Tradução: Renzo Bassanetti
Alberto Piris
Depois da desintegração do Pacto de Varsóvia e da URSS, os EUA erigiram-se como a única superpotencia imperial do planeta. Seu poder militar era insuperável, capaz de derrotar qualquer coalizão que pretendesse desafiar sua hegemonia; uma rede de bases militares envolvia o planeta, e a corrida armamentista em terra, mar, ar e espaço exterior, na qual tinha se empenhado com Moscou, tinha obrigado o inimigo soviético a se dar por vencido. O dólar era a moeda universal, a alavanca definitiva com a qual os EUA moviam à sua vontade o mundo econômico e financeiro. Sua política exterior impunha a lei: os aliados de Washington acatavam sua decisões com mais ou menos entusiasmo, temerosos de mostrar qualquer sintoma de rebelião que provocasse o desafeto imperial. Os autocratas e tiranos dóceis eram considerados como “amigos”, e conservavam o poder enquanto não atuassem por sua conta; pelo contrário,os governos que não gozassem da estima de Washington, fossem ou não democráticos, tinha que enfrentar sérias dificuldades e, em geral, tinham seus dias contados.
O imaginário “dividendos para a paz”, ou seja, os recursos que, finda a guerra fria ficariam livres para outras aplicações em benefício geral da humanidade não passou disso, um imaginário. A dinâmica imperial requeria outro inimigo para que seus suportes (militares, industriais, diplomáticos, etc) continuassem ativos. Dessa forma, não houveram esses dividendos, mas sim uma reconfiguração dos sistema amigos-inimigos. A militarização da política exterior do EUA continuou marcando o caminho, e vários fracassos foram os marcos de um caminho equivocado, quando não obcecado, eleito pelos “neocons” que reinavam em Washington. Os atentados de 11 de setembro marcaram o início da paranóia, da degradação da liberdade e dos direitos humanos em nome de uma suposta segurança diante do terror.
Nessa situação estamos agora, quando o atual presidente dos EUA, premio Nobel da Paz sem ter feito nada para merece-lo, está colocando o mundo à beira de uma catástrofe, se forem dignas de crédito as palavras que pronunciou no domingo passado diante da mais poderosa organização pró-israelense norte-americana, o Comitê América-Israel de Assuntos Públicos (AIPAC, por sua sigla em inglês): “Estamos proporcionando a Israel a tecnologia mais avançada e produtos e sistemas que somente fornecemos a nossos amigos e aliados mais próximos. Que ninguém se confunda: faremos o que for necessário para manter a vantagem militar de Israel, por que Israel deve ter a capacidade de defender-se por si mesmo diante de qualquer inimigo” E, para deixar mais claro ainda o assunto, declarou: “O programa nuclear iraniano é uma ameaça capaz de unir a pior retórica sobre a destruição de Israel e as armas mais perigosas do mundo. Um Irã com armas nucleares se opõe totalmente não só aos interesses de segurança de Israel, mas também aos dos EUA”. Não é necessário dizer mais nada.
Desse modo, Obama compromete a liberdade de decisão dos EUA ao deixar nas mãos do governo israelense a iniciativa de atacar o Irã, sabendo que o poder militar do Império estará a seu lado quando o fízer. E, embora isso incorra no que Seumas Milne, escritor e jornalista britânico, escrevia em The Guardian Weekly (em 02/03/12): “Atacar o Irã seria uma estupidez”. Não somente uma estupidez, mas um erro de efeitos imprevisíveis a curto prazo, tendo em vista a evidente arbitrariedade da agressão. O fato concreto é que o Irã está rodeado de bases e de tropas dos EUA e de países com armas nucleares (de Israel ao Paquistão), e é ameaçado com um ataque demolidor, somente pelo temor de que, em um futuro impreciso, possa chegar a possuir as mesmas armas que outros países já tem a tempo, começando pelo presumível agressor: Israel.
Ainda no caso de que uma cuidadosa e limitada escolha dos objetivos a destruir evitasse que a guerra se propagasse para todo o Oriente Médio, somente se atrasaria em alguns anos o o desenvolvimento da industria nuclear iraniana, mas o regime de Teheran sairia reforçado diante de uma agressão exterior tão claramente injusta, com o que, cedo ou tarde, voltaria-se à situação inicial.
Avançou-se tanto na guerra verbal que, ao perigo já existente, é preciso acrescentar o aspecto psicológico da sensação de fracasso que costuma acontecer quando os fatos não seguem as palavras. Não seria a primeira vez na História que a troca de ameaças e ações hostis prévias conduz a uma espiral sem retorno onde a guerra é inevitável.
Obama valorizaria melhor seu título de Prêmio Nobel da Paz se, em vez de contribuir para aumentar a tensão no Oriente Médio aceitando o que decida em Jerusalém um governo acometido de paranóia sobre sua segurança, incentivasse os desejáveis esforços para criar nessa região uma nova zona livrre de armas nucleares, como na América do Sul ou no Caribe. Contribuiria com isso para reduzir as tensões e distanciar os motivos para novas guerras. Também frearia a degradação de um Império que, ansioso para estender sua influência, se encontra cada vez mais encerrado dentro dos limites que sua desacertada política externa contribui para estreitar, com o que abre alguns espaços que as potências emergentes, encabeçadas pela China, lutarão por ocupar, esperando alcançar os primeiros escalões do futuro ordenamento planetário.
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