A maioria dos grandes meios de comunicação da América Latina está em conflito aberto com os presidentes eleitos de muitos países, trazendo à tona o debate sobre deveres, limites e responsabilidades da informação. Em nome de uma suposta liberdade de imprensa, os meios rejeitam qualquer tipo de regulamentação, sempre acusada de censura, e afirmam que já existem os canais de controle da sociedade sobre possíveis erros ou excessos cometidos pelos jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão.
Um destes caminhos seria a Justiça comum. Um cidadão, político, artista, jogador de futebol ou o que seja, teria a lei a seu lado para exigir reparações no caso de se sentir ofendido ou injustiçado. A situação não é tão simples assim, já que os danos que uma matéria mal apurada ou mal intencionada podem causar são, muitas vezes, irreparáveis. Ter o seu nome estampado nas páginas como ladrão, corrupto ou assassino é uma mancha difícil de apagar, mesmo que a Justiça venha a estabelecer alguma reparação, geralmente de caráter pecuniário. Os meios de comunicação não costumam se desculpar por seus erros e o que se resolve nos tribunais não merece grande espaço nos noticiários.
O recurso à Justiça foi a opção tomada pelo presidente do Equador, Rafael Correa, contra um artigo do jornalista Emilio Palacio, no jornal El Universo, no qual afirmava que o dirigente máximo do país teria ordenado "fogo à vontade contra um hospital cheio de civis e inocentes" durante a rebelião policial de setembro de 2010, quando o próprio Correa foi mantido por 12 horas como refém no mesmo hospital, cercado pelos revoltosos.
De vítima do que foi considerado tentativa de golpe de Estado e que valeu a Correa a solidariedade de vários presidentes latino-americanos e até de líderes conservadores mundiais, como o francês Nicolas Sarkozy, o presidente do Equador passou a "assassino de lesa humanidade", que, de acordo com o articulista do El Universo, poderia vir a ser processado por futuros presidentes.
Correa entrou com processo contra o jornal em março deste ano e, em julho, decisão de primeira instância condenou três diretores do jornal e o jornalista Emilio Palacio a três anos de prisão e multa de US$ 40 milhões por injúria. As duas partes recorreram. Os advogados de Correa consideraram a quantia insuficiente, pois o dano causado seria irreparável, já que o editorial ficaria nos anais da história, nas bibliotecas do país e do mundo e permanentemente na internet. Os advogados do jornal pediram nulidade do processo, considerando decisão incompleta por fixar multa mas não a responsabilidade penal da empresa.
Decisão de segunda instância, nesta semana, confirmou a condenação e o caso vai agora à Corte Nacional de Justiça. "Tudo isso foi muito duro mas necessário", afirmou Correa após a decisão. Seus advogados já tinham afirmado após a primeira decisão que pela primeira vez na história do país tinha sido eliminado o "direito ao insulto" e que qualquer cidadão seria capaz de exigir que sua honra fosse restaurada.
A história poderia ter sido diferente se o jornal tivesse provas de que Correa mandara abrir fogo contra o hospital, o que normalmente se exige do bom jornalismo. Depois, poderia ter sido mais responsável e evitado a publicação do texto diante da gravidade das acusações e da falta de sustentação do que era afirmado. Nada disso foi feito. Os gestores do jornal se eximiram da responsabilidade sobre o artigo e propuseram uma retificação escrita pelo próprio presidente, que a recusou, considerando a proposta um insulto à inteligência.
A decisão judicial pode levar ao fechamento do jornal, com muitos prejuízos envolvidos. Correa anunciou que não pretende ficar com um tostão do dinheiro a ser pago e cogita utilizá-lo para garantir o emprego dos jornalistas que lá trabalham. O radicalismo da situação reflete bem o que acontece em boa parte da América do Sul. A grande imprensa tem ou teve problemas com Correa, com Lula, com Evo e com Chavez, desde que se candidataram à presidência de seus respectivos países.
Os dirigentes da grande mídia costumam atribuir os conflitos a um caráter ditatorial dos presidentes legitimamente eleitos, mas parece muito mais que não aceitam a ascensão ao poder de líderes populares, que buscam acabar com privilégios e reduzir as desigualdades e a pobreza no continente.
Mair Pena Neto
No Direto da Redação
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