As eleições do próximo ano definem em que proporção PT e PMDB avançam sobre o eleitorado lulista no Norte e no Nordeste - uma disputa que também é autofágica, pois os dois partidos estão abrigados na mesma base parlamentar que apoia, a nível federal, a presidenta Dilma Rousseff.
Tem lógica o clima de guerra entre PT e PMDB, aliados ao governo federal, em torno das eleições municipais do próximo ano. Assim como as bancadas dos partidos tradicionais tendem a aumentar se eles estiverem com o governo, e a diminuir na oposição, a base municipal obedece ao mesmo movimento. É o espólio da oposição que está em disputa entre os dois partidos e, mais do que isso, a disputa entre eles pelos votos da população mais pobre, capturada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em suas gestões e disputada pelos três partidos maiores da base governista: PT, PMDB e PSB.
A exemplo do que ocorre com as suas bancadas federais, o PT é o único que mantém um crescimento contínuo do número de prefeitos, quer no governo, quer na oposição. De 2004 para cá, quando disputou eleições municipais no comando do governo federal, a legenda não apenas aumentou a quantidade de prefeituras, como tornou-se atraente às bases municipais dos outros partidos. Nas eleições de 2008, todos os que obtiveram pelo menos 1% dos votos válidos perderam prefeitos para o PT, exceto o PSB, que tirou quatro do seu maior aliado, em relação às eleições de 2004, e não perdeu para nenhum. O PSB, todavia, não foge à regra de inchar no governo e desidratar na oposição. O PMDB, em 2006, só perdeu municípios para o PT (33 prefeitos) e para o PSB (18), partidos que se expandiram principalmente no Nordeste, em especial sobre as suas bases e as do ex-PFL.
De 2004 para 2008, as duas eleições que ocorreram no mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, a redução das bases municipais dos partidos de oposição, antes aliados ao governo tucano de Fernando Henrique Cardoso, foi alarmante. A situação pior em termos reais é a do DEM, ex-PFL. Em termos percentuais, a do PPS.
Das eleições de 1996 para as de 2000, quando o PFL usufruia da condição de aliado preferencial do governo peessedebista, passou de 937 para 1027 prefeitos; em 2004, já no governo petista, reduziu seu número de prefeituras para 791; nas eleições seguintes, para 500. Segundo estudo de Octavio Amorim Neto (FGV) e César Zucco (Iuperj), "As eleições de 2008 e o momento 'conservador' da política brasileira" (citado no artigo de Sérgio Quintella de março de 2009, "As eleições de 2008: conclusões e prognósticos"), o hoje DEM perdeu prefeituras para todos os outros partidos, exceto para o PPS. O PMDB levou 66 prefeituras da legenda conservadora; o PSB, 37; o PT, 38; o PP, 16; o PDT, 20; o PTB, 23; e o PR, 31. O partido perdeu até para o seu aliado preferencial, o PSDB, 23 prefeituras.
O PSDB perdeu prefeitos principalmente para os três maiores partidos da base aliada: 28 para o PSB, 34 para o PT e 36 para o PMDB, além de 8 para o PTB. Não teve enorme queda porque subtraiu prefeitos de seus aliados: 23 do DEM e 19 do PPS. É a chamada autofagia. O ex-PCB, por sua vez, perdeu de todo lado: do governo e da oposição, inclusive para o aliado DEM.
Os números de 2008 indicavam claramente o rumo que as eleições federais tomariam, dois anos depois. Segundo os mesmos autores, em 1996 o PT elegia 4 prefeitos nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste para cada um eleito no Norte e no Nordeste. Em 2008, esta razão tinha caído para 1,7. O partido de Lula abriu espaço nos Estados mais pobres, em especial os do Nordeste, e perdeu nos mais ricos, das regiões Sul e Sudeste.
O PMDB, embora seja, estourado, o partido com maior número de prefeitos, compete com o PT no Nordeste e com o PSDB no Sudeste e no Sul. Em São Paulo, que já foi reduto peemedebista, o partido sangrou de todos os lados, depois do racha que deu forma ao PSDB, em 1988. O PSDB avançou sobre o eleitorado mais rico e intelectualizado do Estado, que era peemedebista antes de existirem os tucanos; o PMDB ficou com a base de Orestes Quércia, que definhou até se tornar uma força exclusivamente municipal.
Nas últimas três eleições municipais, todavia, o partido vem perdendo espaço no Estado, aos poucos e sempre. Em 1996 tinha 109 pefeitos; em 2004, ganhou mais dois; em 2004, desceu para 90; em 2008, caiu para 70 deputados. Esta será a primeira eleição municipal sem a liderança de Orestes Quércia, que morreu no ano passado e era quem controlava o partido no interior paulista. O vice-presidente Michel Temer tenta ganhar essa estrutura, sem a qual perde peso relativo no partido nacional.
A base municipal do PMDB paulista é a única coisa que sobrou do partido no Estado em que já foi mais forte: depois do racha do PSDB, o quercismo não elegeu nenhum governador ou senador. Sua bancada federal hoje tem um único deputado. A redução do número de prefeitos acontece na proporção direta do aumento dos prefeitos do PSDB, do PT e até do DEM.
As eleições do próximo ano definem em que proporção PT e PMDB avançam sobre o eleitorado lulista no Norte e no Nordeste - uma disputa que também é autofágica, pois os dois partidos estão abrigados na mesma base parlamentar que apoia, a nível federal, a presidenta Dilma Rousseff.
Definem também a posição do partido saído da costela do DEM, o PSD, que vai para as urnas agora como governo. A nova legenda tem que avançar sobre as bases do DEM, do PSDB e do PMDB para firmar-se como partido. O PSDB, por sua vez, tenta estancar possíveis sangrias para outros partidos nas regiões menos desenvolvidas, sob pena de fixar-se como um partido das regiões Sul e Sudeste. O PT tem que ganhar espaço nessas regiões, sob pena de virar um partido nordestino. É muita briga para 2012, entre aliados e oposicionistas. Vai correr ainda muito sangue.
Maria Inês Nassif, colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo.
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