Guerrilheiro Virtual

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Cidade de Deus ganha moeda própria

A finalidade é incentivar a produção e o consumo local, centrada na valorização do ser humano e não no capital.

Vale ressaltar, que a matéria da Carta Capital, deixou de citar que esse trabalho vem sendo desenvolvido por várias lideranças existentes nas comunidades do município do Rio (ligadas ao Movimento Popular) que contam com a participação direta da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Solidário e a atuação constante do ex-presidente do Sindicato dos Bancários Vinícius Assumpção, hoje sub secretário da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Solidário da Prefeitura do Rio de Janeiro. 

A reportagem da Carta Capital (abaixo), também não se aprofunda na real filosofia dessa iniciativa. Por isso, nosso Blog aproveita e transcreve abaixo, um pequeno resumo sobre economia solidária, que extraímos da enciclopédia livre Wikipédia.

Economia solidária é uma forma de produção, consumo e distribuição de riqueza (economia) centrada na valorização do ser humano e não do capital. Tem base associativista e cooperativista, e é voltada para a produção, consumo e comercialização de bens e serviços de modo autogerido, tendo como finalidade a reprodução ampliada da vida. Preconiza o entendimento do trabalho como um meio de libertação humana dentro de um processo de democratização econômica, criando uma alternativa à dimensão alienante e assalariada das relações do trabalho capitalista.

Além disso, a Economia Solidária possui uma finalidade multidimensional, isto é, envolve a dimensão social, econômica, política, ecológica e cultural. Isto porque, além da visão econômica de geração de trabalho e renda, as experiências de Economia Solidária se projetam no espaço público, no qual estão inseridas, tendo como perspectiva a construção de um ambiente socialmente justo e sustentável; vale ressaltar: a Economia Solidária não se confunde com o chamado "Terceiro Setor" que substitui o Estado nas suas obrigações legais e inibe a emancipação de trabalhadoras e trabalhadores, enquanto sujeitos protagonistas de direitos. A Economia Solidária reafirma, assim, a emergência de atores sociais, ou seja, a emancipação de trabalhadoras e trabalhadores como sujeitos históricos.

Retransmitimos abaixo matéria da Carta Capital

 Líderes estampam notas na Cidade de Deus

22 de setembro de 2011 às 11:16h
Notas em homenagem a líderes comunitários são
usadas no comércio do bairro. Foto: Portal Comunitário
da Cidade de Deus
 
As notas de Real que circulam pelo Brasil inteiro são reconhecidas pela ilustração da efígie da República, uma mulher inspirada na imagem da Liberdade, do quadro A Liberdade guiando o Povo, de Eugène Delacroix. No regime de economia solidária, implantado na semana passada no Rio de Janeiro, a moeda social que circula desde o último dia 15, na favela Cidade de Deus, a CDD (abreviação de reconhecimento do bairro), é representada por gente comum – mas importantes para o local, como a dona Geralda Maria de Jesus, cuja foto está na cédula equivalente ao um real.

Tão famosa quanto a imagens das notas do Real lá na comunidade, a moradora de 82 anos, uma das primeiras a chegar ao bairro, em 1965, diz que esse é um reconhecimento do seu trabalho. “Sou muito agradecida a todos aqueles que entenderam o que eu faço e compreenderam que eu estava sendo merecedora de passar por esse momento”, vibra a homenageada.

Mineira de Carangola, região da Mata, dona Geralda, que chegou aos 36 anos e com oito filhos na Cidade de Deus, há mais de 20 serve café da manhã (leite e pão com manteiga) e almoço para gestantes e crianças carentes. “Tudo é distribuído aqui na minha casa, com a ajuda de umas 200 pessoas e dois de meus filhos, Ana Regina, 50, e Nilo Sergio, 39”. Ela formou o grupo sem ajuda governamental e, até hoje, tudo é feito com “um pouco que cada um pode dar”. É ela quem prepara as refeições. “Eu estava para me aposentar, quase com 70 anos, e fiquei pensando o que é que eu poderia fazer para continuar trabalhando e surgiu a boa vontade de ajudar crianças e grávidas”. De segunda a quinta-feira dona Geralda distribui refeições gratuitamente.

São exemplos de moradores que contribuem para o desenvolvimento da Cidade de Deus que estampam as notas de CDD que agora fazem parte do dia a dia do comércio. Quem troca o Real pela moeda social, consegue desconto de até 10% nas compras. Com isso, espera-se colocar em prática o objetivo do Banco Comunitário, que é o de incentivar a produção e consumo de produtos e serviços locais, promovendo a economia da comunidade.
Reprodução da nota em homenagem a
Geralda de Jesus, que desenvolve trabalho
voluntário na comunidade
 
Além de operar em moeda própria, os clientes terão acesso a linhas de crédito, em reais, para investir em produção, e a empréstimos para o consumo, em moeda social. Para isso, os moradores da comunidade contam com uma carteira de crédito disponível no banco na ordem de 250 mil reais, captados junto ao BNDES, ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal. Produzida dentro de um conceito de segurança em camadas, a moeda social passa por dois sistemas de impressão, offset e calcográfico, e em cada um deles recebe múltiplos elementos que, superpostos, impedem sua reprodução ou adulteração. O sistema é o mesmo utilizado na fabricação de cédulas de quase todos os países e recomendado pela Interpol para impressão de documentos de segurança.

Além de Geralda, a dona Benta Neves do Nascimento, também é notável e aparece na cédula de 5 CDD, que tem o mesmo valor de 5 reais. Ela criou a ONG Comitê da Terceira Idade e já formou centenas de pessoas em cursos de corte e costura, artesanato e bordados.

Dois moradores já falecidos estão nas notas de 10 CDD e de 2. São Julio Grooten, que foi o primeiro padre do bairro, onde criou a Paróquia da Matriz e ergueu a primeira creche; e João Batista, que dirigia a Associação Beneficente Obra Social Estrela da Paz, que cuida de crianças e adolescentes em fase de desnutrição. A única exceção é a cédula de 0,50 CDD que traz a imagem da Casa do Barão, importante na história da região.

O protagonismo dos moradores vai além das notas, pois eles fazem parte de uma iniciativa maior que integra as ações da Agência de Desenvolvimento Local que desde 2005 busca ações que respondem as necessidades da população e se organiza de diversas formas para enfrentar os problemas do bairro. A comunidade foi chacoalhada em 2002 pelo filme Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, que gerou grande insatisfação nos moradores. Para eles, o filme retrata a  comunidade como um local violento, insuflando, assim, o preconceito e a criminalização da pobreza. E foi justamente esse sentimento que serviu para mobilizar 20 diferentes instituições locais, empenhadas em mostrar ao poder público que precisavam muito mais do que ações contra o tráfico de drogas e o crime organizado. Na pauta comunitária, despontaram temas básicos, como educação, trabalho, renda e saúde – plataforma de partida do Comitê Comunitário da Cidade de Deus, criado em 2003 com a finalidade de discutir as demandas da comunidade e influenciar políticas públicas.

O Banco Comunitário Cidade de Deus também tem a digital da comunidade e nasceu da vontade dos moradores expressa em assembleias de representação popular. A administração fica nas mãos deles, como recomenda o modelo de economia solidária. A sede funciona na Agência de Desenvolvimento e está sendo gerenciada por sua presidenta, a também moradora da comunidade Ana Lúcia Pereira Serafim, escolhida por meio de eleição.

Na ocasião do lançamento do banco Comunitário, o prefeito da cidade, Eduardo Paes (PMDB), fez questão de lembrar que o feito é dos moradores. “É importante dizer que se trata de uma iniciativa da comunidade” e que a prefeitura e governo federal são parceiros auxiliares.

Tudo era mais difícil na Cidade de Deus, conta dona Geralda. Para comprar comida, era preciso “ir a pé à Freguesia”, bairro vizinho à Cidade de Deus. Com a chegada do banco, dona Geralda comemora: “Nossos filhos passavam grande sacrifício para procurar emprego. Não podia nem dizer que morava na Cidade de Deus, porque não conseguiam vaga. Agora, todos entram aqui sorrindo, conversando, e chegar um banco na comunidade é algo muito gratificante. O pessoal vai ter respeito, vão ver o que a gente passou, vão divulgar o que nós fizemos. Hoje eu sou uma rainha, porque quando eu cheguei aqui não tinha nada. E hoje tem tudo”.

“A alma do banco é fazer com que a riqueza gerada na Cidade de Deus permaneça na comunidade e a existência de uma moeda local vai permitir isso. Seus moradores possuem enorme potencial de produzir riqueza internamente, de negociar e de estimular as atividades econômicas locais. Com isso, os comerciantes locais só terão a ganhar, uma vez que as pessoas passarão a consumir somente aqui”, disse o prefeito, completando que pretende levar o projeto a outras comunidades da cidade.
 
Da esquerda para a direita, em pé, Paul Singer,
secretário nacional da Economia Solidária;
o prefeito Eduardo Paes; a gestora do Banco Comunitário,
Ana Lúcia; e o secretário de Desenvolvimento Econômico Solidário,
Marcelo Henrique da Costa. Sentadas, da esquerda
para direita, dona Benta e dona Geralda.
 
Só no Brasil são 63 agências de bancos comunitários criados desde 2005. Um desempenho que alimenta uma meta ousada: bater a marca dos mil bancos até 2014, consolidando a tecnologia social como estratégia de enfrentamento da pobreza no país. A expectativa é do teólogo e educador popular Joaquim de Melo Neto, mentor e coordenador da Rede Brasileira de Bancos Comunitários, do Instituto Palmas e do Banco Palmas, a experiência pioneira, desenvolvida em Fortaleza há 13 anos. Segundo ele, do total de novos bancos comunitários previstos para os próximos três anos, 60% devem se concentrar nas regiões Norte e Nordeste e 40% no Sul, Sudeste e Centro Oeste.

De acordo com Ana Lúcia, gestora do Banco, desde a abertura da agência, cerca de seis mil CDD já circulam pela comunidade. Mas uma das notas pelo menos não vai sequer circular pela comunidade: uma cédula de 1 CDD que não sai por nada da bolsa da dona Geralda. “Vou te dizer de coração, na carteira só tenho uma nota de 1 CDD. E não vou gastar ela não. Agradeço a Deus por aquela nota estar comigo.”

E todo mundo entende o porquê.

Do Blog Marat Calado

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