As investigações sobre a morte da juíza Patrícia Acioly conduzem a angustiosas reflexões sobre a insegurança no Brasil e no mundo. Em primeiro lugar, temos a perversão das forças policiais de segurança, infectadas pelos atos criminosos, que não se limitam aos cabos e soldados, mas chegam à cúpula de certas corporações, como é evidente na Polícia Militar do Rio de Janeiro.
Essa abjeta contaminação dos policiais — que, apesar de sua gravidade, não compromete senão parcela das tropas — é explicada, por muitos especialistas, como produto do tráfico de drogas e de outras formas do crime organizado. Isso nos leva à questão que exige atitude corajosa dos estados nacionais: a das drogas. Não é necessário registrar o emprego dos narcóticos em rituais religiosos, para entender que as drogas fazem parte do humano viver. O que tornou grave o consumo foi a sua inclusão no circuito capitalista, ou seja, sua transformação em mercadoria.
Isso ocorreu no século 19, e trouxe, como primeira e gravíssima consequência, a Guerra do Ópio, quando a Inglaterra e outras potências europeias massacraram a China e transformaram o grande país em colônia, ao impor, manu militari, o consumo da droga, comercializada por empresas europeias, e produzida na Índia, da qual fazia parte o Paquistão, e no Afeganistão.
Nenhuma droga é mais consumida e mais danosa ao mundo contemporâneo do que a cocaína. Os povos andinos mastigam as folhas da coca há milênios, a fim de aliviar as penosas condições do altiplano, com a rarefação do ar. O alcaloide favorece a absorção do oxigênio e combate a fadiga. Foi a partir dessas qualidades medicinais, que o químico alemão Albert Niemann conseguiu isolar o princípio ativo da planta, com o nome de cocaína, em 1859-60.
Os povos andinos mastigam as folhas da coca há milênios, a fim de aliviar as penosas condições do altiplano, com a rarefação do ar
Depois de ser usada como anestésico, a cocaína foi também empregada para combater o vício da heroína, tido como muito mais danoso. Mas foi a partir de 1883 que o consumo da droga entrou no circuito comercial. O farmacêutico italiano Ângelo Mariani misturou cocaína ao vinho, a fim de produzir um tônico fortificante, indicado para a cura da tuberculose.
O Vinho Mariani foi consumido e elogiado por grandes personalidades, mostrando que a Coca-Cola, que foi sua continuidade, teve precedentes de marketing em que se inspirar. Entre outros consumidores, que aconselhavam seu uso, se encontrava o papa Leão XIII, escritores como Robert Louis Stevenson e cientistas como o próprio Freud. A Coca-Cola nasceu diretamente do Vinho Mariani, e, até hoje, como foi revelado sem desmentidos, em sua fórmula se emprega o extrato de coca. Relembre-se que a empresa mantinha, se ainda não mantém, uma plantação de coca na Bolívia, que foi preservada da erradicação dos cultivos, promovida pelos Estados Unidos há alguns anos.
A combinação entre o tráfico de drogas, o crime organizado e a corrupção assustadora dos meios policiais, está transformando o México em um pesadelo cotidiano e permanente. Antes que a situação em nosso país se torne tão grave, como a do grande vizinho do Norte, teremos que enfrentar o problema com decisão e coragem.
O consumo da droga deve ser tratado como um problema de saúde pública, assim como são tratados os casos de psicopatia
É necessário legalizar o uso das drogas, por mais que essa decisão encontre a oposição das almas bem intencionadas. Seria bom que o Estado dispusesse do poder de exterminar o tráfico e eliminar o consumo de drogas, e evitar as consequências infernais de seu comércio clandestino. Como isso não ocorre, o melhor será legalizar a produção e comercialização de todas elas, sob a administração direta dos estados interessados.
O consumo da droga deve ser tratado como um problema de saúde pública, assim como são tratados os casos de psicopatia. Os viciados, sem prejuízo do tratamento de desintoxicação e de ajuda psicológica para que abandonem o hábito, devem ter o direito de comprar a droga e a consumirem sob assistência hospitalar. Com a legalização e transparência do consumo e comércio das drogas, não haverá mais o terror das chacinas de pequenos traficantes, nem a promiscuidade entre os chefes do tráfico, a polícia e as autoridades civis.
O caso da juíza Patrícia Acioly é emblemático. Ela foi rigorosa, contra os policiais que assassinavam pessoas inermes. Não foi a primeira personalidade do mundo judiciário a morrer pela sua coragem no dever de julgar. Os juízes criminais, bem como os membros do Ministério Público, vivem em constante sobressalto, sob ameaça, e não esmorecem no cumprimento de seu dever na defesa da sociedade.
O Estado tem sido incap
az de proteger os seus magistrados, da mesma forma que há casos comprovados de apodrecimento do Poder Judiciário, seja pela corrupção, seja pela violência, como ocorreu em Sobral, no Ceará, em 2005, quando o juiz de direito Pedro Percy Barbosa de Araújo matou o trabalhador José Renato Coelho Rodrigues, modesto vigia de um supermercado, por motivo mais do que fútil: o vigia se negara a abrir a porta, já fechada, às 22h30, para o comprador qualificado. O juiz, depois de atendido, foi a seu carro, buscou a arma e matou friamente o trabalhador com dois tiros na nuca. Condenado a 15 anos, o magistrado teve o benefício do destino, e morreu três anos depois — aos 57 anos. Viver, mais do que nunca, é hoje privilégio do acaso.
Outros magistrados foram corruptos comprovados, como o juiz do Trabalho Nicolau dos Santos Neto, que continua vivo, em prisão domiciliar, pela sua saúde precária, aos 83 anos.
É necessário o rigoroso cumprimento da ordem da lei — desde que ela seja equânime e não ad personam, como costuma ocorrer entre nós, quando as leis se aprovam para beneficiar determinadas pessoas, como ocorreu no governo Fernando Henrique com a reeleição e o projeto de privatizações.
As leis que promovam a igualdade de direitos, e deveres, entre todas as pessoas são a única esperança de que tenhamos alguma paz e justiça na sociedade dos homens.
Do Jornal do Brasil
Mauro Santayana
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