Guerrilheiro Virtual

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

ARMAS NUCLEARES, ROBÔS MILITARES E GUERRA

Por Frederico Gama Carvalho, Doutor em Física e Engenharia Nucleares; publicado em “resistir.info”

“As despesas militares dos Estados Unidos da América são as mais altas do mundo [1]. Em 2011, terão ultrapassado os 700 bilhões de dólares [2]. Entre 2001 e 2011, mais do que duplicaram, a preços constantes. Em percentagem do PIB, subiram de cerca de 3% para mais de 5%.

A China, com população cerca de quatro vezes maior, apresenta a segunda maior despesa militar, mas à grande distância dos EUA (cerca de um sexto) [3]. Os EUA despendem cerca de 12 bilhões de dólares anuais em ajuda militar a vários países estrangeiros na sua maior parte destinada ao Afeganistão, Iraque, Israel, Paquistão e, pelo menos num passado próximo, ao Egito [4]. A despesa militar dos EUA tem mantido tendência crescente desde, pelo menos, 1998 [5]. Mesmo numa economia com a dimensão da norte-americana, pode não ser sustentável no longo prazo a manutenção de nível tão elevado de gastos militares [6].

No decurso das duas últimas décadas, assistiu-se a evolução e desenvolvimentos muito significativos no campo da investigação científica e tecnológica para fins militares. Quatro domínios merecem particular atenção: as armas nucleares; os robôs militares; as armas de energia dirigida, ditas "não letais"; e a utilização da cibernética [7] para fins de espionagem ou com vista à disrupção ou desativação de sistemas ou equipamentos informatizados.

Nesse último domínio, fala-se de "ciberguerra" e entende-se, como tal, a intromissão (hacking) dolosa, politicamente motivada, em redes informáticas ou computadores do (suposto) inimigo com o fim de provocar danos ou disfuncionalidades. William Lynn, subsecretário da Defesa dos Estados Unidos, afirma que "como questão de doutrina, o Pentágono reconheceu formalmente o ciberespaço como novo domínio da arte da guerra" que "se tornou tão crítico do ponto de vista militar como o solo, o mar, o ar ou o espaço (exterior)." [8]

Nesse contexto, recorda-se a notícia vinda a público do ataque ocorrido em setembro de 2010 ao parque de ultracentrifugadoras de Natanz, no Irã, de enriquecimento de urânio com vista à sua utilização como combustível nuclear. Nesse caso, foi usado o vírus “Stuxnet” até aí desconhecido [9]. O alvo do “Stuxnet” são sistemas de controle usados em centrais elétricas e outras instalações industriais. A origem do vírus não foi publicamente identificada, mas há razões que apontam para um projeto comum americano-israelense [10].

De acordo com artigo recente do “New York Times [11], imediatamente antes de terem sido iniciados os raids americanos sobre a Líbia, foi seriamente debatido, no seio da administração Obama, a possibilidade de lançar ofensiva cibernética com vista a pôr fora de serviço os radares do sistema líbio de alerta precoce ("early warning") contra ataques aéreos. A possibilidade foi afastada por razões político-militares que não cabe analisar aqui. [12]

Nos EUA, foi criada, em 2009, uma subunidade do Comando Estratégico das Forças Armadas com a designação de “Ciber-Comando” (USCYBERCOM) a qual atingiu completa capacidade operacional em fins de 2010 [13].

No que respeita a engenhos nucleares para fins militares, pode-se dizer que a ameaça nuclear continua presente e, no essencial, inalterada quando comparada a situação atual com a que existia há algumas décadas. Quarenta e um anos depois da sua entrada em vigor, em 1990 [14], e após oito Conferências de Revisão, mantém-se o caráter discriminatório do “Tratado de não-proliferação” [TNPN] relativamente aos estados que não dispõem de armamentos nucleares e o desinteresse por parte das potências nucleares signatárias do Tratado em dar os passos previstos no seu Artigo VI, no sentido do desarmamento nuclear e do desarmamento geral e completo.

Em 1996, foi aprovado o “Tratado Geral de Proibição de Ensaios Nucleares” (CTBT) [15]. A entrada em vigor do tratado depende, entre outros, da ratificação pelo Congresso dos Estados Unidos, o que, 15 anos depois, ainda não aconteceu [16]. No entender de diversos observadores, o conhecimento que se tem das orientações e decisões das administrações norte-americanas no domínio nuclear ao longo dos últimos 20 anos permite dizer que os EUA não têm qualquer intenção de prescindir da arma nuclear num futuro previsível [17]. No complexo nuclear militar científico e industrial norte-americano, prosseguem sem limitação de fundos os trabalhos de manutenção, modernização e desenvolvimento de armas nucleares. A orientação desses trabalhos pode resumir-se assim: desenvolver armas capazes de penetrar no solo e destruir alvos subterrâneos especialmente protegidos ("hardened"); e desenvolver armas cuja utilização seja politicamente exequível, entendendo-se por isso, cabeças nucleares suscetíveis de minimizar os chamados "efeitos colaterais" [18].

Drone (VANT) Predator

Robôs, designadamente na forma de veículos aéreos sem piloto (VASP; drones; ou Veículos Aéreos não-tripulados-VANT) estão sendo usados extensivamente e são alvo de constantes aperfeiçoamentos para utilizações militares, quer em teatros de guerra, quer na localização e abate de alvos humanos selecionados, no que é o equivalente de uma execução extrajudicial [19]. Essa utilização, inaceitável e efetivamente perversa, abre a porta a novas formas de fazer a guerra. Robôs militares e VASPs podem ser comandados ou "pilotados" a partir de um console de comando situado a milhares de quilômetros de distância, graças às possibilidades criadas pela existência de linhas de comunicação eficientes de alta qualidade [20].

Em anos recentes, a utilização de robôs militares tem crescido extraordinariamente: quando da invasão do Iraque em 2003, as forças dos EUA, praticamente, não possuíam robôs militares; já em 2010 as forças armadas americanas dispunham de um número global de cerca de 12 mil robôs militares, dos quais perto de 7000 eram VASPs — os chamados "drones". Essa evolução levanta questões sérias nos planos ético e legal. No que concerne à classificação do pessoal envolvido na utilização de robôs militares, pode argumentar-se que se esfuma a distinção entre o "soldado" e o não-combatente, em particular no caso daqueles "pilotos" à distância e técnicos civis que tomam decisões à mesa ou console de comando, se levantam no fim de um "dia de trabalho" e vão para casa jantar com a família [21].

Os "drones" foram utilizados pelos americanos nos Balcãs, no Iémen (com apoio da CIA), na Somália, no Iraque, no Afeganistão e no Paquistão (nesse caso sob controle da CIA, por razões que não podem ser examinadas aqui). Israel usou "drones" na faixa de Gaza [22]. No caso da ação da CIA no Paquistão, a taxa dos chamados "danos colaterais" é estimada em 1 militante para 10 civis abatidos [23] [24].

No que toca ao arsenal de armas de energia dirigida, e outras, ditas "não-letais", que visam sobretudo o controle de movimentos ou manifestações de massas em países ou regiões política ou socialmente instáveis, mesmo no plano doméstico, muito haveria a dizer mas o tempo disponível não o permite. Ficará assim para outra oportunidade [25].

NOTAS:

1. http://www.globalissues.org/article/75/world-military-spending
. See also "Financial Times.com", "Global military spending slows" John O'Doherty, April 11 2011.

Na edição do “Financial Times” do passado dia 6 do corrente, podia ler-se a afirmação de que, nos Estados Unidos, a degradação de infraestruturas físicas essenciais — como estradas, pontes, barragens, redes elétricas, sistemas de abastecimento de água — era tal que o país se aproximava rapidamente de status de "segundo mundo". Acrescentava que os gastos com manutenção e modernização de infraestruturas básicas ficava em 2% do PIB, quatro vezes menos do que China.

2 . Esse número inclui o orçamento base da defesa e, também, a despesa respeitante às operações no Iraque e no Afeganistão, mas não inclui as despesas do Departamento de Energia (DoE) com os programas respeitantes a armas nucleares. O valor indicado equivale a cerca de três vezes o valor estimado neste ano para o PIB português

3. Entre 2000 e 2010, a despesa militar da R.P. da China terá passado de cerca de US$ 34 bilhões para cerca de US$120 bilhões, isto é, terá crescido cerca de 250%. Em 2010, os gastos militares dos EUA representavam cerca de 43% da despesa militar global do planeta. Os EUA e a R. P. da China, em conjunto, atingiam 50% da despesa mundial.

4. http://www.theworld.org/2011/08/defense-budget-tea-party/
 
5. Cf. Christopher Hellman, "The Runaway Military Budget: An Analysis" (Friends Committee on National Legislation, March 2006, no. 705, p. 3)

6. Cf. "World Military Spending", Global Issues (http://www.globalissues.org/article/75/world-military-spending
) (2011)

7. "Ciência que investiga os mecanismos de comunicação e de controle nos organismos vivos e nas máquinas." (cf. Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa)

8. Lynn, William J. III. "Defending a New Domain: The Pentagon's Cyberstrategy", Foreign Affairs, Sept/Oct. 2010, pp. 97–108

9. Cf "Stuxnet worm brings cyber warfare out of virtual world", Pascal Mallet (AFP) – Oct 1, 2010

10. Cf. "U.S. Debated Cyberwarfare in Attack Plan on Libya", Eric Schmitt and Thom Shanker, The New York Times, Published: October 17, 2011. A mesma fonte refere que, tanto o Pentágono como empresas com contratos militares, são objeto e repelem, regularmente, ataques às suas redes de computadores, muitos deles alegadamente provenientes de fontes russas ou chinesas.

11. Id., ib.; tratava-se de penetrar as barreiras informáticas de proteção contra intromissões ("fire wall") das redes de computadores do governo líbio para cortar as linhas de comunicação com as baterias de mísseis do sistema de defesa antiaérea.

12. Recentemente (Outubro de 2011), foi descoberto um novo vírus ("malwware") que recebeu o nome de "Duku". O “Duku” partilha grande parte do código informático do “Stuxnet”, mas atua de forma diferente e com objetivos diferentes (cf. Discover Magazine, October 19th, 2011, artigo de Veronique Greenwood). O novo vírus, provavelmente com a mesma origem do “Stuxnet”, é um "vírus espião", destinado ao recolhimento de informação sobre características e organização interna de sistemas de redes e computadores, incluindo chaves de segurança, de modo a permitir futuros ataques destrutivos ou de incapacitação. O vírus não se reproduz e autoextingue-se em 36 dias, provavelmente para dificultar a detecção.

13. Além dos EUA, o Reino Unido, a R.P. da China e as duas Coreias, pelo menos, terão posto de pé estruturas de defesa contra riscos associados a ataques cibernéticos. Barak Obama afirmou, em 2009, que tinham ocorrido situações de intrusão cibernética nas redes elétricas dos EUA com fim de avaliar as condições de segurança das redes (Cf." China's Cyberassault on America", Richard Clarke in The Wall Street Journal, Junho 15, 2011)

14. O TNPN obriga, nesta data, 189 estados, incluindo os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU

15. Aprovado na Assembleia Geral das Nações Unidas por maioria superior a dois terços dos estados membros.

16. Os outros estados de cuja ratificação está dependente a entrada em vigor do CNTBT são: China, Egito, Índia, Indonésia, Irã, Israel, Coreia do Norte e Paquistão

17. O chefe do Comando Estratégico dos EUA, general Kevin Chilton, declarou recentemente o seguinte à comunicação social: "Quando olhamos para o futuro — e é minha convicção que precisaremos de um dissuasor nuclear neste país para o que resta do século, o século XXI — penso que aquilo de que necessitamos é de uma arma nuclear modernizada compatível com os nossas também modernizadas plataformas de lançamento". Cf. A elucidativa Informação de Andrew Lichterman ,para a Western States Legal Foundation: "Nuclear Weapons Forever: The U.S. Plan to Modernize its Nuclear Weapons Complex" (2008) (http://www.wslfweb.org/docs/ctbrief.pdf
)

18. Ver nota anterior

19. Ver "Resolução sobre a utilização de robôs militares", Comissão Internacional para o Desarmamento, a Segurança e a Paz (ICD), da Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos, Paris, Maio de 2011 (http://www.otc.pt/index.php/noticias/fmtc/43-robosmilit
)

20. Há razões para dizer que a utilização de robôs no campo de batalha, ou em missões ofensivas de sobrevoo fora dele, representa a mais profunda transformação da arte militar desde o advento da bomba atômica.

21. No quadro do programa de expansão da automatização de teatro de operações, a força Aérea dos EUA tem, neste momento, em formação um número de operadores de "drones" superior ao de pilotos de aviões de caça e de bombardeiros tomados em conjunto. A meta para a robotização das forças armadas dos EUA é de 15% para 2015. Cf. "US Air Force prepares drones to end era of fighter pilots", “The Guardian”, Edward Helmore in New York, 23 August 2009 www.guardian.co.uk/world/2009/aug/22/us-air-force-drones-pilots-afghanistan
)

22. A Turquia, que pretende adquirir drones nos EUA, pôs à disposição dos americanos uma base aérea que é utilizada por uma esquadra de drones das FFAA dos EUA. Os drones armados disparam, em regra, mísseis Hellfire ou Scorpion, estes de menor poder destrutivo numa tentativa para reduzir os danos colaterais.

23. Cf, "Do Targeted Killings Work?", Daniel L. Byman, Senior Fellow, Foreign Policy, Saban Center for Middle East Policy (http://www.brookings.edu/opinions/2009/0714_targeted_killings_byman.aspx?p=1
)

24. O arsenal de robôs militares de reconhecimento e ataque é vasto.

Diversas fontes referem-se aos trabalhos de desenvolvimento tecnológico de robôs-espiões com aparência e dimensões semelhantes às de um inseto, capazes de voar como insetos e passar despercebidos. Entretanto, decorrem também trabalhos que visam à utilização de insetos reais em que são implantados cirurgicamente dispositivos ("chips") eletrônicos que permitem comandar à distância o seu voo e comportamento. Esses dispositivos enviam, também, sinais que contêm diversas informações que interessam aos operadores. Os "chips" são implantados nos insetos de preferência durante a fase de desenvolvimento da crisálida antes da metamorfose final do inseto. Trabalhos desse tipo estão em desenvolvimento no departamento das Forças Armadas dos EUA designado por DARPA (Defense Advanced Research Project Agency). Os insetos modificados são usualmente chamados "Cyborgs" ou "Cybugs".
"Cyborgs" ou "Cybugs".

Os robots já utilizados, ou que se encontram em fase de protótipo, têm as mais variadas formas e dimensões, e finalidades múltiplas. Tipicamente, desempenham funções de espionagem, vigilância, identificação de alvos e reconhecimento. Os sensores utilizados permitem o recolhimento de imagens óticas, que chegam a cobrir um ângulo de 360º, sinais de radar, radiação infravermelha, microondas e radiação ultravioleta. São também usados sensores químicos e biológicos.

Sensores biológicos são sensores que podem detectar a presença no ar de microrganismos e outros agentes biológicos. Os sensores químicos podem detectar a presença e concentração no ar de elementos químicos diversos por meio de espectrometria de laser.

25. Existe considerável diversidade das ditas "armas não-letais": feixes de energia dirigidos (infravermelhos); geradores de impulsos sonoros de alta intensidade; projéteis que atuam por efeito de impacto, descargas elétricas, dispersão de agentes químicos ou biológicos; barreiras eletromagnéticas ("active denial systems"); indução externa de sons e imagens, por ação de campos eletromagnéticos que atuam sobre os circuitos neurológicos do sistema nervoso central, e outros. Um olhar rápido sobre essa parafernália de instrumentos e sistemas ditos "não-letais" pode não deixar entender todos os seus possíveis destinos, as motivações para o seu domínio e suas implicações. Nesse contexto, é útil citar aqui um documento já referenciado em trabalho anterior. Cf. "Crowd Behavior, Crowd Control, and the Use of Non-Lethal Weapons", Institute for Non-Lethal Defense Technologies, Human Effects Advisory Panel, Report of Findings, Pennsylvania State University, 1 January 2001. O relatório é o resultado de estudo efetuado sob contrato com o Corpo de Marines dos EUA.”

FONTE: escrito por Frederico Gama Carvalho, membro da Presidência do Conselho Português para a Paz e Cooperação, Doutor em Física e Engenharia Nucleares pelas Universidades de Karlsruhe e Lisboa, Vice-Presidente do Conselho Executivo da Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos (
http://www.fmts-wfsw.org/), Presidente da Direção da Organização dos Trabalhadores Científicos (http://www.otc.pt/), Investigador-coordenador aposentado do Instituto Tecnológico e Nuclear. Intervenção realizada no Conselho Português para a Paz e Cooperação, em 7/Dezembro/2011. Artigo publicado no “resistir.info”, de Portugal, e transcrito no portal “Vermelho” (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=171259&id_secao=9) [imagens do Google adicionadas por este blog ‘democracia&política’].
 

Do Democracia e Política

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