Os emails de Fátima e Marcos Asevedo, ambos do Conselho Popular no Rio de Janeiro, dando notícia de variada intervenção de militantes e representantes da igreja junto aos movimentos populares soaram em meus ouvidos e na minha compreensão como vigoroso grito de alerta diante das pressões e ações concretas da prefeitura e, nela, da secretária municipal de habitação, sempre presentes nas pessoas de Eduardo Paes e Jorge Bittar, respectivamente. Inclementes em continuadas remoções seguidas de demolição das casas da gente pobre que habita áreas atingidas por projetos relativos ao refazimento e valorização da cidade com vistas a Copa do Mundo, em 2014, e as Olimpíadas, em 2016, o grande pretexto, além de eventuais chuvas para expulsar da terra do rico o pobre que antes dele lá instalara o seu habitat. E todos se dizem democratas e falam até em nome de Deus…
São comunidades inteiras e numerosas as atingidas. Eu diria, lembrando velho refrão, dispersadas sem dó nem piedade, muito menos qualquer reparação ou indenização. Só promessas e mentiras. Em alguns casos, sem respeitar minimamente direitos elementares, como aconteceu em Recreio 2, onde não tiveram o cuidado de levar a depósito publico os utensílios e móveis do companheiro despejado. A ordem era demolir rapidamente antes que uma improvável ordem judicial, coisa rara mas possível, viesse a impedir a remoção.
O Conselho Popular, esta instância política criada pelos trabalhadores para garantir seu espaço de moradia e seu habitat de convívio democrático, uma necessidade ética, quer fazer do homem excluído pela pobreza social e econômica presentante de si mesmo, uma forte e coletiva presentatividade diante do Estado, iluminado pela certeza de que está sozinho nesta luta, enfim a compreensão de que os órgãos representativos institucionais, nesta hora trágica de sua vida, estão todos, como órgãos do Estado e sem exceção, desinteressados de sua sorte.
Ora, deixe-se de radicalismos, dirão os homens chamados de boa-fé. Dirão e repetirão esses bons cidadãos, alguns sem perceberem o que se esconde na boa fé, outros sem tanta fé, e fingindo não perceber que o radicalismo, beirando o vandalismo é da Prefeitura e muito bem coordenada e executada, sem pudor o remorso pelo senhor Prefeito e seu Secretario de Habitação. Dirijam a eles, senhores de boa-fé, seus apelos bem intencionados.
Restam as ONG(s), mas dessas o meu receio é de que, parceiras da prefeitura em vários projetos, provavelmente importantes para a reconstrução e embelezamento desta heróica cidade de São Sebastião, parceira também da União e do Estado do Rio de Janeiro, acabem, com as exceções de praxe, servindo de manta, como os velhos pelegos do nosso sindicalismo, para que as autoridades montem como mais comodidade nas costas do povo.
Quanto à Defensoria Pública, no traçado constitucional o principal apoio dos moradores discriminados e violentados, foi desmantelada de sua antiga, atuante e comprometida formação sem qualquer explicação convincente, e de seus legitimados representantes, os que compunham o competente Núcleo de Terras – Nuths, estes, depois de exonerada sua coordenadora, exoneraram-se também, e foram, todos, punidos com a dispersão geográfica por vários municípios do Rio de Janeiro, cômoda forma de retaliar funcionários indesejáveis por sua firmeza ética, como no caso, ou política.
Enfim a importante participação da Igreja, cuja prática pastoral em ações concretas se iniciou com D. Eugênio Salles, assessorado pelo saudoso advogado Bento Rubião, e que quando mobilizada ou não pelos ecos e efeitos do Concílio Vaticano II, Puebla e, guardadas posições pessoais, como o espírito cristão de D. Eugênio, pela Teologia da Libertação, fez no Rio, sem contradições, clara opção pelos pobres. Uma Igreja muito bem representada pela Pastoral de Favelas, como, por exemplo, na inesquecível e celebrada (inclusive com missa campal) resistência da comunidade do Anil.
Pois hoje, com todo o respeito e profunda apreensão, de fora da Igreja mas antigo parceiro em lutas comuns receio que se acabe no Rio, como no triste episódio bíblico, e isto não seria próprio da Igreja, lavando as mãos.
(*) Miguel Lanzellotti Baldez é procurador do Estado do Rio de Janeiro aposentado e professor.
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