CHINA VIVE ENCRUZILHADA ENTRE DOIS MODELOS ECONÔMICOS
O artigo é de Marcelo Justo, de Londres
“Londres - A política é a economia por outros meios. Com 30 anos de reforma pró-capitalista nas costas, a China está numa encruzilhada a poucos meses da eleição do sucessor do presidente Hu Jintao. O governo baixou a taxa de crescimento deste ano para 7,5%. O velho modelo exportador baseado na mão de obra barata está esgotado e é impossível ignorar a dívida social com nova geração que já não aceita apelos ao sacrifício com a mesma docilidade de seus pais.
Neste contexto, a ala liberal do PC chinês avançou em duas frentes. Um recente documento de mais de 400 páginas publicado pelo Banco Mundial (BM) e pelo influente “Development Research Centre” (DRC), um “think tank” chinês que se reporta diretamente ao Conselho de Estado, é seu roteiro. O eixo da proposta [liberal] é que a China tem que completar sua transformação em uma plena “economia de mercado” para "evitar a típica armadilha de países em desenvolvimento como Brasil e Argentina que não conseguem dar o salto para a condição de nações desenvolvidas e de altas receitas", como fizeram a Coréia do Sul e o Japão, por exemplo [os tais "think tank" chineses e do Banco Mundial esqueceram que foi justamente a solução "liberal" de Menem e FHC que afundou as economias de seus países]. A contrapartida dessa estratégia econômica tem sido a eliminação política de seu principal adversário, o hoje ex-secretário geral da megametrópolis de Chongqing, Bo Xilai.
O documento do BM e do DRC propõe seis passos fundamentais. O mais importante é o primeiro.
Para as duas entidades, a China precisa de profunda reforma das empresas do Estado que ainda “abarcam 50% de sua economia”. A importância do setor estatal no “milagre chinês” é inquestionável. O setor bancário está inteiramente dominado pelo Estado. A política de “grandes campeões” empresariais que a China copiou nos anos 90 de outros países asiáticos – Japão, Coreia do Sul e Taiwan – produziu multinacionais gigantes como a “China Mobile” ou a “China National Petroleum Corporation”. Esses campeões estão crescendo.
Segundo o semanário britânico “The Economist”, as 129 empresas estatais mais importantes da China ganharam cerca de 150 bilhões de dólares em 2010, 50% a mais do que no ano anterior. No terreno da infraestrutura, a “China State Construction Engineering Corporation” tem mais de 5 mil projetos sob sua responsabilidade em mais de 100 países, com lucros que superaram os 20 bilhões de dólares em 2009. A “Sinohydro” controla mais da metade do mercado para a construção de usinas hidroelétricas.
Klaus Rohland, diretor do Banco Mundial na China, sugere que, para que o país dê o salto ao mundo desenvolvido, deveria reduzir significativamente esse número de empresas estatais mediante “a privatização e a venda”. “Acreditamos que essa presença não se justifica com o conceito de setores estratégicos que necessitam permanecer em mãos do Estado. O mínimo que se necessita é que essas companhias se abram à competição”, assinalou Rohland no início do mês para o “China Daily”, uma publicação semanal na Europa.
Essa estratégia caminha na direção oposta daquela que vinha sendo promovida pelo ex-secretário geral de Chonqing, Bo Xilai, que buscava fortalecer o papel do Estado e forjar uma aliança com o capital estrangeiro para, por meio do crescimento econômico e do investimento, gerar os fundos necessários para garantir a moradia, saúde e educação para todos, uma utopia na China de hoje. No “modelo Chonqing”, o Estado se fazia presente não só na hora de canalizar os dividendos do crescimento na direção do bem estar social, mas também no próprio sistema financeiro e produtivo.
A receita privatizadora do BM e do DRC gerou muito polêmica tanto na China como no Ocidente. As outras propostas do documento são muito menos polêmicas. Nem os liberais nem a nova esquerda chinesa têm objeções à necessidade de melhorar saúde e educação, modernizar o sistema tributário, acelerar a inovação tecnológica ou a adoção de uma política econômica mais verde. São princípios gerais, aspirações do senso comum, temperadas inclusive com alguns comentários “progressistas” para demonstrar a vontade do Banco Mundial de combater a pobreza como quando aponta que a China se converteu no país mais desigual da Ásia.
A desigualdade é uma chaga da transformação pró-capitalista chinesa. Não é por acaso que o governo não publica o “coeficiente GINI” desde 2000 devido a supostos problemas na metodologia de coleta de dados. Ninguém dúvida, porém, que esse coeficiente que mede a desigualdade cresceu à extraordinária velocidade desde o começo das reformas de Deng Xiao Ping, nos anos 80, até hoje. Um claro sinal da diferença dos modelos em disputa era a promessa de Bo Xilai de publicar o coeficiente GINI de Chonginq para demonstrar que seu modelo era capaz de lidar com a desigualdade e podia servir para o resto da China.
Sua derrubada significa o triunfo da ala liberal com o apoio do Banco Mundial? A queda de Bo Xilai é um obscuro episódio no qual parecem se combinar as camas políticas que a direita estendeu para ele com erros próprios derivados do autoritarismo populista de um dirigente comparável a Juan Perón ou Getúlio Vargas. Mas, para além de sua figura, o certo é que entre os dirigentes chineses há muita preocupação com a crescente desigualdade e seu impacto político-social. O virtual sucessor de Hu Jintao, o atual vice-presidente Xi Jinping, já foi identificado como um dos cérebros do modelo Chonginq, “um comunista incorrigível”, segundo matutino conservador britânico “Daily Telegraph”. Ji Xinping baixou o polegar para Bo Xilai, criticando sua liderança, mas provavelmente sua política manterá um equilíbrio entre ambas as facções. A lógica desse equilíbrio provém dos traumas da Revolução Cultural e da reforma pró-capitalista de Deng Xiao Ping, incluindo aí o massacre de Tiananmen.
A China reivindica, hoje como nunca, um filósofo que até algumas décadas era apontado como o grande culpado pelo atraso nacional e sua humilhação histórica ante o Ocidente. Confúcio e seu conceito de harmonia social se converteram no mantra das novas autoridades chinesas.”
FONTE: artigo de Marcelo Justo, de Londres, transcrito no site “Carta Maior” com tradução de Katarina Peixoto (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19793) [imagem do google e trechos entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].
Do Democracia e Política
O documento do BM e do DRC propõe seis passos fundamentais. O mais importante é o primeiro.
Para as duas entidades, a China precisa de profunda reforma das empresas do Estado que ainda “abarcam 50% de sua economia”. A importância do setor estatal no “milagre chinês” é inquestionável. O setor bancário está inteiramente dominado pelo Estado. A política de “grandes campeões” empresariais que a China copiou nos anos 90 de outros países asiáticos – Japão, Coreia do Sul e Taiwan – produziu multinacionais gigantes como a “China Mobile” ou a “China National Petroleum Corporation”. Esses campeões estão crescendo.
Segundo o semanário britânico “The Economist”, as 129 empresas estatais mais importantes da China ganharam cerca de 150 bilhões de dólares em 2010, 50% a mais do que no ano anterior. No terreno da infraestrutura, a “China State Construction Engineering Corporation” tem mais de 5 mil projetos sob sua responsabilidade em mais de 100 países, com lucros que superaram os 20 bilhões de dólares em 2009. A “Sinohydro” controla mais da metade do mercado para a construção de usinas hidroelétricas.
Klaus Rohland, diretor do Banco Mundial na China, sugere que, para que o país dê o salto ao mundo desenvolvido, deveria reduzir significativamente esse número de empresas estatais mediante “a privatização e a venda”. “Acreditamos que essa presença não se justifica com o conceito de setores estratégicos que necessitam permanecer em mãos do Estado. O mínimo que se necessita é que essas companhias se abram à competição”, assinalou Rohland no início do mês para o “China Daily”, uma publicação semanal na Europa.
Essa estratégia caminha na direção oposta daquela que vinha sendo promovida pelo ex-secretário geral de Chonqing, Bo Xilai, que buscava fortalecer o papel do Estado e forjar uma aliança com o capital estrangeiro para, por meio do crescimento econômico e do investimento, gerar os fundos necessários para garantir a moradia, saúde e educação para todos, uma utopia na China de hoje. No “modelo Chonqing”, o Estado se fazia presente não só na hora de canalizar os dividendos do crescimento na direção do bem estar social, mas também no próprio sistema financeiro e produtivo.
Ex-secretário geral de Chonqing, Bo Xilai
A receita privatizadora do BM e do DRC gerou muito polêmica tanto na China como no Ocidente. As outras propostas do documento são muito menos polêmicas. Nem os liberais nem a nova esquerda chinesa têm objeções à necessidade de melhorar saúde e educação, modernizar o sistema tributário, acelerar a inovação tecnológica ou a adoção de uma política econômica mais verde. São princípios gerais, aspirações do senso comum, temperadas inclusive com alguns comentários “progressistas” para demonstrar a vontade do Banco Mundial de combater a pobreza como quando aponta que a China se converteu no país mais desigual da Ásia.
A desigualdade é uma chaga da transformação pró-capitalista chinesa. Não é por acaso que o governo não publica o “coeficiente GINI” desde 2000 devido a supostos problemas na metodologia de coleta de dados. Ninguém dúvida, porém, que esse coeficiente que mede a desigualdade cresceu à extraordinária velocidade desde o começo das reformas de Deng Xiao Ping, nos anos 80, até hoje. Um claro sinal da diferença dos modelos em disputa era a promessa de Bo Xilai de publicar o coeficiente GINI de Chonginq para demonstrar que seu modelo era capaz de lidar com a desigualdade e podia servir para o resto da China.
Sua derrubada significa o triunfo da ala liberal com o apoio do Banco Mundial? A queda de Bo Xilai é um obscuro episódio no qual parecem se combinar as camas políticas que a direita estendeu para ele com erros próprios derivados do autoritarismo populista de um dirigente comparável a Juan Perón ou Getúlio Vargas. Mas, para além de sua figura, o certo é que entre os dirigentes chineses há muita preocupação com a crescente desigualdade e seu impacto político-social. O virtual sucessor de Hu Jintao, o atual vice-presidente Xi Jinping, já foi identificado como um dos cérebros do modelo Chonginq, “um comunista incorrigível”, segundo matutino conservador britânico “Daily Telegraph”. Ji Xinping baixou o polegar para Bo Xilai, criticando sua liderança, mas provavelmente sua política manterá um equilíbrio entre ambas as facções. A lógica desse equilíbrio provém dos traumas da Revolução Cultural e da reforma pró-capitalista de Deng Xiao Ping, incluindo aí o massacre de Tiananmen.
A China reivindica, hoje como nunca, um filósofo que até algumas décadas era apontado como o grande culpado pelo atraso nacional e sua humilhação histórica ante o Ocidente. Confúcio e seu conceito de harmonia social se converteram no mantra das novas autoridades chinesas.”
FONTE: artigo de Marcelo Justo, de Londres, transcrito no site “Carta Maior” com tradução de Katarina Peixoto (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19793) [imagem do google e trechos entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].
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