais. "Conseguimos o que sempre buscamos: as maiores
concessionárias de aeroportos do mundo, que irão transferir tecnologia,
conhecimento e gestão nesse setor", diz ela. Significa que a venda dos
terminais já leiloados foi menos criteriosa. "Ao contrário". Dilma se
levanta, vai a uma sala anexa ao gabinete presidencial e pega uma grande
foto aérea do novo terminal de Viracopos, em Campinas. "Já está quase
pronto e o leilão foi há um ano", afirma. "São grandes transformações na
infraestrutura e o Brasil nunca teve o volume de investimentos que está
tendo agora: duzeeeeentos e quarenta bilhões de reais", diz ela, dando a
devida ênfase nas sílabas.
Mas por que então
estariam se espalhando duas histórias em Brasília: a de que o Palácio do
Planalto teria rompido o diálogo com os empresários e a de que a
tempestade perfeita estaria se aproximando? "Diálogo aqui nunca faltou e
nunca faltará", diz a presidente. "No nosso governo, a relação é de
cooperação com o empresário. Agora, nem o Estado pode querer subordinar o
empresário, nem o empresário pode querer subordinar o Estado".
– "Fogo amigo, então?", pergunta o repórter.
– "Que nada, é fogo inimigo mesmo", responde a presidente.
Dilma afirma que o
"chororô" dos empresários é uma coisa normal. "Antes dos leilões, é
sempre assim mesmo. É um jogo de pressões. Mas, meu querido, eu estou
nesse negócio de leilão há muito tempo, antes mesmo de ser presidenta.
Vamos lembrar dos casos de Jirau e Santo Antônio. O que eu vejo quase
sempre é deságio em relação às tarifas, o que significa que os
empresários calculam o risco e aceitam uma taxa de retorno menor do que a
estabelecida nos próprios editais", diz ela. "No caso dos aeroportos
que já foram leiloados, os concessionários pagaram valores altos,
assumiram grandes compromissos de investimento e não me consta que
estejam perdendo dinheiro".
O leilão de Libra
A presidente decide então
voltar no tempo. Em vez de falar sobre aeroportos, relembra o leilão de
Libra, o maior campo do pré-sal. "Diziam que não ia dar certo e foi
outro grande sucesso", diz ela. "Vieram duas empresas europeias de
ponta, a Shell e a Total, e duas chinesas, a CNOOC e a CNPC, que são as
maiores consumidoras do mundo", afirma. "Sabe o que isso significa? Que
este consórcio tem as empresas que controlam parte da corrente de
comércio do petróleo no mundo e que têm participação importante na
formação do preço. Todos ali sabem que tem petróleo, de boa qualidade e
em grande quantidade".
Dilma para de novo a entrevista.
– "Posso te contar uma história sobre Libra?"
– "Claro, por favor."
Ela revela que antes do
início dos grandes leilões da Agência Nacional do Petróleo, lá pelos
idos de 1997, a área onde está esse campo foi cedida à Petrobras, num
bloco em parceria com a Shell. "Eles perfuraram e chegaram a 1,5
quilômetro de uma das maiores reservas do mundo; hoje têm plena
convicção do que está ali e também da viabilidade comercial do projeto",
afirma. "Por isso mesmo, já estão desembolsando R$ 15 bilhões com bônus
de assinatura para explorar um campo onde a relação é essa: 75% para a
União e 25% para eles".
Para quem insiste na tese
de que o diálogo com os empresários é raro, Dilma lembra que o
presidente mundial da Shell, Peter Voser, foi três vezes ao Palácio do
Planalto antes do leilão de Libra.
A situação das contas públicas
Dilma passa a falar,
então, sobre a situação das contas públicas brasileiras. "Setembro foi
um ponto fora da curva e isso já foi muito bem explicado pelo ministro
Guido Mantega. Houve despesas extraordinárias, ligadas ao pagamento de
abonos salariais, mas aquele número já ficou para trás. Outubro, por
exemplo, teve a maior arrecadação fiscal da história – mas isso, a gente
sabe, né, não é notícia", afirma a presidente, acentuando, agora, sua
verve mineira. "Eu assumo aqui um compromisso: a meta fiscal será
cumprida não só neste ano, mas também em 2014".
– "Em 2014 também? No ano das eleições?", insiste o repórter.
– "Chama o Gilles pra mim", diz a presidente, referindo-se ao chefe de gabinete, Gilles Azevedo.
Quando ele entra na sala, o pedido:
– "Pega pra ele aqui a carta assinada com os líderes de todos os partidos".
O documento é entregue ao jornalista com dezenas de assinaturas.
– "Que base aliada grande é essa, presidenta…"
– "Pois é. E todo mundo
que está aí nessa lista assumiu um pacto, um compromisso. Nada de
apresentar projetos que desequilibrem as contas públicas no ano que vem.
Comigo não tem essa história de gastança porque é ano eleitoral."
O documento, de fato, é
enfático. "Assim, é preciso zelar pelo cumprimento das metas fiscais
acordadas no Orçamento e na LDO. Por isso, tomamos a decisão de não
apoiar matérias que impliquem, neste momento, aumento de gastos ou
redução de receita orçamentária", dizem os líderes de praticamente todos
os partidos.
Eleições em 2014
Esgotada a discussão no campo econômico, passa-se para a política.
O repórter relata à
presidente um encontro anterior com um grande empresário, ocorrido no
mesmo dia, a quem fez a seguinte pergunta: "O que gostaria de perguntar à
presidente Dilma?".
Veio dele uma colocação
interessante: "seu segundo mandato será marcado pela inovação, em
políticas públicas, ou refletirá o esgotamento, já no quarto período, da
era Lula-Dilma?" Em outras palavras, como garantir uma boa energia e
não evitar o cansaço num ciclo político de 16 anos.
Dilma faz então uma
reflexão sobre a evolução do País nos últimos anos. "É preciso sempre
ver o alicerce de cada construção. O presidente Lula, quando assumiu,
recebeu uma base estreita dos seus antecessores. Quando chegou a minha
vez, essa base era muito mais ampla, com a estabilidade consolidada e
milhões de brasileiros que saíram da pobreza. Isso me permitiu
aprofundar algumas questões e também várias políticas públicas na área
social – o Mais Médicos é apenas um exemplo. Em janeiro de 2015, essa
base será muito mais ampla o que dará ao futuro governo condições ainda
melhores", afirma.
– "Quer um exemplo?", pergunta a presidente Dilma.
– "Claro".
– "Veja o Pronatec
[Programa Nacional do Ensino Técnico]. Diziam que era impossível colocar
em prática e ele já atinge 5 milhões de jovens. Em breve, serão oito
milhões. Este é um bom exemplo de uma relação de cooperação com o setor
privado. O programa foi desenvolvido em parceria com o Robson Andrade
[presidente da Confederação Nacional da Indústria], que sabe como a
educação e a produtividade do trabalho são fatores essenciais para a
competitividade da indústria".
A marca de um segundo mandato
Embalada pelo tema, Dilma
afirma que uma segunda gestão será marcada por um tema central:
educação. "Os Estados Unidos e a Europa vão sair dessa crise com um
custo salarial muito menor", diz ela. "E o Brasil precisa estar pronto
para ser bem mais competitivo".
Dilma afirma que o
aspecto quantitativo da educação já vem sendo superado, inclusive no
ensino superior. "O problema agora é qualitativo e precisamos enfrentar o
problema do ensino médio no Brasil". Segundo ela, toda a ênfase dada ao
destino dos recursos do pré-sal tem uma razão de ser: "o Brasil precisa
de um salto qualitativo na educação".
E ela insiste na continuidade das transformações sociais: "sempre dizemos que o fim da miséria é apenas o começo".
Preconceito e racismo no Brasil
Quando o tempo reservado
para a entrevista se aproxima do fim, 247 levanta uma bandeira defendida
pelo veículo e, recentemente, abraçada também pelo governo federal: a
necessidade de cotas raciais no serviço público.
Neste ponto, Dilma é
enfática. "O racismo persiste sim no Brasil. Quando houve a Abolição,
ele passou a se expressar de outra forma, que foi na hierarquização da
sociedade: branco acima, negro abaixo. E isso em todos os campos. Na
educação, no mercado de trabalho e também no governo", diz ela. "Por
isso mesmo, insisto: o Brasil precisa de ações afirmativas. O papel do
governo é encurtar as distâncias, abreviar o tempo necessário para
transformar o país numa nação mais inclusiva e mais democrática. No
Brasil, os que se declaram afrodescendentes são mais de 50% da
população. E que hoje se declaram com orgulho. Mas quem há de negar a
discriminação?"
Dilma relembra o caso do
médico cubano Juan Delgado, que foi vaiado e chamado de "escravo",
quando chegou ao Brasil para atuar no Mais Médicos. "Aquilo me
envergonhou e, ao mesmo tempo, me comoveu", afirma. "O preconceito
existe na sociedade brasileira e me incomoda muito"
O momento dramático do PT
O relógio apita, mas não
impede uma última questão: que mensagem a presidente reserva para os
militantes do Partido dos Trabalhadores, que hoje sofrem com a prisão de
alguns de seus líderes históricos? (antes da entrevista, 247 publicou,
em primeira mão, a notícia de que José Genoino havia sofrido um
princípio de infarto). "Todos precisam entender que sou a presidente de
todos os brasileiros. E não posso nem devo me mover um milímetro na
direção de algo que possa criar uma crise institucional, entre os
poderes".
Em outras palavras, Dilma
pediu compreensão. Ela sabe que, para a continuidade do projeto de
transformações defendido pelo PT, ela tem uma única missão: governar bem
e vencer em 2014.
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