Ontem
quando Renato Sorriso apareceu sambando no encerramento das Olimpíadas
de Londres, uma série de Bóris Casoys surgiu no twitter escandalizada
com um gari do alto de sua vassoura se apresentando em Londres.
Hoje, publiquei um texto do professor Wagner Iglecias: Um gari brasileiro em Londres que trata um pouco desses ‘caboclos incomodados que queriam ser ingleses’.
Ontem vi uma foto do bolo que Cláudia Leitte mandou de presente para o aniversário de seu pai (e que virou notícia!), pergunto-me se o mau gosto tem limite.
Ontem também li socialites falando sobre o que entendem sobre o ‘mensalão’: “[Mensalão] é nordestino querer fazer alguma coisa em São Paulo. Eles têm de ficar lá, em Garanhuns…”, socialites são, ao menos, parte da elite econômica.
Toda essa nossa ‘elite’ exemplificada
anteriormente argumenta quase como um mantra que todas as mazelas do
país são culpa do ‘povo ignorante’. Bóra analisar a inteligência da
elite social brasileira?
“POVO IGNORANTE”: A inteligência da elite social brasileira
Por Henrique Abel
na edição 706, Observatório da Imprensa 07/08/2012
Um dos preconceitos mais firmemente bem
estabelecidos no Brasil é aquele que afirma que a culpa de todos os
problemas do país decorre da “ignorância do povo”. A elite social da
população brasileira, formada pelas classes A e B, em linhas gerais,
está profundamente convencida de que o seu status de elite social lhe
concede – como um bônus – também o título de “elite intelectual” do
país.
Dentro desse raciocínio, a elite
brasileira “chegou lá” não apenas economicamente, mas também no que diz
respeito às esferas intelectuais e morais – talvez até espirituais. O
país só não vai pra frente, portanto, por causa dessa massa de ignóbeis
das classes inferiores. Embora essa ideia preconcebida seja confortável
para o ego dos que a sustentam, os fatos insistem em negar a tese do
“povo ignorante versus elite inteligente”.
O motivo é simples de entender: em
nenhum lugar do mundo, a figura genericamente considerada do “povo” se
destaca como iluminada ou genial. Por definição, uma autêntica elite
intelectual de um país se destaca, precisamente, por seu contraste com a
mediocridade (aí entendida como “relativa ao que é mediano”). Ou seja,
não é “o povo” que tem obrigações intelectuais para com a elite social, e
sim, justamente o contrário: é preferencialmente entre a elite social e
econômica que se espera que surja, como consequência das melhores
condições de vida desfrutadas, uma elite intelectual digna do nome.
Analfabetos funcionais
Uma elite social que, intelectualmente,
faça jus ao espaço que ocupa na sociedade, não apenas cumpre com o seu
papel social de dar algum retorno ao meio que lhe deu as condições para
uma vida melhor como, ainda, cumpre o seu papel de servir como exemplo –
um exemplo do tipo “estude você também”, e não um exemplo do tipo “lute
para poder comprar um automóvel tão caro quanto o meu”.
Tendo isso em mente, torna-se fácil
perceber que o problema do Brasil não é que o nosso povo seja “mais
ignorante”, pela média, do que a população dos Estados Unidos ou das
maiores economias europeias. O problema, isso sim, é que o nosso país
ostenta aquela que é talvez a elite social mais ignorante, presunçosa e
intelectualmente preguiçosa do mundo, que repele qualquer espécie de
intelectualidade autêntica precisamente porque acredita que seu status
social lhe confere, automaticamente, o decorrente status de membro da
elite intelectual pátria, como se isso fosse uma espécie de título
aristocrático.
Nenhum país do mundo tem um povo cujo
cidadão médio é extremamente culto e devorador de livros. O problema se
dá quando um país tem uma elite social que é extremamente inculta e
lê/escreve num nível digno de analfabetismo funcional. Pesquisas
recentemente divulgadas dão por conta que apenas 25% dos brasileiros são
plenamente alfabetizados, e que o número de analfabetos funcionais
entre estudantes universitários é de 38%. A elite social brasileira
possivelmente acredita que a totalidade desses 75% de deficientes
intelectuais encontra-se abrangida pelas classes C, D e E.
Sem diferença
Será mesmo? Outra pesquisa recentemente
divulgada noticiava que o brasileiro lê uma média de cerca de quatro
livros por ano. Enquanto os integrantes da Classe C afirmavam ter lido
1,79 livro no último ano, os integrantes da Classe A disseram ter lido
3,6. O número é maior, como naturalmente seria de se esperar, mas a
diferença é muita pequena dado o abismo de condições econômicas entre
uma classe e outra. Qual é o dado grave que se constata aí? Será que o
problema real da formação intelectual do nosso país está no fato de que o
cidadão médio lê apenas dois livros por ano? Ou está no fato de que a
autodenominada elite intelectual do país lê apenas quatro livros por
ano? Vou encerrar o argumento ficando apenas no dado quantitativo, sem
adentrar a provocação qualitativa de questionar se, entre esses quatro
livros anuais, consta alguma coisa que não sejam os últimos e rasos best-sellers de vitrine, a literatura infanto-juvenil e os livros de dieta e autoajuda.
O que importa é ter a consciência de que
o descalabro intelectual brasileiro não reside no fato de que o típico
cidadão médio demonstra desinteresse pela vida intelectual e gosta mais
de assistir televisão do que de ler livros. Ora, este é o retrato do
cidadão médio de qualquer país do mundo, inclusive das economias mais
desenvolvidas.
O que é digno de causar espanto é, por
exemplo, ver Merval Pereira sendo eleito um imortal da Academia
Brasileira de Letras em virtude do “incrível” mérito literário de ter
reunido, na forma de livro, uma série de artigos jornalísticos de
opinião, escritos por ele ao longo dos anos. Ou seja: dependendo dos
círculos sociais que você frequenta, hoje é possível ingressar na
Academia Brasileira de Letras meramente escrevendo colunas de opinião em
jornais. Podemos sobreviver ao cidadão médio que lê dois livros por
ano, mas não estou convencido de que podemos sobreviver a uma suposta
elite intelectual que não vê diferença literária entre Moacyr Scliar e
Merval Pereira.
“Vão ter que me engolir”
Apenas para referir mais um exemplo
(entre tantos) das invejáveis capacidades intelectuais da elite social
brasileira: na semana passada, o jornal Folha de S.Paulo
noticiou que uma celebridade global havia perdido a compostura no
Twitter após sofrer algumas críticas em virtude de um comentário que
havia feito na rede social. A vedete, longe de ser uma estrelinha de
quinta categoria, é casada com um dos diretores da toda-poderosa Rede
Globo.
Bem, imagina-se que uma pessoa tão
gloriosamente assentada no topo da cadeia alimentar brasileira
certamente daria um excelente exemplo de boa formação intelectual ao se
manifestar em público por escrito, não é mesmo? Pois bem, vamos dar uma
lida nas sua singelas postagens, conforme referidas na reportagem
mencionada:
“Almas penadas, consumidas pela a
inveja, o ódio e a maledicência, que se escondem atrás de pseudônimos
para destilarem seus venenos. Morram!”
“Só mais uma coisinha! Vão ter que me engolir, também f…-se, vocês são minurias [sic] e minuria [sic] não conta.”
Em quem se espelhar?
Não vou nem entrar no mérito da completa
falta de educação dessa pessoa, que parece menos uma rica atriz global
do que um valentão de boteco. Vou me ater apenas a dois detalhes.
Primeiro: a intelectual do horário nobre da Globo escreve “minoria” com
“u”, atestando para além de qualquer dúvida razoável que se encontra
fora do grupo dos 25% dos brasileiros plenamente alfabetizados (ela
comete o erro duas vezes, descartando qualquer possibilidade de desculpa
do tipo “foi erro de digitação”).
Segundo: ela acha que “minorias não
contam”, demonstrando, portanto, que ignora completamente as noções mais
elementares do que vem a ser um Estado democrático de Direito, ou mesmo
o simples conceito de “democracia” na sua acepção contemporânea. Do
ponto de vista da consciência de direitos políticos, sociais e de
cidadania é, portanto, analfabeta dos pés à cabeça.
Com os ricos e famosos que temos no Brasil, em quem o mítico e achincalhado “homem-médio” poderia mesmo se espelhar?
Referências:
[Henrique Abel é advogado e mestre em Direito Público]
Do Maria Frô
Obs.: Foto ilustrativa adicionado do google por este Blog Guerrilheiro Virtual.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
”Sendo este um espaço democrático, os comentários aqui postados são de total responsabilidade dos seus emitentes, não representando necessariamente a opinião de seus editores. Nós, nos reservamos o direito de, dentro das limitações de tempo, resumir ou deletar os comentários que tiverem conteúdo contrário às normas éticas deste blog. Não será tolerado Insulto, difamação ou ataques pessoais. Os editores não se responsabilizam pelo conteúdo dos comentários dos leitores, mas adverte que, textos ofensivos à quem quer que seja, ou que contenham agressão, discriminação, palavrões, ou que de alguma forma incitem a violência, ou transgridam leis e normas vigentes no Brasil, serão excluídos.”