por Ricardo Melo, na Folha
Derrotada nas eleições, a classe
dominante brasileira usou o estratagema habitual: foi remexer nos
compêndios do "Direito" até encontrar casuísmos capazes de preencher as
ideias que lhe faltam nos palanques. Como se diz no esporte, recorreu ao
tapetão.
O casuísmo da moda, o domínio do fato, caiu como uma
luva. A critério de juízes, por intermédio dele é possível provar tudo,
ou provar nada. O recurso é também o abrigo dos covardes. No caso do
mensalão, serviu para condenar José Dirceu, embora não houvesse uma
única evidência material quanto à sua participação cabal em delitos. A
base da acusação: como um chefe da Casa Civil desconhecia o que estava
acontecendo?
A pergunta seguinte atesta a covardia do
processo: por que então não incluir Lula no rol dos acusados? Qualquer
pessoa letrada percebe ser impossível um presidente da República ignorar
um esquema como teria sido o mensalão.
Mas mexer com Lula,
pera aí! Vai que o presidente decide mobilizar o povo. Pior ainda quando
todos sabem que um outro presidente, o tucano Fernando Henrique
Cardoso, assistiu à compra de votos a céu aberto para garantir a
reeleição e nada lhe aconteceu. Por mais não fosse, que se mantivessem
as aparências. Estabeleceu-se então que o domínio do fato vale para
todos, à exceção, por exemplo, de chefes de governo e tucanos
encrencados com licitações trapaceadas.
A saída foi tentar
abater os petistas pelas bordas. E aí foi o espetáculo que se viu.
Políticos são acusados de comprar votos que já estavam garantidos. Ora o
processo tinha que ser fatiado, ora tinha que ser examinado em
conjunto; situações iguais resultaram em punições diferentes, e
vice-versa.
Os debates? Quantos momentos edificantes. Joaquim
Barbosa, estrela da companhia, exibiu desenvoltura midiática
inversamente proporcional à capacidade de lembrar datas, fixar penas
coerentes e respeitar o contraditório. Paladino da Justiça, não pensou
duas vezes para mandar um jornalista chafurdar no lixo e tentar
desempregar a mulher do mesmo desafeto. Belo exemplo.
O que
virá pela frente é uma incógnita. Para o PT, ficam algumas lições. Faça o
que quiser, apareça em foto com quem quer que seja, elogie algozes do
passado, do presente ou do futuro –o fato é que o partido nunca será
assimilado pelo status quo enquanto tiver suas raízes identificadas com o
povo. Perto dos valores dos escândalos que pululam por aí, o mensalão
não passa de gorjeta e mal daria para comprar um vagão superfaturado de
metrô. Mas como foi obra do PT, cadeia neles.
É a velha
história: se uma empregada pega escondida uma peça de lingerie da patroa
para ir a uma festa pobre, certamente será demitida, quando não
encarcerada –mesmo que a tenha devolvido. Agora, se a amiga da mesma
madame levar "por engano" um colar milionário após um regabofe nos
Jardins, certamente será perdoada pelo esquecimento e presenteada com o
mimo.
Nunca morri de admiração por militantes como José
Dirceu, José Genoino e outros tantos. Ao contrário: invariavelmente
tivemos posições diferentes em debates sobre os rumos da luta por
transformações sociais. Penso até que muitas das dificuldades do PT
resultam de decisões equivocadas por eles defendidas. Mas num país onde
Paulo Maluf e Brilhante Ustra estão soltos, enquanto Dirceu e Genoino
dormem na cadeia, até um cego percebe que as coisas estão fora de lugar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
”Sendo este um espaço democrático, os comentários aqui postados são de total responsabilidade dos seus emitentes, não representando necessariamente a opinião de seus editores. Nós, nos reservamos o direito de, dentro das limitações de tempo, resumir ou deletar os comentários que tiverem conteúdo contrário às normas éticas deste blog. Não será tolerado Insulto, difamação ou ataques pessoais. Os editores não se responsabilizam pelo conteúdo dos comentários dos leitores, mas adverte que, textos ofensivos à quem quer que seja, ou que contenham agressão, discriminação, palavrões, ou que de alguma forma incitem a violência, ou transgridam leis e normas vigentes no Brasil, serão excluídos.”