Guerrilheiro Virtual

domingo, 30 de outubro de 2011

A Esquerda e o Lacerdismo do Monopólio Midiático


Diorge Konrad *

 Demos a mão à palmatória. Carlos Lacerda deixou um legado importante para o Brasil: o legado abjeto da fabricação das crises políticas, da manipulação dos fatos, do denuncismo eleitoreiro, de anticomunismo rasteiro, de uma imprensa que direciona a meia-verdade para os interesses espúrios das classes dominantes, tal qual a tática de Goebbels na Alemanha nazista.

No Brasil, a prática é recorrente e conhecida desde os tempos de Vargas. O conteúdo ideológico dos ataques é o mesmo, com a defesa da não-intervenção do Estado na economia e nas relações de trabalho. Assim, tudo que visa melhorias sociais e econômicas para a maioria da população, mesmo nos limites do capitalismo, é intolerável. Políticas públicas de distribuição de renda ou programas sociais são taxadas de populistas, crescimento econômico centrado no mercado interno e industrialização por bens de capitais são acusados de xenofobia, empresas públicas em setores estratégicos recebem a pecha de estatistas, leis e direitos sociais ampliados são caracterizados como demagógicos.
A União Democrática Nacional (UDN), criada em 1945, a soldo dos interesses imperialistas, especialmente dos Estados Unidos, foi a mãe deste discurso no Brasil. Os jornalistas Carlos Lacerda, Assis Chateaubriand e Roberto Marinho, os filhos queridos das classes dominantes, junto com os Mesquita e os Frias, seus melhores porta-vozes, foram os “corvos” da democracia e das reformas estruturais que o Brasil até hoje necessita. Atrás de si, setores importantes do empresariado e do latifúndio, além de uma “classe média” conservadora e moralista, consumista de panfletos da direita, ávida por ascensão social e se lixando para a maioria explorada da Nação. Uma camada social propensa ao discurso que utiliza termos que nem a ciência política burguesa ousou consolidar, atacando os partidos políticos progressistas e criminalizando os movimentos sociais transformadores, vilependiando os socialistas e comunistas. “Mar de lama”, “república sindicalista”, “peleguismo”, “ouro de Moscou”, etc., etc., etc, tudo isso saído da pena e da voz dos escribas do capital.

Foram estes liberais-conservadores, como já demonstrou o historiador Jorge Ferreira que no pós-1945 colocavam em desconfiança quaisquer atitudes de Getúlio Vargas e, durante o seu Segundo Governo (1951-4) centraram o fogo em seu ministro do Trabalho, João Goulart, chamando-o de “demagogo, manipulador de sindicatos e fomentador de greve” (Ver seu artigo “Crises da República: 1954, 1955 e 1961”. In. FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucília de A. N. O Brasil Republicano, vol. 3. O tempo da experiência democrática. Da democratização de 1945 ao Golpe Civil-Militar de 1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 301-342).

A tragédia daquele processo histórico todo sabemos: suicídio de Vargas em 1954, tentativa de impedimento da posse de Jango em 1961, deposição golpista de João Goulart em 1964, vinte e um anos de Ditadura Civil-Militar, primeiro destroçando os movimentos sociais e os partidos políticos contrários a ordem e de esquerda, depois emparedando os partidários das reformas, em seguida atacando a resistência sócio-cultural, por fim matando os reformistas e afastando/reprimindo até os liberais mais radicais e anti-autoritários. Na sequência, assassinatos, torturas, desaparecimentos, exílios, censura, manipulação política e ideológica. De roldão, arrastou a prática política esquerdista, no sentido dado a ela pelo clássico de Lênin, justamente os setores que, ou subestimaram as forças das classes dominantes brasileiras e seus aliados imperialistas ou somaram-se às práticas denuncistas da pequena-burguesia raivosa, que marchava com Deus, Pátria, Família e Liberdade, com balizamento ideológico oriundo do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES) e o pragmatismo político eleitoral do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), como tão bem mostrou o saudoso René Dreifuss em “1964: a conquista do Estado”. Escorados pelo financiamento de milhões da Coca-Cola, da Wolkswagen, do Bradesco, do Itaú, da Votorantim, das FIESPs da vida e tantos outros serviçais e proprietários do capital financeiro, subsidiados cotidianamente pelas injúrias da Tribuna da Imprensa, de O Globo, pelos diários da Avenida Paulista como O Estado de São Paulo e a Folha de São Paulo, destinaram um Brasil com uma das maiores concentrações de renda e terra do mundo, de pior relação entre o tempo de trabalho e os aviltados salários, de idiotia cultural e de ensino avesso ao humanismo e a defesa da igualdade social.

Nosso povo resistiu até com armas, foi massacrado, se ergueu novamente e se reorganizou pedindo Anistia, Constituinte, Diretas-Já, foi para as ruas exigir democracia, não teve força política suficiente para vencer a “transição pelo alto”, evitar a vitória de Collor e impedir a consolidação neoliberal com FHC, sua desestatização da economia e privatização de sonhos. Porém, os trabalhadores vão aprendendo com a História e voltaram às ruas e às urnas para derrotar a direita brasileira alicerçada no PSDB e no DEM, elegendo Lula e Dilma, com todos os limites de uma democracia em sua infância, de reformas tímidas para a sociedade, de um governo que concilia com políticas econômicas do capital, mas que coloca pequenas cunhas na ofensiva destruidora do capital, o bastante para ser atacado como faziam os algozes do povo há quarenta, cinqüenta, sessenta anos atrás.

Carlos Lacerda se foi, a Tribuna da Imprensa se foi, suas práticas não. Pelo contrário, estão mais do que vivas. Que o digam Veja, Época, Isto é, O Globo, Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e seus caudatários.  Derrotados nas urnas, assim como no pré-1964, procuram fraturar a unidade popular por mudanças. Tendo a imprensa liberal e conservadora como arma, pautam a minoria parlamentar sem força de oposição, artificializando a luta política e levando para o campo, mais uma vez, do denuncismo, do discurso ardiloso e recorrente da corrupção, visando à desestabilização dos governos, como ocorreu em 2005 com Lula, como acontece agora com Dilma.

Se a História nos traz lições, que o governo de Dilma Roussef aprenda com elas, assim como a esquerda e o esquerdismo.

Primeiro, nossas classes dominantes só são desmascaradas com os movimentos sociais nas ruas, como foi com a Campanha da Legalidade há cinqüenta anos, como foi no impeachment de Collor.

Segundo, a imprensa golpista e os monopólios midiáticos, como nos ensinou Antônio Gramsci, são o Partido da Burguesia em momentos em que seus partidos políticos não conseguem exercer a hegemonia na sociedade e no Parlamento, como agora, em relação ao PSDB e ao DEM.

Terceiro, não há o que se ter ilusões com esta imprensa para a ampliação da democracia em nosso País, pois estes setores estiveram, estão e estarão na contra-mão de qualquer aprofundamento de mudanças estruturais para o Brasil.

Quarto, que a esquerda e os comunistas não reforcem para si as próprias armadilhas que o neoliberalismo inventou no caminho para desobrigar o Estado de políticas públicas, como ONGs e terceirizações, caminho fácil para os oportunistas, os desvios e apropriações particulares dos recursos públicos, nem consolidem o Estado, o Parlamento e a questão nacional como sua estratégia, pois dali se fortalecerá a burocracia que perpetuará a existência e a dominação de classe.

Quinto, que a oposição de esquerda se diferencie do discurso moralista, campo em que a direita é soberana, pois de instrumentos táticos do golpismo reacionário, rapidamente se transformam em vítimas do despotismo da classe dominante no poder, que não titubeia para igualar a todos, frente única ou frente popular, na criminalização dos movimentos sociais e na prática do terrorismo de Estado.

Por último, que não basta a defesa de um novo projeto nacional de desenvolvimento e do socialismo, contra o imperialismo e seu capital rentista, enquanto também não centrarmos as baterias táticas no desmascaramento da mídia golpista. A derrota do neoliberalismo está para o socialismo na mesma proporção que a derrota do monopólio da mídia para o avanço da democracia participativa, popular ou direta.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

”Sendo este um espaço democrático, os comentários aqui postados são de total responsabilidade dos seus emitentes, não representando necessariamente a opinião de seus editores. Nós, nos reservamos o direito de, dentro das limitações de tempo, resumir ou deletar os comentários que tiverem conteúdo contrário às normas éticas deste blog. Não será tolerado Insulto, difamação ou ataques pessoais. Os editores não se responsabilizam pelo conteúdo dos comentários dos leitores, mas adverte que, textos ofensivos à quem quer que seja, ou que contenham agressão, discriminação, palavrões, ou que de alguma forma incitem a violência, ou transgridam leis e normas vigentes no Brasil, serão excluídos.”