Ilda Figueiredo, no Avante!
Está a decorrer, em processo acelerado e quase secreto, a elaboração do novo projecto de tratado, agora dito internacional, decidido pelo Conselho Europeu de 8 e 9 de Dezembro passado. Recorde-se que a oposição do Reino Unido, que não faz parte da zona euro, remeteu o novo acordo para os países da zona euro e para os que, voluntariamente, se quiserem associar ao processo. Querem que este novo tratado seja chamado «Acordo Internacional sobre a União de estabilidade fiscal» e esteja pronto no final deste mês de Janeiro – e seja já assinado em 1 de Março próximo – escapando a qualquer tipo de referendo, incluindo na Irlanda, onde a sua Constituição obriga à realização de referendos para ratificação de tratados deste tipo.
Na prática, estão a tentar elaborar um novo tratado, paralelo ao chamado Tratado de Lisboa, ou seja, ao Tratado da União Europeia, para conseguir uma maior centralização e concentração do poder. De uma penada, pretendem que os estados-membro concretizem autênticos golpes constitucionais, perdendo o que ainda lhes resta de soberania económica e orçamental, podendo ir até à inscrição nos textos constitucionais, ou em legislação de base equivalente, da chamada «regra de ouro orçamental», impedindo défices estruturais superiores a 0,5% do PIB nominal. Para se perceber a brutalidade do que está a ser imposto, é bom recordar que o actual Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC) prevê défices orçamentais máximos de três por cento do PIB e que a generalidade dos estados-membro da zona euro, já em diversos momentos, ultrapassaram esse valor, incluindo a Alemanha.
Grande burguesia beneficiada
Essa imposição das grandes potências, que é acompanhada de uma brutal perda de soberania, não se faz para conseguir uma maior partilha de direitos ou de benefícios, como tantas vezes, em Portugal, os governantes portugueses (PS, PSD e CDS) tentaram fazer crer. Faz-se, exclusivamente, para servir interesses de classe, os interesses dos grandes grupos económicos e financeiros da União Europeia que, assim, mais facilmente conseguem impor-se aos países de economias mais frágeis, ficando com o caminho aberto para se apoderarem, a preço de saldo, dos seus sectores básicos fundamentais, para controlarem as suas economias, o seu consumo e o seu mercado de trabalho. É a versão dita «moderna» da velha exploração capitalista, da sua evolução para um capitalismo monopolista de Estado, a nível europeu. Deste modo, Portugal e outros países frágeis da União Europeia, mais debilitados por todo o processo de imposição de políticas neoliberais, são transformados em meros protectorados.
Como se pode ler na «Declaração dos Chefes de Estado ou de Governo da área do euro», pretendem chegar a um acordo para «avançar no sentido de uma união económica mais forte». É com esse objectivo que pretendem um «novo pacto orçamental» e uma coordenação reforçada das políticas económicas.
O que agora estão a tentar encontrar é, apenas, o ordenamento jurídico que tente realizar a verdadeira quadratura do círculo, que é, além do ataque directo à soberania dos estados, um grande imbróglio jurídico: estados que são membros da zona euro ficarem sujeitos a dois tratados com conteúdos diferentes sobre a união económica e monetária, designadamente sobre a chamada regra orçamental, pretendendo que o Tribunal de Justiça possa intervir nos dois casos, que têm conteúdos e metas diferentes, além de este último tratado não se incluir no Tratado da União Europeia.
No entanto, como se refere na já referida Declaração de 9 de Dezembro de 2011, «Os estados-membro sujeitos ao procedimento por défice excessivo apresentarão à Comissão e ao Conselho, para homologação, um programa de parceria económica, especificando as reformas estruturais necessárias para assegurar uma correcção efectivamente duradoura dos défices excessivos». De igual modo, «será instituído um mecanismo para comunicação prévia pelos estados-membro dos seus planos nacionais de emissão de dívida». Escusado será dizer que caberá à Comissão Europeia controlar tudo isto, em conjunto, claro, com os países poderosos que mandam no Conselho. E, assim, enquanto a crise se agrava e alastra, a Alemanha e a França prosseguem o seu caminho de imposição do seu poder económico e financeiro aos países e povos.
Só a luta firme e determinada dos trabalhadores e dos povos conseguirá travar mais este atentado à democracia e à soberania dos povos. É essa luta que temos de reforçar.
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