O conservadorismo brasileiro vive um dilema meramente formal. Diferente
do golpismo - com o qual não hesita em marchar quando a situação
recomenda - prefere em geral meios institucionais para atingir os mesmos
fins.
Às vezes, a coisa emperra, caso agora do julgamento do chamado
'mensalão', em que já se decidiu condenar; onde se patina é na escolha
do lubrificante para deslizar a sentença no mundo das aparências.
A dificuldade remete a um detalhe: faltam provas cabais de que o crime
não equivale ao disseminado caixa 2 de campanha, com todas as aberrações
que a prática encerra, a saber: descarna partidos, esfarela programas,
subverte a urna e aleija lideranças.
Reconhecê-lo, porém, tornaria implícita a precedência tucana com o valerioduto mineiro.
É no esforço de singularizar o que é idêntico que se unem os pelotões
empenhados em convencer a opinião pública de que, no caso do PT, houve
compra de voto com dinheiro público para aprovar projetos de interesse
do governo Lula no Congresso.
O procurador Gurgel jogou a ísca: é da natureza desses esquemas não
deixar rastros. A flexibilidade agradou. Colunistas compartilham
abertamente o argumento da 'suspeição natural', inerente ao PT, logo,
dispensável de provas.
Não se economiza paiol na fuzilaria.
Nas quatro semanas até 13 de agosto, segundo informou Marcos Coimbra, na
Carta Capital, 65 mil textos foram publicados na imprensa sobre o
"mensalão". No Jornal Nacional da Globo para cada 10 segundos de
cobertura neutra houve cerca de 1,5mil negativos.
Um trecho ilustrativo da marcha forçada em direção à nova jurisprudência
saiu no 'Estadão' desta 4ª feira, 22-08: "impossível não crer que Lula e
toda a cúpula do PT soubessem dos meandros do mensalão. (...) dentro de
um partido em que o projeto de poder sempre se confundiu com o futuro e
o bem-estar da coletividade no qual ele existe, me parece impossível
que Lula, José Dirceu, o famoso capitão do time, e outros próceres não
tivessem articulado o plano de chegar ao socialismo compadresco petista
pelo capitalismo selvagem nacional - o infame mensalão...." (Roberto
Damatta, Estadão 22-08).
Deve-se creditar o pioneirismo desse método a quem de direito. Em 2005,
incapaz de sustentar 'reportagem' em que acusava o PT recebera US$ 5
milhões das FARCs na campanha eleitoral de 2002, a revista Veja desdenhou do alto de sua inexpugnável isenção e sapecou: "em todo o caso, nada prova que o PT não recebeu".
O ovo chocado no ventre da serpente foi resumido assim pelo jornalista e
escritor Bernardo Kuscinski: "Agora para condenar não é preciso provar a
acusação; basta fazê-la".
Saul Leblon
Nenhum comentário:
Postar um comentário
”Sendo este um espaço democrático, os comentários aqui postados são de total responsabilidade dos seus emitentes, não representando necessariamente a opinião de seus editores. Nós, nos reservamos o direito de, dentro das limitações de tempo, resumir ou deletar os comentários que tiverem conteúdo contrário às normas éticas deste blog. Não será tolerado Insulto, difamação ou ataques pessoais. Os editores não se responsabilizam pelo conteúdo dos comentários dos leitores, mas adverte que, textos ofensivos à quem quer que seja, ou que contenham agressão, discriminação, palavrões, ou que de alguma forma incitem a violência, ou transgridam leis e normas vigentes no Brasil, serão excluídos.”