Guerrilheiro Virtual

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Para que traduzir se a gente pode complicar? ou O genocídio dos índios continua

Sanguessugado do Sakamoto

Anda akan kehilangan tanah. Ikan itu akan mati. Hewan-hewan akan hilang. Penyakit akan muncul. Anak perempuan akan menjadi pelacur. Anak laki-laki akan diperbudak. Hutan akan hilang.

O jornal Valor Econômico traz, nesta quinta (12), matéria sobre novas regras criadas pelas Funai para analisar o impacto de grandes obras de infraestrutura sobre comunidades indígenas. A reportagem trata do temor de empresários que vêem nas medidas um freio no processo de licenciamento ambiental para a construção de novas usinas hidrelétricas.

Um dos pontos questionados é a necessidade do relatório de impacto ambiental ser encaminhado às comunidades indígenas afetadas em “linguagem acessível ou com traducão para línguas indígenas, a ser elaborado pelo empreendedor”. Empresários temem que isso custe tempo e dinheiro.

A necessidade de que os impactos previstos estejam em linguagem acessível aos indígenas não é novidade. É demanda da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos ao governo brasileiro, que não está sendo cumprida, no caso da construção da usina de Belo Monte, por exemplo. Os empresários pedem que a tradução seja feita apenas em casos excepcionais. O problema é que, na pressa, nada é excepcional.

O tempo que uma tradução como essa ela levaria para ser feita e circular entre as comunidades, sendo lida ou ouvida, não é grande. Já o impacto causado pelo conteúdo é outra história.

(“Ah, mas quem mora no Brasil tem que saber falar português.” Normalmente até rebato esses argumentos. Mas, hoje, não. Hoje, só escreverei um “dãããããã” para quem pensa assim e esquece cinco séculos de história.)

História de massacres, a bem da verdade. Durante a construção da BR-174, que cortou o território Waimiri Atroari, entre Roraima e o Amazonas, o exército brasileiro controlado pela Gloriosa quase levou à extinção o povo kinja na década de 70. Há relatos de bombas lançadas por aeronaves na população. Outros relatos apontam o massacre de indígenas no Mato Grosso na década de 60, quando fazendeiros, com o apoio de representantes do Estado, teriam lançados objetos contaminados com doenças, como sarampo, nas aldeias indígenas. Reestabelecida a democracia, casos assim continuaram. Há denúncias de que pecuaristas, temendo que suas terras viessem a ser devolvidas aos indígenas isolados que nelas viviam no Sul de Rondônia, mandaram dar açúcar de presente à tribo. O que não avisou a eles é que o açúcar tinha sido temperado com veneno de rato. Isso sem contar as  usinas em construção que empurram, com promessas, os indígenas para fora de suas terras. Tudo isso com o silêncio anuente de boa parte da sociedade.

Imagine o desespero de não entender o que uma pessoa de fora, que chega com um sorriso nos lábios e mil palavras bonitas, quer dizer. A sensação deve ser tão estranha quanto ver o primeiro parágrafo deste post e não entender absolutamente nada. Ele traz uma versão do indonésio para o seguinte texto:

Você vai perder a sua terra. Os peixes que você pesca vão morrer. A caça vai sumir. Doenças irão surgir. Moças se tornarão prostitutas. Rapazes serão escravizados. As florestas vão desaparecer.

Mas quem precisa de tradução, né?

Nenhum comentário:

Postar um comentário

”Sendo este um espaço democrático, os comentários aqui postados são de total responsabilidade dos seus emitentes, não representando necessariamente a opinião de seus editores. Nós, nos reservamos o direito de, dentro das limitações de tempo, resumir ou deletar os comentários que tiverem conteúdo contrário às normas éticas deste blog. Não será tolerado Insulto, difamação ou ataques pessoais. Os editores não se responsabilizam pelo conteúdo dos comentários dos leitores, mas adverte que, textos ofensivos à quem quer que seja, ou que contenham agressão, discriminação, palavrões, ou que de alguma forma incitem a violência, ou transgridam leis e normas vigentes no Brasil, serão excluídos.”