Guerrilheiro Virtual

segunda-feira, 19 de março de 2012

Os Estados Unidos continuam subvertendo a democracia no Haiti

Rebelión
Mark Weisbrot

Tradução: Renzo Bassanetti
The Guardian/Commons Dreams

Quando a "comunidade internacional" culpa o Haiti por seus problemas políticos, o conceito subjacente quase sempre é que os haitianos não estão prontos para a democracia. Contudo, é Washington que não está pronto para a democracia no Haiti.

Os haitianos estão prontos para a democracia há muitas décadas. Estavam prontos quando os massacraram nas mesas eleitorais ao tentar votar em 1987, depois da queda da assassina ditadura Duvalier. Voltaram a estar prontos em 1990, quando votaram com uma maioria de dois terços a favor do sacerdote católico esquerdista Jean-Bertrand Aristide, somente para presenciar sua derrubada sete meses depois, através de um golpe militar. Posteriormente, comprovou-se que o golpe foi organizado por pessoas pagas pela CIA norte-americana.

O haitianos voltaram a estar prontos no ano 2000, quando elegeram Aristide pela segunda vez, com 90% dos votos. Mas, Washington tampouco aceitou os resultados dessa eleição, organizou o corte da ajuda internacional ao governo e enviou milhões de dólares à oposição, como Paul Farmer (enviado especial adjunto da ONU ao Haiti) testemunhou diante do Congresso dos EUA em 2010:

“O corte da ajuda ao desenvolvimento e ao fornecimento de serviços básicos também cortou o oxigênio ao governo, e permanentemente foi essa a intenção: afastar o governo Aristide”

Em 2004, levaram Aristide com toda a pressa para um desses aviões que o governo dos EUA tem utilizado para as "entregas extras", e o enviaram, contra a sua vontade, à República Centro-Africana.

Oito anos depois, o governo dos EUA ainda não está pronto para a democracia no Haiti. Em 3 de março passado, o Miami Herald informou que “o ex-presidente do Haiti, Jean-Bertand Aristide, volta a estar na mira do governo dos EUA, desta vez por ter recebido milhões de dólares em subornos de empresas de Miami”. Tudo cheira mal nessas afirmações, como as escusas exteriores por que há meses não eram limpos alguns dos campos de refugiados onde continuam padecendo centenas de milhares de haitianos deslocados pelo terremoto.

Primeiro, a fonte: Patrick Joseph foi chefe da companhia nacional de telecomunicações (Teleco) do Haiti, até que foi demitido por corrupção pelo presidente Aristide em 2003. Nove anos depois, no mês passado, Joseph negociou um acordo de culpabilidade com os promotores federais dos EUA por haver aceitado 2,3 milhões de dólares em subornos de empresas norte-americanas. Como parte desse acordo de cooperação, aceita testemunhar, e diz que cerca da metade desse dinheiro era para o presidente Aristide. Que conveniente! Assim ele deve ter reduzido sua condenação em alguns anos.

Alem do mais, existe a possibilidade de novas acusações. A primeira acusação nesse caso, em 2009, não menciona Aristide ou a ninguém que possa representa-lo . O mesmo vale para a segunda acusação, em julho de 2011, que acrescentou Patrick Joseph. Mas, a acusação de janeiro de 2012 menciona a um funcionário “B” não identificado no governo haitiano; agora, nos dizem que o funcionário “B”, segundo um dos advogados de defesa no caso, é Aristide. Como podem sabe-lo? Oficialmente, o Departamento de Justiça dos EUA não faz comentários sobre o assunto, mas parece ser a fonte provável dos relatórios que identificam a Aristide.

Por que agora? Aristide tem estado muito silencioso e tem se mantido fora da política desde seu retorno ao Haiti, há um ano atrás. Ele tem se concentrado na Universidade da Fundação Aristide; fechada desde o golpe de 2004, a Escola de Medicina pôde reabrir no outono passado. Apesar de tudo, ele ainda conta com a maior base de apoio entre qualquer personalidade política do país, e continua sendo o único dirigente democraticamente eleito realmente popular que o país teve.

Seu partido, Famni Lavalas, continua sendo o partido mais popular. Embora tenha sido afetado por divisões políticas enquanto Aristide estava no exílio, informa-se que desde a sua volta ele está mais unido. As manifestações no oitavo aniversário do golpe de 2004, há duas semanas, levaram milhares de pessoas às ruas. “A demonstração de apoio popular a Aristide é muito preocupante para os EUA, por isso a acusação contra “Titid” (Aristide) antes de um possível retorno à política tem muito sentido”, disse ao Miami Herald Robert Fatton, especialista em questões do Haiti na Universidade da Virgínia.

Ela tem ainda mais sentido, se considerarmos o que o governo dos EUA - em colaboração com funcionários da ONU e outros aliados – tem estado fazendo a Aristide desde organizaram o golpe contra ele em 2004. Um documento norte-americano classificado, filtrado por WikiLeaks, informa de uma reunião entre o máximo funcionário de então no Departamento de Estado para o Hemisfério (Thomas Shannon) e o chefe da Missão Militar da ONU no Haiti (Edmund Mullet), em 2006. Ele descreve seus esforços para manter Aristide no exílio na África do Sul. Mullet também “instou uma ação legal dos EUA contra Aristide para evitar que o ex-presidente obtivesse mais apoio entre a população haitiana e retornasse ao país”.

Esse último episódio forma parte da “ação legal” à qual o documento se refere. O mesmo aconteceu com as tentativas de Washington com acusações forjadas de participação com o narcotráfico em 2004. Elas se baseavam em um criminoso condenado, um narcotraficante que enfrentava uma longa condenação de prisão. O caso não levou à parte alguma, pelo mesmo motivo de agora: nenhuma evidência.

Em um último esforço legal para impedir que Aristide voltasse a seu país no ano passado, o presidente Obama chamou ao presidente sul-africano Jacob Zuma para persuadi-lo que mantivesse Aristide nesse país; também pressionou o Secretário Geral da ONU, Ban-ki-Moon, sem sucesso.

O governo dos EUA têm gasto milhões, possivelmente dezenas de milhões de dólares, na tentativa de incriminar falsamente ao ex-presidente do Haiti. Em nome dos contribuintes norte-americanos, poderíamos solicitar uma investigação do Congresso sobre esse abuso no uso de dinheiro público. Também solapa o que nos resta de um aparelho judicial independente o fato de que sejam utilizados tribunais da Flórida como instrumento para propagar mentiras na política externa.

No Haiti, essas tentativas de negar os direitos democráticos das pessoas levam à instabilidade. É como imaginar uma tentativa de dizer aos brasileiros que o presidente Lula não pode mais participar da política no Brasil e ameaçar de processa-lo nos tribunais dos EUA; ou fazer o mesmo com Evo Morales na Bolívia, ou com Rafael Correa no Equador. Isso nunca seria tolerado.

Contudo, por que os haitianos são pobres e negros, Washington acredita que pode se sair com as suas ao pisotear seus direitos democráticos. Porém, demasiados haitianos tem lutado e morrido por esses direitos; não renunciarão a eles facilmente.

© 2012 Guardian News and Media Limited

Mark Weisbrot [ http://www.cepr.net/index.php/mark-weisbrot-en-espanol ] é co-diretor do Center for Economic and Policy Research (CEPR) em Washington, D.C. Obteve um doutorado em economia pela Universidade de Michigan. Também é presidente da organização Just Foreign Policy e co-autor do novo documentario de Oliver Stone South of the Border [ southoftheborderdoc.com ]

Do Gilson Sampaio

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