Foi dada a partida!
De ontem até 7 de outubro, quando se realizarão as eleições municipais,
os moradores das principais cidades brasileiras começaram a receber a
segunda dose do tratamento a que são submetidos a cada quatro anos.
Naquelas onde a eleição de prefeito não se decidir, eles ainda vão
passar pela terceira fase da terapia, que irá até o último domingo de
outubro, no segundo turno.
É um tratamento estranho, que combina privação e excesso. No início,
tenta-se evitar que tenham acesso a qualquer informação. No final,
abrem-se as comportas e toneladas de comunicação eleitoral são
despejadas sobre eles.
Uma terapêutica assim não pode ser boa e, de fato, em nada ajuda na
formação e consolidação de uma cultura democrática. Ao contrário,
deseduca e difunde maus hábitos.
É difícil explicar como surgiu a ideia de que é melhor retardar ao
máximo as campanhas eleitorais. Que é preferível que só sejam liberadas
tarde, às vésperas da eleição.
Essa, no entanto, é a regra que prevalece no Brasil. Qualquer esforço de
comunicação com teor eleitoral feito por partidos e candidatos antes
dos últimos 90 dias é reprimido. Somente se permite que falem "para
dentro".
Tolera-se, por exemplo, a propaganda de candidaturas às prévias
partidárias — desde que dirigida exclusivamente aos filiados. Aceita-se o
debate das plataformas programáticas com que os partidos pretendem
concorrer — desde que em recinto fechado.
É como se fosse um pecado mortal que o cidadão ficasse sabendo o que os candidatos e partidos pensam fazer na eleição.
Quem transgride a norma pode ser castigado com punições e multas. Como
as centenas de condenações por "propaganda antecipada" que a Justiça
Eleitoral distribui a torto e a direito.
E os que teimam em querer falar com os eleitores "antes da hora" correm o risco de perder o registro da candidatura.
A primeira metade dos 90 dias finais é um hiato que dura seis semanas.
Nele, fingimos que "a eleição começou", pois são autorizados carros de
som, comitês e panfletos. Mas não é verdade, como mostram as pesquisas
de intenção de voto. Salvo exceções em uma ou outra cidade, nada
acontece. Tudo permanece congelado.
Aí, o mundo muda subitamente. Nas seis últimas semanas, os eleitores das
cidades onde há emissoras de televisão e rádio passam a receber
quantidades maciças de comunicação.
A cada dia, em cada emissora, uma hora e meia de propaganda eleitoral. Por semana, nove horas e meia.
Os grandes beneficiários são os candidatos a prefeito, que ficam com a
fatia do leão desse precioso tempo: seis horas e meia. Normalmente, não
são mais do que seis ou sete em cada cidade, dos quais não mais que três
ou quatro competitivos. Os imensos exércitos dos candidatos a vereador —
que passam do milhar nas cidades maiores — ficam com as outras três
horas.
Uns têm tempo de sobra, os outros tão pouco que mal conseguem exibir suas bizarrices.
Ontem começaram as inserções, hoje os programas dos candidatos a
prefeito. Para a vasta maioria dos eleitores, é quando é dada, de fato, a
largada da eleição.
Estão errados os americanos, que têm campanhas que se iniciam um ano e meio antes da eleição?
Certos estamos nós? É bom para a democracia que os eleitores sejam
bombardeados de informação durante poucas semanas — do jornalismo que dá
destaque ao tema apenas na reta final, às horas de propaganda
"gratuita", aos debates que se multiplicam em cada emissora, às dezenas
de pesquisas que são divulgadas uma após a outra?
Alguém acha que decisões eleitorais tomadas nessas condições e na última hora são melhores?
Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
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