Guerrilheiro Virtual

quinta-feira, 12 de abril de 2012

O que é isso, na fronteira Síria-Turquia?


Pepe Escobar, Asia Times Online

Há um vídeo [1] cujo título poder-se-ia traduzir mais ou menos como “fronteira turca terrorista abre fogo contra o lado sírio”, e que resume bastante bem o que está acontecendo naquele ponto de geopolítica mais ultravolátil do momento.

A voz que se ouve diz: “Essa é a fronteira Síria-Turquia, e aí se vê uma operação do Exército Sírio Livre [orig. Free Syrian Army (FSA)]. O Portão [que vem a ser o lado sírio da fronteira, onde se localiza o posto de controle] está para ser tomado.”

O que se vê, é a Turquia está dando abrigo ao Exército Sírio Livre, bem junto à fronteira, a poucos metros (metros, não quilômetros) do território sírio. Bem mais do que abrigar um centro de comando e controle da Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN, em Iskenderun já há meses – fato que Asia Times Online já noticiou –, a Turquia agora já avançou sobre a fronteira, permitindo um ir e vir constante de mercenários fortemente armados, em ataque contra país soberano.

Imagine cenário como esse, mas transferido para a região da fronteira EUA-México; com, por exemplo, os estados do Arizona ou Texas atacados por mercenários pesadamente armados, várias vezes por dia.

Pode-se ver aí uma interpretação muito esquisita, que Ankara dá ao que sejam “paraísos seguros” e “corredores humanitários”, delineados como o que já se pode ver como rascunho da mudança de regime na Síria: relatório [2] feito pelo Saban Center da Brookings Institution, assinado pelo coquetel habitual de militantes de “Israel-acima-de-tudo” e ‘especialistas’ em Oriente Médio aliados do Qatar.

Por tudo isso, esperem até ver esse filme gerar incontáveis sequelas; o Exército Sírio Livre atacando um posto sírio de controle de fronteira, matando soldados e recuando sob uma saraivada de balas, que inevitavelmente atingirão um campo próximo, de refugiados sírios.

A escalada na fronteira ilustra claramente o cenário geral: guerra civil.

O ministro turco de Relações Exteriores Ahmet Davutoglu – da afamada política de “zero problemas com nossos vizinhos” – teve de interromper abruptamente sua viagem à China e voltar à Turquia, por causa da escalada na fronteira. Seria muito iluminador saber como a liderança de Pequim contou a Davutoglu que o movimento de agentes provocadores turcos é equivalente a brincarem com fogo.

A escalada na fronteira também prova que a OTAN tem zero interesse no sucesso do cessar-fogo que tantos ostentam, conhecido como “plano Kofi Annan (que, de fato, não passa de versão diluída dos planos de russos e chineses). A confusão só fará aumentar – como sugeriu matéria de Russia Today [3].

Obviamente, um governo soberano – nesse caso, a Síria – teve de exigir garantias escritas de que seus oponentes super armados cumpririam a parte que lhes cabe, no cessar-fogo de Annan.

A razão mais importante pela qual não cumprirão – o que, aliás, já declararam publicamente – é que não só o Exército Sírio Livre e outros grupos mercenários continuarão a ser armados pelo Qatar e pela Casa de Saud, recebendo pitadas de ‘rebeldes’ líbios que acorrem à Síria; há também dois países membros do Conselho de Segurança da ONU (Grã-Bretanha e França – que têm forças em campo, dedicadas a operações de treinamento, de inteligência e de combate.

A pergunta que vale um trilhão de liras turcas é se Ancara dará um passo adiante e realmente implantará os tais “paraísos seguros”; seria envolvimento direto da Turquia na guerra civil síria, quer dizer: seria declaração de guerra contra Damasco. É precisamente o que o Exército Sírio Livre está suplicando que os turcos façam. Mas nem isso bastará para derrubar o governo de Bashar al-Assad.

Quanto ao aparato do estado policial militar de Assad, terá de ser suficientemente esperto para não se deixar arrastar, por provocação, para uma orgia de tortura, execuções sumárias e bombardeios de artilharia pesada – porque essa capacidade de automoderação é condição necessária para que Assad mantenha o apoio diplomático chave dos dois BRICs, China e Rússia. Mais uma vez, os sírios médios, colhidos no meio disso tudo, serão os mais trágicos perdedores.
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NOTAS

[1] Em http://www.youtube.com/watch?v=SteUoGZSH0w&feature=youtu.be

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