Governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), no início desse mês, oficializou o desejo de vender terras, reivindicadas pelo próprio Estado como sua, para fazendeiros. Para iniciar a privatização das terras, ele pediu que os deputados se esforçassem para aprovar dois projetos de leis (PLs) que viabilizem a sua intenção.
Um deles é o Projeto de Lei 578, proposto pelo ex-governador José Serra, em 2007, que prevê regularização de propriedades acima de 500 hectares. O outro projeto foi aprovado em 2003, Lei Estadual 11.600, mas sofre alterações no momento. Esta lei torna legal a posse de terras devolutas até 500 hectares na região.
A iniciativa do Alckmin parece uma pequena mostra do projeto de privatização de terras do PSDB, iniciado em 1995 com o Plano de Ação para o Pontal do Paranapanema, que se perpetua até hoje, segundo informações de Carlos Alberto Feliciano, professor de geografia da Unesp.
Na época da elaboração do Plano de Ação para o Pontal, a equipe do então governador Mário Covas criou um projeto que previa ação estatal em três momentos distintos: a primeira fase tratava da arrecadação de áreas devolutas e de assentamento; a segunda, estabelecia acordos nas áreas ainda não discriminadas; e a terceira fase, criava a edição de uma Lei de Terras, informou Feliciano. No entanto, o projeto não vingou.
Portanto, Feliciano acredita que esse projeto já estava pensado naquela época, mas, não ganhou força em função do fortalecimento do movimento camponês na região. “Nesse momento atual, o que era para ser uma discussão e atualização de uma proposta de Lei de Terras estadual, metamorfoseou-se em um projeto de regularizar todas as áreas do Pontal do Paranapanema”, disse.
Para o deputado estadual Simão Pedro (PT), Alckmin insiste em aprovar um novo projeto porque a Lei 11600/03 perdeu o seu objetivo original, depois que ele e o então deputado Renato Simões criaram uma emenda que autorizava regularização de posse apenas das áreas não aproveitáveis para a criação de assentamentos no Pontal. Por isso, “Alckmin quer aprovar um projeto retirando o item que nós tínhamos conseguido aprovar”, contou Simão.
“Ao invés de jogar peso com a estrutura do estado para acelerar os processos de arrecadação das terras públicas griladas (80% das terras do Pontal do Paranapanema são consideradas devolutas), o governador faz o jogo dos grileiros e busca, de todas as formas, legalizar a grilagem”, falou Simão Pedro.
As medidas que Alckmin almeja aprovar não são apenas uma questão de venda de terras públicas. Vão muito além disso. Trata-se de violar patrimônios pertencentes ao Estado, sobretudo, à população, informou Sônia Moraes, vice-presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra). “É um desrespeito ao Estatuto da Terra, que determina que as terras públicas sejam destinadas à Reforma Agrária. Inclusive, essa determinação também está na Constituição Nacional”, declarou.
A vice-presidente da Abra também teme que o governador privatize os assentamentos. Segundo ela, “junto a tudo isso se vê a intenção do governo em privatizar os próprios assentamentos, contrariando frontalmente a legislação agrária brasileira”. Isso pode acontecer, explicou Sônia, se o governo permitir o arrendamento de áreas de assentamentos para a produção de cana-de-açúcar.
Para Simão Pedro, esses projetos impedem a continuidade da Reforma Agrária na região do Pontal do Paranapanema. “As terras do Pontal, como são públicas, tem que ser destinadas à implantação de novos assentamentos, atendendo a uma demanda grande de Sem Terras ainda existentes na região e desenvolvendo a verdadeira vocação do Pontal que é se constituir numa região reformada e produtora de alimentos”.
Ainda na opinião do deputado, o desenvolvimento do Pontal não é a monocultura da cana-de-açúcar, porém, “a verdadeira intenção do projeto do Alckmin é criar as condições para isso”, concluiu.
Perigo
Segundo Carlos Feliciano, se o PL nº 578 for aprovado, o estado, governado pelo PSDB desde 1995, efetiva as três fases de seu plano de ação, regularizando inúmeras práticas ilegais de grilagem de terras. Consequentemente, “a retomada de terras públicas, que já foram reconhecidas como tal, em grande parte pelo poder judiciário nas ações discriminatórias, desde a década de 1950, vão se tornar, com essa aprovação, em propriedade privadas”, alertou.
Em outras palavras, o Poder Executivo paulista adere um posicionamento político de reconhecer o processo histórico de grilagem no Pontal do Paranapanema, e pior, “tornando-o legítimo”, conforme disse o professor da Unesp.
Carlos Feliciano acha que na década de 90, com a ação dos movimentos sociais, jamais essa proposta seria apresentada, pois a força dos camponeses impediria. Apesar disso, hoje, a correlação de força com a entrada do capital, travestido de agronegócio, é outra. “Para o capital torna-se importante a regularização, por isso o discurso do desenvolvimento (empresas) versus atraso (conflitos, assentamentos) é forte no argumento apresentado pelo governo Alckmin”, expressou Feliciano.
De acordo com o deputado Simão Pedro (PT), se os projetos forem aprovados nos moldes que o governo pretende, os movimentos e a sociedade civil poderão recorrer à justiça e buscar instrumentos jurídicos para impedir a sua aplicação. “O ideal é, desde já, iniciar as denúncias e protestos em relação a essa intenção do governo”, afirmou.
Os latifundiários
Apesar das medidas serem favoráveis à legalização da grilagem, o professor Carlos Feliciano acredita que dificilmente os latifundiários/grileiros irão aderir massivamente a esse projeto de lei caso venha ser aprovado.
Ele contou que o estado, historicamente, já tentou emplacar a medida e os fazendeiros nunca aderiram. Isso tem uma explicação. Primeiro, contou Feliciano, eles não se entendem como ocupantes irregulares, pois advogam e são bem orientados para isso, em dizer que a ocupação não foi de má fé. Segundo, ao aderir a esse acordo, eles publicamente assumem que as terras são do Estado, ou seja, eles mesmos reconhecem que foram frutos da grilagem.
“Fazendeiro algum dessa região admitiria isso, pois na concepção deles, essa grilagem não tem sentido com sua ocupação atual”, disse Carlos Feliciano. Além disso, “caso estejam propostos a aceitar esse acordo, somente o fariam se não fosse oneroso para seu bolso”, completou.
Mas, segundo Feliciano, o projeto de lei viabiliza que o Estado regularize (compre) as terras de acordo com seu tamanho e destine o recurso para um Fundo de Desenvolvimento para o Pontal. “Na lógica dos fazendeiros/grileiros não há sentido essa proposta, pois eles ou seus familiares antecessores, em algum momento, compraram de boa fé essas terras, então, eles novamente comprariam o que já são deles”, explicou.
Processo histórico
O Pontal do Paranapanema é, historicamente, uma área de disputa desde sua ocupação, baseada, segundo informações divulgadas na tese de doutorado do professor Carlos Feliciano, na expropriação indígena, na grilagem de terras e no desmatamento.
Hoje, a disputa é travada pelas classes sociais existentes na região. Ou seja, de um lado, os fazendeiros. Do outro, os camponeses. Segundo Valmir Rodrigues Chávez, mais conhecido como Bil, Dirigente Estadual do MST, as usinas de açúcar se organizaram com o agronegócio para arrendar terras que deveriam ser destinadas à Reforma Agrária.
“Alckmin está tentando tirar algumas cláusulas do projeto [Lei 11600/03] para atender, exclusivamente, aos usineiros e grileiros”, afirmou Bil.
Além disso, de acordo com Bil, quem gera emprego na região são os assentamentos. “As empresas chegaram gerando empregos de fachada. Trouxeram as tecnologias ligadas ao plantio e ao corte de cana, que, consequentemente, gerou crises agudas na região”, informou. Ele também lembrou que, antigamente, saiam da região 23 ônibus com bóias-frias em direção às usinas. Hoje, saem apenas três ônibus. “Então, é mentira que as empresas trouxeram emprego para a região”, disse indignado.
“Eu estou na região desde 1983. Acompanho todo o processo de disputa por terras na região bem de perto e os grileiros, hoje, têm Geraldo Alckmin como aliado”, desabafou Bil.
Atualmente, mais de 2 mil pessoas estão acampadas na região, aguardando terras destinadas à Reforma Agrária.
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