Guerrilheiro Virtual

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Inteligência de enxame

in HARDT, Michael e NEGRI, Antonio, Multidão. Guerra e democracia na era do Império [2004], Rio de Janeiro: Record (trad. Clóvis Marques; rev. técnica Giuseppe Cocco), 2005, pp. 130-133 (Cap. I: “Guerra”).

Traduzido pela Vila Vudu

Quando uma rede disseminada ataca, investe sobre o inimigo como um enxame: inúmeras forças independentes parecem atacar de todas as direções num ponto específico, voltando em seguida a desaparecer no ambiente.112 De uma perspectiva externa, o ataque em rede é apresentado como um enxame porque parece informe. Como a rede não tem um dentro que determine a ordem, aqueles que só são capazes de pensar em termos de modelos tradicionais podem presumir que ela não tenha qualquer forma de organização – o que eles enxergam é apenas espontaneidade e anarquia. O ataque em rede apresenta-se como algo semelhante a um enxame de pássaros ou insetos num filme de terror, uma multidão de atacantes irracionais, desconhecidos, incertos, invisíveis e inesperados. Se analisarmos o interior de uma rede, no entanto, veremos que é efetivamente organizada, racional e criativa. Tem a inteligência do enxame.

Os atuais pesquisadores de inteligência artificial e métodos de informática empregam a expressão “inteligência de enxame” para se referir a técnicas coletivas e disseminadas de solução de problemas sem um controle centralizado ou o estabelecimento de um modelo global.113 Segundo eles, um dos problemas de grande parte das anteriores formas de pesquisa sobre inteligência artificial estava m presumir que a inteligência se baseava numa mente individual, ao passo que eles sustentam que a inteligência é fundamentalmente social. Assim é que esses pesquisadores deduzem o conceito de “enxame” do comportamento coletivo dos animais sociais, como as formigas, as abelhas e os cupins, para investigar sistemas de inteligência disseminados com multiplicidade de agentes. Os comportamentos animais comuns permitem uma abordagem inicial dessa ideia. Veja-se, por exemplo, como os cupins tropicais constroem magníficas e complexas estruturas em abóbada, comunicando-se entre eles; os pesquisadores aventam a hipótese de que cada cupim segue a concentração de feromônio deixada por outros cupins no enxame. Embora nenhum dos cupins individualmente tenha inteligência elevada, o enxame de cupins forma um sistema inteligente sem controle central. A inteligência do enxame baseia-se fundamentalmente na comunicação. Para os pesquisadores da inteligência artificial e dos métodos da informática, o entendimento do comportamento dos enxames ajuda a montar algoritmos para otimizar procedimentos de solução de problemas em informática. Os computadores também podem ser concebidos de maneira a processar informações mais depressa utilizando uma arquitetura de enxame, em vez de algum modelo tradicional de processamento organizado.

O modelo do tipo de enxame sugerido pelas sociedades animais e desenvolvido por esses pesquisadores presume que cada um dos agentes ou partículas do enxame é efetivamente o mesmo e não muito criativo em si mesmo. Os enxames que vemos surgir nas novas organizações políticas em rede, em contrapartida, são compostos de uma multidão de diferentes agentes criativos. O que adiciona várias camadas de complexidade ao modelo. Os membros da multidão não precisam tornar-se o mesmo ou abdicar de sua criatividade para se comunicar e cooperar entre eles. Mantêm-se diferentes em termos de raça, sexo, sexualidade e assim por diante. O que precisamos entender, portanto, é a inteligência coletiva que pode surgir da comunicação e da cooperação dentro de uma multiplicidade tão variada.

Talvez, quando nos compenetrarmos do enorme potencial dessa inteligência em enxame possamos finalmente entender por que o poeta Arthur Rimbaud, em seus belos hinos à comuna de Paris de 1871, imaginava constantemente os communards revolucionários como insetos. Não é incomum, como se sabe, imaginar tropas inimigas como insetos. Rememorando os acontecimentos do ano anterior, com efeito, Émile Zola, em seu romance histórico La débâcle, refere-se a “enxames negros” de prussianos atacando as posições francesas em Sedan como formigas invasoras, “un si noir foirmillement de troupes allemandes”.115 Essas metáforas entomológicas para referir-se aos enxames de inimigos enfatizam a inevitabilidade da derrota, ao mesmo tempo que a inferioridade do inimigo – que não passa de um bando de insetos irracionais.

Rimbaud, no entanto, inverte esse clichê típico de tempos de guerra, e faz o elogio do enxame. Os communards que defendem sua Paris revolucionária contra as forças governamentais provenientes de Versalhes percorrem a cidade como formigas (four Miller) na poesia de Rimbaud, e suas barricadas fervilham de atividade como formigueiros (fourmilières). Por que haveria Rimbaud de se referir aos communards que tanto ama e admira como uma colônia de formigas? Se observarmos mais atentamente, veremos que toda a poesia de Rimbaud está cheia de insetos, especialmente os sons dos insetos, zumbindo, formigando (bourdonner, grouiller). “Versos entomológicos, música do enxame”, comenta um leitor da poesia de Rimbaud.116 O redespertar e a reinvenção do corpo jovem – ponto focal do mundo poético de Rimbaud – tem lugar no zumbir e pulular da carne. É um novo tipo de inteligência, uma inteligência coletiva, uma inteligência de enxame, antecipada por Rimbaud e os communards.

112 Ver Arquilla e Ronfeldt, Swarming and the Future of Conflicts (Santa Monica: Rand Corporation, 2000).

113 Ver por exemplo James Kennedy e Russel Eberhart com Yuhai Shi, Swarm Intelligence (San Francisco: Morgan Kaufmann Publishers, 2001).

115 ZOLA, Émile, La débâcle (Paris: Charpentier, 1899), 210.

116 Ver Kristin Ross, The emergence of social space: Rimbaud and the Paris Commune (Minneapolis: University of Minnesota Press, 1988), 105. Ross descreve magnificamente o papel central do enxame na poesia de Rimbaud.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

”Sendo este um espaço democrático, os comentários aqui postados são de total responsabilidade dos seus emitentes, não representando necessariamente a opinião de seus editores. Nós, nos reservamos o direito de, dentro das limitações de tempo, resumir ou deletar os comentários que tiverem conteúdo contrário às normas éticas deste blog. Não será tolerado Insulto, difamação ou ataques pessoais. Os editores não se responsabilizam pelo conteúdo dos comentários dos leitores, mas adverte que, textos ofensivos à quem quer que seja, ou que contenham agressão, discriminação, palavrões, ou que de alguma forma incitem a violência, ou transgridam leis e normas vigentes no Brasil, serão excluídos.”