in HARDT, Michael e NEGRI, Antonio, Multidão. Guerra e democracia na era do Império [2004], Rio de Janeiro: Record (trad. Clóvis Marques; rev. técnica Giuseppe Cocco), 2005, pp. 130-133 (Cap. I: “Guerra”).
Traduzido pela Vila Vudu
Quando uma rede disseminada ataca, investe sobre o inimigo como um enxame: inúmeras forças independentes parecem atacar de todas as direções num ponto específico, voltando em seguida a desaparecer no ambiente.112 De uma perspectiva externa, o ataque em rede é apresentado como um enxame porque parece informe. Como a rede não tem um dentro que determine a ordem, aqueles que só são capazes de pensar em termos de modelos tradicionais podem presumir que ela não tenha qualquer forma de organização – o que eles enxergam é apenas espontaneidade e anarquia. O ataque em rede apresenta-se como algo semelhante a um enxame de pássaros ou insetos num filme de terror, uma multidão de atacantes irracionais, desconhecidos, incertos, invisíveis e inesperados. Se analisarmos o interior de uma rede, no entanto, veremos que é efetivamente organizada, racional e criativa. Tem a inteligência do enxame.
Os atuais pesquisadores de inteligência artificial e métodos de informática empregam a expressão “inteligência de enxame” para se referir a técnicas coletivas e disseminadas de solução de problemas sem um controle centralizado ou o estabelecimento de um modelo global.113 Segundo eles, um dos problemas de grande parte das anteriores formas de pesquisa sobre inteligência artificial estava m presumir que a inteligência se baseava numa mente individual, ao passo que eles sustentam que a inteligência é fundamentalmente social. Assim é que esses pesquisadores deduzem o conceito de “enxame” do comportamento coletivo dos animais sociais, como as formigas, as abelhas e os cupins, para investigar sistemas de inteligência disseminados com multiplicidade de agentes. Os comportamentos animais comuns permitem uma abordagem inicial dessa ideia. Veja-se, por exemplo, como os cupins tropicais constroem magníficas e complexas estruturas em abóbada, comunicando-se entre eles; os pesquisadores aventam a hipótese de que cada cupim segue a concentração de feromônio deixada por outros cupins no enxame. Embora nenhum dos cupins individualmente tenha inteligência elevada, o enxame de cupins forma um sistema inteligente sem controle central. A inteligência do enxame baseia-se fundamentalmente na comunicação. Para os pesquisadores da inteligência artificial e dos métodos da informática, o entendimento do comportamento dos enxames ajuda a montar algoritmos para otimizar procedimentos de solução de problemas em informática. Os computadores também podem ser concebidos de maneira a processar informações mais depressa utilizando uma arquitetura de enxame, em vez de algum modelo tradicional de processamento organizado.
O modelo do tipo de enxame sugerido pelas sociedades animais e desenvolvido por esses pesquisadores presume que cada um dos agentes ou partículas do enxame é efetivamente o mesmo e não muito criativo em si mesmo. Os enxames que vemos surgir nas novas organizações políticas em rede, em contrapartida, são compostos de uma multidão de diferentes agentes criativos. O que adiciona várias camadas de complexidade ao modelo. Os membros da multidão não precisam tornar-se o mesmo ou abdicar de sua criatividade para se comunicar e cooperar entre eles. Mantêm-se diferentes em termos de raça, sexo, sexualidade e assim por diante. O que precisamos entender, portanto, é a inteligência coletiva que pode surgir da comunicação e da cooperação dentro de uma multiplicidade tão variada.
Talvez, quando nos compenetrarmos do enorme potencial dessa inteligência em enxame possamos finalmente entender por que o poeta Arthur Rimbaud, em seus belos hinos à comuna de Paris de 1871, imaginava constantemente os communards revolucionários como insetos. Não é incomum, como se sabe, imaginar tropas inimigas como insetos. Rememorando os acontecimentos do ano anterior, com efeito, Émile Zola, em seu romance histórico La débâcle, refere-se a “enxames negros” de prussianos atacando as posições francesas em Sedan como formigas invasoras, “un si noir foirmillement de troupes allemandes”.115 Essas metáforas entomológicas para referir-se aos enxames de inimigos enfatizam a inevitabilidade da derrota, ao mesmo tempo que a inferioridade do inimigo – que não passa de um bando de insetos irracionais.
Rimbaud, no entanto, inverte esse clichê típico de tempos de guerra, e faz o elogio do enxame. Os communards que defendem sua Paris revolucionária contra as forças governamentais provenientes de Versalhes percorrem a cidade como formigas (four Miller) na poesia de Rimbaud, e suas barricadas fervilham de atividade como formigueiros (fourmilières). Por que haveria Rimbaud de se referir aos communards que tanto ama e admira como uma colônia de formigas? Se observarmos mais atentamente, veremos que toda a poesia de Rimbaud está cheia de insetos, especialmente os sons dos insetos, zumbindo, formigando (bourdonner, grouiller). “Versos entomológicos, música do enxame”, comenta um leitor da poesia de Rimbaud.116 O redespertar e a reinvenção do corpo jovem – ponto focal do mundo poético de Rimbaud – tem lugar no zumbir e pulular da carne. É um novo tipo de inteligência, uma inteligência coletiva, uma inteligência de enxame, antecipada por Rimbaud e os communards.
112 Ver Arquilla e Ronfeldt, Swarming and the Future of Conflicts (Santa Monica: Rand Corporation, 2000).
113 Ver por exemplo James Kennedy e Russel Eberhart com Yuhai Shi, Swarm Intelligence (San Francisco: Morgan Kaufmann Publishers, 2001).
115 ZOLA, Émile, La débâcle (Paris: Charpentier, 1899), 210.
116 Ver Kristin Ross, The emergence of social space: Rimbaud and the Paris Commune (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1988), 105. Ross descreve magnificamente o papel central do enxame na poesia de Rimbaud.
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