Saul Leblon
Logo após a eclosão da crise mundial, em 2008, não faltaram lideranças políticas a anunciar seu engajamento histórico num esforço para a 'refundação do capitalismo'. Sarkozy, que ajoelha e reza o terço ortodoxo atualmente e desse genuflexório enfrenta as urnas em abril, foi uma das vozes da 'ruptura por dentro'.
Em 15 de outubro de 2008, na presidência rotativa da UE, o aspirante a mini De Gaulle anunciou um acordo "unânime" dos 27 estados membros para 'promover a refundação do sistema capitalista mundial'. Entre outras iniciativas alardeadas "para evitar uma recidiva da crise" prometia-se implantar um rígido arcabouço de controle e fiscalização do sistema financeiro e fulminar nada menos que o coração do circuito especulativo, extinguindo-se os paraísos fiscais.
A recuperação do arsenal regulatório acionado por Franklin Roosevelt nos anos 30 esteve presente também, por algum tempo, na boca desacreditada de Barack Obama. E a instituição de taxas sobre operações financeiras para contrabalançar a supremacia das finanças desreguladas chegou a ser objeto de discussões no âmbito do próprio G-20.
Parece que faz um século. Mas passaram-se menos de quatro anos. Não foi o tempo que apertou o passo. Foi a decrepitude do capitalismo que mostrou a sua nitidez de uva passa no espelho da crise. A incapacidade de renovação, ainda que em eterna fuga para a frente a exemplo do que se fez na crise dos anos 30 e no pós-guerra, é a cicatriz mais assustadora desse semblante carcomido, de cuja garganta ecoa a voz de Angela Merkel a grunhir a consequência desse limite ,com a anuência obsequiosa de seus pares: "2012 será ainda pior que 2011". Nada mais a prometer. O pior.
Ao contrário da festiva 'refundação' de 2008, o vaticínio germânico materializa-se de forma avassaladora na dinâmica de arrocho em curso na Europa, onde tenazes plutocráticos esgoelam a economia e a sociedade na base do faça-se o que for preciso para manter a "ordem em ordem".
Aumentar a jornada de trabalho sem remuneração correspondente sintetiza a disposição dos apetites liberados das jaulas das aparências. Se as forças democráticas e de esquerda não condensarem a revolta das ruas num programa de mudanças urgente, factível e mobilizador, o augúrio de Merkel estenderá seu prazo de validade indefinidamente. É tudo o que o sistema tem a oferecer. E não está pedindo licença para entregar.
Do CartaMaior
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