Senador Cristovam Buarque, o senhor ontem disse, na tribuna do Senado, que “o educador Paulo Freire (1921-1997) ficaria frustrado com a educação no Brasil se ainda fosse vivo”.
Por isso, sinto-me no direito de dizer que se Leonel Brizola e Darcy Ribeiro fossem vivos, ficariam não tristes, mas indignados com suas declarações, hoje, a O Globo.
Acho até, Senador, que o convidariam para tomar uma aula de Ciep. Porque o nosso querido amigo deve andar lendo sobre eles nos livros errados ou – é mais provável – nas páginas de O Globo, onde ele hoje é o personagem do artigo do “lord” Merval Pereira, homem dotado de tanto amor pelos pobres que, se pudesse os mandaria todos para o céu.
Porque só isso ou a manipulação – que não foi desmentida até agora, porque no site do senador só achei foram fotos do Merval – explicaria a declaração que se lhe atribui, entre aspas, e que reproduzo:
“A História nos dá a chance de sermos líderes da construção desse novo Brasil (de acordo, Senador). Os CIEPs do Brizola falharam ao focar na unidade escolar e na arquitetura, e não na cidade inteira: nos professores, no conteúdo, nos equipamentos”.
Senador, senador, quem lhe contou semelhante bobagem? Foi o Merval Pereira, aquele que publicou a foto de um homem negro com um retrato de Brizola e disse que era um traficante?
Fica até feio para o senhor, que se diz um tão grande admirador de Darcy Ribeiro, imaginar que ele pudesse ser um energúmeno de achar que escola se resumia a prédio.
O senhor deveria ler, em vez do imortal Pereira, a infelizmente mortal Tatiana Memória – que já nos deixou – e foi a principal auxiliar de Darcy Ribeiro na implantação do Programa Especial de Educação, ao qual os Cieps se vinculavam.
Lá o senhor vai ver que cada CIEP recebia, em valores de hoje, meio milhão de reais em mobiliário, equipamento de cozinha, material administrativo, equipamentos médicos e dentários e – preste atenção, Senador - material de áudio, vídeo e livros para sua biblioteca, além de material e equipamentos esportivos. Isso é “arquitetura”, Senador?
E como é que o senhor diz que não se focava no professor, se o Programa celebrou um convênio com a Universidade Estadual para fornecer bolsas de estudo com 1.600 horas em Cursos de Atualização para professores no final de formação. Cada um deles permanecia por quatro horas em prática pedagógica com sua turma enas outras quatro fazia seu Curso de Atualização, com material impresso e programação de televisão preparados para esse fim. É, Senador, professor também de horário integral, metade do tempo dando aulas e na outra metade se aperfeiçoando. Onde é que no Brasil, Senador, o senhor já viu uma coisa destas?
“Entre 1991 e 1993, cerca de 9.000 professores bolsistas fizeram nos CIEPs seus Cursos de Atualização, com resultados surpreendentes para o aproveitamento dos alunos. O professor bolsista se mostrou de uma assiduidade quase total e de uma enorme dedicação às suas tarefas pedagógicas.”, conta Tatiana, que não se informou sobre os CIEPs pelo jornal O Globo, mas lá dentro deles, trabalhando todo santo dia.
E quando foi feito um concurso para professores, 30 mil deles se inscreveram, para apenas 8 mil aprovações. Insuficientes para preencher o quadro de 12.500 professores aberto para o Ciclo Básico e para Ginásios Públicos que funcionavam nos Cieps. “A prova de redação foi a grande responsável pelos altos índices de reprovação. Novos professores, formados por escolas inadequadas, já não sabem mais escrever”, constatou com tristeza Tatiana.
E os CIEPs não eram feitos só de professores, não. Estes eram 46 por CIEP, ajudados por mais 34 funcionários – merendeiras, serventes, zeladores, encarregado de manutenção e mães sociais que cuidavam, à noite, das crianças que não tinham uma casa para onde ir. E estas escolas eram abertas, nos finais de semana, para toda a comunidade, para suas festas, reuniões, atividades e até para curtirem a piscina, como essa que o senhor vê na foto.
Senador, informar-se sobre os Cieps pelo O Globo, dá neste tipo de visão distorcida, de que aquilo era um prédio vazio. E que aquilo foi um fracasso, porque não fez diferença. Sabe, Senador, o senhor deveria se informar sobre o que Moreira Franco e Marcello Alencar, assim que sucederam aos governos de Brizola, fizeram com os Cieps. Aliás, o senhor sabe, porque foi o mesmo que fizeram com seu programa de Médico de Família aí no DF: entraram no Palácio, pegaram a caneta e detonaram tudo que levou anos para ser feito.
Aí usaram o argumento de que o programa era de inspiração cubana. Aqui, de que aquilo era um desperdício, escola de luxo para pobre. Depois de ler o texto da Tatiana Memória, o senhor podia ler o de outra professora que trabalhou no programa, Lúcia Velloso, sobre a maneira “global” de falar dos Cieps:
”Comprovar que a culpa do fracasso é do pobre sempre seduz a classe média e é uma boa receita de sucesso. Ainda mais quando as reportagens omitem dados e manipulam imagens para reforçar o consenso fácil que herdamos da escravidão: para que gastar recursos com a educação popular? Os pobres não conseguem bons resultados na escola mesmo quando se oferece a eles uma escola de luxo; veja-se o exemplo dos Cieps: dos 21 alunos da primeira turma, só um passou para a faculdade. As reportagens quiseram mostrar que o ciep é caro, que o projeto arquitetônico é mal resolvido, que foram desperdiçados recursos e, pior que tudo, que esta escola não garante bom desempenho. Para isso foram criadas personagens exemplares através de histórias de vida de alunos da primeira turma com intenção de comprovar seu fracasso, utilizando como critério de qualidade chegar ao ensino superior. O que se mostrou, ao contrário do que o jornal pretendia, foi que a proporção de alunos que completou o ensino médio é maior entre aqueles que permaneceram no ciep até completar a 4ª. série.”
Mas talvez, Senador, baste ao senhor ler aquilo que o senhor mesmo escreveu e que, talvez na alegria do convescote com um dos mais reacionários porta-vozes da elite brasileira, tenha lhe fugido da memória. Então, a gente ajuda o senhor a lembrar:
“O Ciep, de Brizola e Darcy Ribeiro, foi a mais transformadora das políticas sociais brasileiras. Todas as crianças teriam aulas do começo da manhã ao final da tarde. Desenvolveriam seus talentos, independentemente da renda da família. Se esse programa tivesse sido adotado nacionalmente, o Brasil seria hoje diferente”.
Pois não é que começa assim o artigo escrito pelo senhor, publicado no Correio Braziliense de 28 de fevereiro de 2009. Está aqui, no seu antigo portal de internet, para o senhor conferir. E o seu argumento de que deveria ter sido feito “por cidade”, se o senhor se informar direitinho, verá que foi seguido aqui: 70 por cento dos Cieps foram feitos no Rio, Baixada e Niteroi/São Gonçalo, onde está concentrada a maior carência. Só que o Rio, Senador, ao contrário de Brasília, não tem a pobreza circunscrita ao entorno: está por toda a parte, muito mais até que os CIEPs.
A sua proposta de fazer escolas boas em “cidades de porte pequeno”, com tradição educacional e (não sei como se enquadraria legalmente este critério) “cujos prefeitos e governadores (sic) apresentem história de compromisso com a educação”, francamente, é um total disparate em termos logísticos, administrativos e pedagógicos. Porque ela perpetua o que o senhor mesmo aponta como pecado essencial: “quando a educação é distribuída desigualmente, ela termina sendo o berço da desigualdade”.
Senador, como o senhor é um homem suficientemente inteligente para reconhecer erros, corrija os seus, inclusive os de memória.
No Tijolaço
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