Guerrilheiro Virtual

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

“Tempos do Grande Ceifador”

Via redecastorphoto

 Pepe Escobar, Asia Times Online
The age of the Reaper

Traduzido pelo pessoal da VilaVudu

New bases extend US's drone war”, Jim Lobe, Atol 23/9/2011
O Grande Ceifador (Reaper) não foi formalmente convidado para a Assembleia Geral anual da ONU em New York.

Antigamente, era chamado “o Ceifador Implacável”. “Implacável” o bicho dissimulado, o odiado das gentes, ainda é – sempre sob vários disfarces. Reinventou o conceito de morte que vem dos céus e bem merece o nome que tem “MQ-9, o Ceifador” [orig. MQ-9 Reaper], engalanado com mísseis “Fogo do Inferno” [orig. Hellfire].


EUA Africa Command / Major Eric Hilliard - Ilhas Seychelles é onde os EUA mantinham temporariamente estacionados os Reaper MQ-9’s, sob o Comando operacional do Africom. Agora abriga uma base, onde a pequena frota desses drones - “caçadores assassinos” - retomou as operações neste mês.
Mas também aparece de terno e gravata e incorpora a persona do presidente dos EUA.

Leve-me ao alvo, sem atraso

Barack Obama, da tribuna da ONU, disse ao mundo “Que ninguém duvide: a maré de guerra está baixando.” Nem os mais consumados especialistas midiáticos neo-Orwellianos conseguiriam superá-lo nessa tirada.

Sobre o bombardeamento da Líbia, com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) inventando na Líbia a primeira democracia montada a bombas, Obama explicou: “É assim que a comunidade internacional deve, mesmo, trabalhar.”

Imediatamente depois, aquele “funcionário da OTAN” suspeito de sempre, vazou que a Aliança estendeu por mais 90 dias a missão de fazer da Líbia um amontoado de ruínas; o alvará vigente expirará na 3ª-feira próxima. Claro. Disse também que as bombas inteligentes da OTAN só reconhecem os bandidos e nunca causam danos colaterais.

Quanto à “comunidade internacional” – que passou a ser constituída só de membros da OTAN e monarquias do Golfo Persa, excluídos todos os demais povos da Terra – “terá de responder ao clamor por mudança” no Oriente Médio, segundo Obama. Alvos já definidos, como todos sabem, são, nesse parágrafo, a Síria e o Irã.

Outra vez, também imediatamente, os “funcionários do governo dos EUA” de sempre vazaram que o governo Obama está montando o que o Washington Post descreveu como “uma constelação de bases secretas de aviões-robôs tripulados à distância [orig. drones] no Chifre da África e na Península Arábica” [1]. Alvos já definidos, nesse caso, são a Somália e o Iêmen.

Quanto ao pretexto, sem novidades: a mesma al-Qaeda, velho bicho-papão de sempre. Outra vez, as “empresas fornecedoras da Defesa” já começaram a desarrolhar as Moët.

Arma alada matadora, de baixo custo

Como aquelas empresas fornecedoras bem sabem, Washington está agora envolvida em nada menos que seis guerras – ou “cinéticas-seja-lá-o-que-for”, como a Casa Branca as define – no Iraque, Líbia, Afeganistão, Paquistão, Iêmen e Somália.

Para o nosso amigo Ceifador Implacável, o avião robô pilotado à distância, o drone, o MQ-9 Reaper, o céu é, literalmente, o limite. A trilha de destruição que deixa já vai do Af-Pak, por todo o Leste da África, até o Golfo de Aden. Passará a ter bases na Etiópia e nas Seychelles, aquele adorável arquipélago no Oceano Índico famoso pelas fabulosas praias e resorts dez estrelas.

A frota “caçadora-matadora” de drones MQ-9 Reapers – com serventia, em pentagonês, para “vigilância” e “ataque” – estacionada num hangar próximo ao principal terminal de passageiros em Victoria, nas ilhas Seychelles, inaugurará conceito totalmente novo de linha aérea de baixo orçamento.

Por mais que estejam sendo exibidos como brinquedinhos inocentes que sobrevoam a Somália “para apoiar ações em curso de contraterrorismo”, já se podem apostar garrafas extras de Moët: mais dia menos dia, os sucessos dessa linha aérea matadora de baixo custo chegarão às manchetes.

Naturalmente, os drones Ceifadores MQ-9 Reapers não bombardearão os (como se dizia antes) “rebeldes” líbios ligados à al-Qaeda que, hoje, têm completo controle militar em Trípoli.

Só serão usados depois de os extremistas islamistas líbios linha duríssima iniciarem sua missão de talibanização – seja como parte ativa dentro do governo do Conselho Nacional de Transição, seja como força de guerrilha que combaterá contra a OTAN. O Pentágono sempre respeita a tradição que manda cuidar melhor dos futuros inimigos do que dos atuais amigos.

Nesse universo afogado em novilíngua, conhecido como “círculos avançados de vigilância”, ninguém se preocupa com dano colateral. Até um think-tank do establishment, como a Brookings Institution, já disse que, para cada “terrorista” morto, “morrem também dez civis ou mais”. Estimativas mais realistas falam de 15 civis mortos, por “terrorista” que morda a poeira.

E, enquanto isso, essa guerra à moda EUA-Playstation promovida pelo Pentágono nunca cessa de ser ‘atualizada’: aviões-robôs ceifa-vidas, Reapers ou filhos de Reapers, logo estarão executando suas próprias tarefas, ativados por tecnologia de pontíssima, sem nenhuma intervenção humana.

O que nos traz de volta a Obama.

Essa liberdade não é p’rô seu bico

De sua tribuna na ONU, Obama insistiu: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. Não se aplica aos palestinos – porque Obama acha que, se dissesse que se aplica, passaria à lista dos desempregados em novembro de 2012.

Obama disse também que “os israelenses têm sido mortos por foguetes e suicidas-bomba”. Mas, no opus de 47 minutos à ONU, sequer sugeriu que algum dia venha a ser capaz de admitir algo como: “os palestinos têm sido mortos por ataques com jatos bombardeiros, bombas de fragmentação, bombas de perseguição, bombas de fósforo, tanques, atiradores clandestinos escondidos em prédios, punição coletiva e, claro, muitos ataques com aviões-robôs comandados à distância, drones, os Reapers, os ceifadores”.

Obama sequer deu sinal de cogitar de mencionar, nem de longe, nem de passagem, as fronteiras pré-1967 para um futuro estado palestino – fronteiras que virtualmente são apoiadas por todo o planeta. Normal, se se considera que recentemente Obama não conseguiu, sequer, convencer o governo de Israel a parar de construir prédios para colonos israelenses, em terra roubada.

No que tenha a ver com a posição de Washington ante a requisição dos palestinos para que a ONU reconheça o estado palestino, consumiram-se torrentes de bites para explicar que os EUA são obrigados a obedecer ao que Israel ordene, ao mesmo tempo em que fingem que não são pau mandado de Israel.

Na véspera da reunião do Conselho de Segurança da ONU, a Palestina já tinha a seu favor nove dos 15 votos necessários para ser reconhecida como estado – o que valerá aos palestinos retumbante vitória moral, mesmo que se considere o inevitável veto dos EUA.

Muito significativamente, votam a favor do pedido as cinco potências emergentes BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), além de Bósnia, Gabão e Nigéria. Alemanha, Colômbia e os EUA declararam que votarão contra. Claro que, assim sendo, Washington desencadeou impressionante movimento de “pressão-baixaria” sobre a Bósnia (país de maioria muçulmana), o Gabão e a Nigéria (membro da Organização da Conferência Islâmica [ing. Organization of the Islamic Conference, OIC].

A ninguém preocupa ou interessa que a ideia de um estado palestino seja consensual na comunidade internacional – na verdadeira, de carne e osso; não o fantasma-esqueleto de que Washington tanto fala.

Basta examinar um mapa e ver a erosão que Israel já promoveu em terras palestinas de 1946 a 2011, para entender que Israel já matou a Solução dos Dois Estados, independente do que aconteça na ONU.

“Fatos em campo” que realmente contam: Israel é a dominatrix suprema de toda a política exterior dos EUA; o Congresso dos EUA é prostituta que Israel sustenta e espanca. “Fato em campo” é, também, Obama tentando engambelar os muçulmanos com floreios retóricos em Istanbul e no Cairo para, em seguida, quando a coisa endurece, encolher-se sob o chicote da dominatrix.

E tudo isso enquanto, do norte da África ao Oriente Médio, multidões nas ruas lutam para ter a mesma “liberdade” da qual norte-americanos (e israelenses) aparentemente gozam, mas que são negadas para sempre aos palestinos.

Aconteça o que acontecer na ONU, Israel fez o negócio do século.

Sob a carapuça de um “processo de paz” morto-vivo, sucessivos governos de Israel nunca pararam de roubar terra e propriedades dos palestinos, de construir prédios ilegais em colônias ilegais e de adiar sempre qualquer solução. E só os EUA pagarão o pesado peso político.

Washington paga pelas colônias ilegais. Washington guerreia contra virtualmente todos os inimigos de Israel. Washington antagoniza letalmente 1,3 bilhão de muçulmanos em todo o mundo. Washington consome trilhões de (seus) dólares... e entrou em bancarrota, para manter uma “guerra ao terror” – que é guerra de Israel.

O que nos leva a mais uma das máscaras do Grande Ceifador, o drone, o odiado das gentes.

Pode ser um avião-robô tripulado à distância, MQ-9, matador no Af-Pak ou na nova rota da morte Seychelles-Somália. Pode ser telecomandado pelo presidente dos EUA contra os palestinos. E também atende pelo nome de Bibi. Está cá, lá, acolá, está em todos os lugares. Tremei. Vem aí o Ceifador. Tremei. Se nããããão....

Nota dos tradutores
[1] 20/9/2011, Washington Post, em: U.S. assembling secret drone bases in Africa, Arabian Peninsula, officials say

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