A primeira vez que li o belo texto de Eduardo Alves da Costa foi numa
gramática da língua portuguesa. Gostei. Muito! Copiei-o imediatamente no
Jornal de Poesia.
O que se conhece de Internet e livros didáticos é apenas um fragmento,
mas tão forte, tão belo e independente que pode ser lido escoteiro como
se fora um poema independente que, a rigor, é.
Eis o fragmento de Eduardo Alves da Costa:
No caminho com Maiakóvski
"[...]
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
[...]"
"Um Maiakóvski no caminho"
Foi resolvida graças à novela das oito uma confusão de 30 anos. Escrito nos anos 60 pelo poeta fluminense Eduardo Alves da Costa, 67, o poema "No Caminho, com Maiakóvski" era (quase) sempre creditado ao russo Vladimir Maiakóvski
(1893-1930). Em "Mulheres Apaixonadas", Helena (Christiane Torloni) leu
um trecho do poema, dando o crédito correto. Foi o suficiente para
reavivar a polêmica -resolvida dois capítulos depois, em que a autoria
de Costa foi reafirmada- e, de quebra, fazer surgir uma proposta de
reeditar o poema, para aproveitar a exposição no horário nobre.
Livro combinado, a noite de autógrafos será na novela. "Pedi que apresse
e me mande até o dia 10. Quero lançar aqui", diz Manoel Carlos, autor
de "Mulheres". Eduardo Alves da Costa falou à coluna:
Folha - Você se arrepende de ter posto Maiakóvski no título?
Eduardo Alves da Costa - De maneira nenhuma! Tanto que vou usar o mesmo título para o livro que sai agora.
Durante mais de 30 anos acreditaram que o poema era dele. Isso não o incomoda?
Era uma enxurrada muito grande. Saiu em jornais com crédito para
Maiakóvski. Fizeram até camisetas na época das Diretas-Já. Virou símbolo
da luta contra o regime militar.
Como surgiu o engano?
O poema saiu em jornais universitários, nos anos 70. O psicanalista
Roberto Freire incluiu em um livro dele e deu crédito ao russo e me
colocou como tradutor. Mas já encomendei da França a obra completa do
Maiakóvski. Quando alguém me questionar, entrego os cinco volumes e
mando achar o poema lá.
NO CAMINHO COM MAIAKÓVSKI
Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.
Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na Segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.
Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne a aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.
Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.
E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA!
Nota do editor: em negrito, o
"fragmento" que corre o mundo, belíssimo, desse poema de Eduardo Alves
da Costa. Acima, o poema inteiro.
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