No livro Notícias do Planalto, que narra métodos da imprensa na era
Collor, Augusto Nunes é apontado como um dos criadores do mito do
caçador de marajás. Mais: a obra revela ainda que ele recebia lagostas e
gravatas Hermès de presente do então governador alagoano. Hoje, o
senador processa o jornalista da Abril, que diz que ações judiciais são
medalhas
247 – Nada como o tempo para esgarçar uma relação e
uma velha amizade. Em 1987, quando o Brasil se preparava para a primeira
eleição presidencial após a democratização, o jornalista Augusto Nunes
chefiava a redação do Jornal do Brasil, então o mais influente do País,
em São Paulo. Naquele ano, o então governador alagoano Fernando Collor
sonhava com a presidência da República e sua estratégia de lançamento,
na mídia, foi ancorada em três pilares: uma capa de Veja, sobre o
“caçador de marajás”, um Globo Repórter, sobre o mesmo tema, e uma boa
entrevista no antigo JB, que formava opinião.
A entrevista ao JB foi concedida a dois experientes jornalistas:
Augusto Nunes e Ricardo Setti. A abertura, relatada no livro “Notícias
do Planalto”, de Mario Sergio Conti, ex-diretor de Veja, foi feita da
seguinte forma, sob o título “Furacão Collor”:
“Como impetuoso lutador faixa-preta de karatê que
é, ele investe com golpes fulminantes e certeiros contra vários
adversários ao mesmo tempo. Só a devassa que determinou contra os
inacreditáveis marajás do funcionalismo público local já seria
suficiente para catapultá-lo ao primeiro plano da política nacional,
como de fato aconteceu. Mas isso é pouco para o mais jovem governador de
Estado do Brasil. Imprimindo velocidade de furacão a uma gestão que mal
chegou a três semanas, ele mandou reabrir os primeiros e empoeirados
inquéritos sobres os 800 assassinatos impunes cometidos pelo ´sindicato
do crime´, partiu para o saneamento das falidas finanças do Estado,
desafia o poder dos usineiros do açúcar que dominam 70% da economia
alagoana e, de quebra, tem pronto para detonar um plano de reforma
agrária que pode servir de modelo para o país”.
Collor já foi, portanto, um super-herói aos olhos de Augusto Nunes.
Mais do que isso, foi um amigo, que, segundo relata Mario Sergio Conti,
enviava periodicamente lagostins alagoanos e gravatas de seda Hermès ao
jornalista.
Hoje, no entanto, são inimigos. O senador alagoano trata a revista
Veja como um “coito de bandidos” e tem sido um dos principais defensores
da convocação de Policarpo Júnior.
Em razão disso, tem sido atacado com frequência pelos jornalistas da
casa – entre eles, Augusto Nunes, que agora é alvo de um processo
judicial e escreveu sobre o tema na noite de ontem. Segundo Augusto
Nunes, dependendo de ontem partem, processos são medalhas para serem
colocadas no peito de jornalistas – assim como as gravatas.
Leia, abaixo, a coluna de Augusto Nunes:
Para jornalistas sérios, ações judiciais movidas por casos de polícia
são medalhas. A gradação é determinada pelo prontuário de quem, em vez
de dar trabalho a oficiais de Justiça e magistrados, deveria estar
recolhido a uma cela. Processos patrocinados por um João Paulo Cunha,
por exemplo, não vão além de medalhas de bronze. Ganhei uma. Duelos no
tribunal com Orestes Quércia garantiam medalhas de prata. Ganhei duas.
Um Fernando Collor vale medalha de ouro. Ganhei quatro.
Vem aí a quinta, informa a ação de indenização ajuizada na semana
passada pelo ex-presidente escorraçado pelo Brasil decente do cargo que
desonrou. Desta vez, Collor quer ser compensado em dinheiro pelo
desgosto que lhe causaram três textos publicados nesta coluna nos dias
13, 19 e 27 de março deste ano. Comparada a posts que descrevem mais
detalhadamente a figura abominável, a trinca que ampara a ação judicial é
quase gentil. Pelo jeito, qualquer pretexto está de bom tamanho para o
falso caçador de marajás agora fantasiado de caçador de jornalistas.
Com o título A multidão que devora verbas na casa do espanto e o espantoso verão de Collor,
o primeiro texto trata da bolada consumida pelo senador do PTB alagoano
em janeiro, quando o Congresso estava em recesso. Onde a repórter Júlia
Rodrigues enxergou um desperdício criminoso do que é extorquido dos
pagadores de impostos o perdulário compulsivo enxergou uma trama
destinada a denegrir-lhe a imagem. Como se houvesse imagem a denegrir.
O segundo post se apoia nos mais recentes desvios de verbas públicas
protagonizados pelo reincidente incurável para sublinhar a constatação
resumida no título: Collor confirma: O Brasil mudou para pior. Ao ajuizar a ação, o ex-presidente jurou que jamais malbaratou ou embolsou o que não lhe pertence. O terceiro texto ─ O rebanho da seita que acoberta bandidos de estimação quer furar a fila do tribunal ─ apenas inclui o líder da bancada do cangaço na relação de pecadores aparentemente condenados à perpétua impunidade.
Caprichando na pose de ofendido, Collor argumenta que foi “inocentado
pelo Supremo Tribunal Federal e absolvido pelo povo brasileiro”.
Inocentado pelo STF coisa nenhuma. A maioria dos ministros absolveu “por
falta de provas” o ex-presidente de um país cuja Justiça, pelo andar da
carruagem, daqui a pouco só vai condenar ladrões que gravem em vídeo o
ato criminoso e confessem o que fizeram ─ ao vivo ─ no Jornal Nacional.
Absolvido pelo povo brasileiro coisa nenhuma. Uma parte do eleitorado
alagoano garantiu-lhe a cadeira no Senado. Candidato a governador em
2010, foi surrado nas urnas já no primeiro turno. Virou amigo de
infância de Lula, bajula Dilma Rousseff, faz qualquer negócio para
conseguir espaço na vitrine em que já foi a atração principal. Mas nunca
mais será presidente. Essa certeza angustiante vai atormentá-lo até a
morte.
Em qualquer país menos primitivo, Fernando Collor estaria na cadeia
há muito tempo. Num Brasil castigado pela corrupção impune, não só
continua em liberdade como insulta o procurador-geral da República,
calunia jornalistas honestos e coleciona ações judiciais que acabam
adornando com mais uma medalha de ouro o currículo de quem vê as coisas
como as coisas são.
Ele exige uma reparação em dinheiro. Eu exijo que ele devolva pelo
menos a “verba indenizatória” que torrou em janeiro. Os leitores vão
decidir quem tem razão.
Do Brasil247
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