Por descuido de assessores de gabinete, vazaram para o site do Supremo
Tribunal Federal cerca de 30 páginas onde estão alinhavadas as penas
que o ministro Joaquim Barbosa planejou, nesta nova etapa, para os réus
da Ação Penal 470, identificada pela imprensa como “mensalão”. A
distração foi retirada do ar.
Foi exibido por tempo suficiente, no entanto, o rigor das punições
projetadas pelo relator. Para o publicitário Marcos Valério, por
exemplo, propõe 12 anos e 7 meses de reclusão pelo crime de lavagem de
dinheiro, além de 340 dias-multa. A esse tempo vão se juntar as punições
anteriores e as que ainda virão.
Barbosa. Talvez lhe conviesse ouvir o ex-colega Peluso ou ler o Marquês de Beccaria. Foto: Gervásio Baptista / SCO / STF |
A tendência de Joaquim Barbosa é a de punir com dureza. Segue, nestes momentos, o principio dura lex sed lex.
(Anotou o latinista Paulo Rónai, que a expressão ficou popular no
Brasil por um pitoresco anúncio comercial: “Dura lex sed lex, no cabelo
só Gumex”.)
Respeitadas as decisões do magistrado, deve ser considerada, porém, a
advertência de Beccaria sobre a relação entre os delitos cometidos e as
penas aplicadas: “Toda severidade que ultrapasse os limites se torna
supérflua e, por conseguinte, tirânica”.
Poucas semanas atrás, ao se aposentar, o severo ministro Cezar Peluso
generalizou equivocadamente um sentimento pessoal: “Nada constrange
mais o magistrado do que condenar o réu em uma ação penal”.
Joaquim Barbosa, no entanto, tem exibido sorrisos irônicos e meneios
de cabeça ao desmanchar argumentos dos réus. Não mostra
constrangimento. Esses gestos, esgares, dão um toque cruel ao poder
soberano do julgador.
Os ilícitos chamados “mensalões”, do PT, do PSDB, do DEM, juntados à
“CPI do Cachoeira”, envolvendo parlamentares, criminalizam a política
como um todo e acirram o moralismo maniqueísta da sociedade. Nesse
contexto ocorre o julgamento da Ação Penal 470 e, assim, o ministro
relator ganha o papel de personagem principal do enredo, apoiado pela
maioria do tribunal.
Barbosa, aplaudido pela mídia, é tratado como herói em restaurantes e
outros ambientes fechados e privilegiados. Um heroísmo sem riscos. O
ministro navega a favor do vento e em mar sem procelas.
Barbosa chegou ao STF, no governo Lula, beneficiado pelo princípio da
cota racial e por indicação de Frei Betto, que tinha, então, trânsito
fácil e grande influência junto ao presidente. É verdade, porém, que
esse ex-procurador da República tem currículo robusto. Tem, também, uma
história pessoal que mostra fôlego de maratonista em trajeto especial.
Saltou obstáculos sociais e materiais.
De onde partiu, acertaria quem previsse que não iria longe. Ele
frustrou as expectativas. Essa corrida de longa distância, porém, deixa
marcas.
Na segunda quinzena de novembro, Joaquim Barbosa assumirá a presidência
do STF. Não é fácil colar rótulos no perfil do magistrado que chega ao
apogeu. A fé católica, por exemplo, não impede que declare com firmeza
sua posição a favor da legalização do aborto. Na pequena biografia
dele registrada na Wikipédia, pode-se ler: “No mais polêmico julgamento
desde que tomou posse no tribunal, votou a favor da tese de que
políticos condenados em primeira instância poderiam ter sua candidatura
anulada”.
Foi voto vencido. Mas a manifesta aversão ao mundo político, que o
favoreceu com uma cadeira no STF, é um caminho para compreender Joaquim
Barbosa. Esse rancor faz dele vítima preferencial da política.
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