E nunca, como agora, esse centurião de todas as horas esteve tão frágil para ajudá-los.
A sobrevivência mesmo esfarrapada do PSDB depende dramaticamente da
decisão em torno da qual orbitam há dias os proprietários,
editorialistas, colunistas, pauteiros e mancheteiros do dispositivo
midiático conservador.
Aliviar ou não para um PSDB mergulhado até o nariz no conluio com
oligopólios e corrupção no caso das licitações para compra de vagões do
metrô, em São Paulo?
A hesitação no ar é tão densa que dá para cortar com uma faca.
Jorros de ambiguidade escorrem dos veículos impressos no café da manhã.
Num dia, como na 4ª feira passada, a Folha escondeu o escândalo retirando-o da 1ª página.
Mas encontrou espaço para estampar ali outra ‘grave denúncia’: a
reforma de calçadas no centro de São Paulo não tem plano equivalente
para as periferias.
Na edição seguinte, porém, o jornal dos Frias precipitou a publicação de
um indício de envolvimento direto de José Serra com o cartel, em 2008.
Como?
Jogou a informação no papel. Sem investigar a fundo, como deveria, e fez, quando o alvo eram lideranças progressistas.
Não ouviu outros executivos de empresas participantes da mesma
licitação, não biografou o braço direito do governador na operação
denunciada pela Siemens. Não foi até Amsterdã ouvir testemunhas, checar
informações, refazer o roteiro de Serra, conferir reuniões no hotel
etc etc.
O secretário de transportes metropolitanos de Serra, então, e segundo a
denúncia da multinacional alemã, parceiro do governador nas tratativas,
era o engenheiro José Luiz Portella.
Por que o perfil de figura chave não foi esmiuçado?
Colunista da Folha atualmente, Portella é um quadro clássico: perfil
público rebaixado, versatilidade operacional elevada dentro do PSDB.
Ela inclui serviços prestados ao governo FHC, no ministério da Educação, dirigido por Paulo Renato de Souza, já falecido.
Por acaso, Paulo Renato seria seu companheiro também no governo Serra,
quando a secretaria da Educação de SP adquiriu, sem licitação, cerca de
R$ 8 milhões em assinaturas de jornais , revistas e outras publicações
dos grupos Estadão, Globo e Abril. (Em 2010 Serra deixaria o governo
de SP para, com apoio da mídia, ser derrotado outra vez em uma disputa
presidencial, agora por Dilma Rousseff.)
A pressa da Folha em veicular uma denúncia séria sem investigação
anterior – e tampouco posterior, sintetiza um certo desespero que
perpassa todo o dispositivo midiático conservador nesse momento.
A angústia deriva da difícil missão que os acontecimentos impõem ao jornalismo ‘isento’ nos dias que correm.
Como servir a Deus sem trair o Diabo?
Foi o que tentou a Folha nesse caso.
De um lado, mitigar a cumplicidade pública entre ela e Serra.
De outro, ao comprometer o tucano, faze-lo de forma tão frívola, que
levou o jornal a omitir até mesmo reportagens anteriores de sua própria
lavra, que endossariam a denúncia da Siemens.
Em 26 de outubro de 2010, a Folha revelou que seis meses antes da
licitação dos lotes 3 e 8 da linha 5 (Lilás) do metrô, sua reportagem
já tivera acesso aos nomes dos vencedores das obras.
A Folha registrou então as empresas vencedores em vídeo e em cartório nos dias 20 e 23 de abril de 2010. (Leia a cópia da reportagem da Folha ao final dessa nota)
Se isso não é uma corroboração forte de práticas sistêmicas de conluio,
corrupção e cartel no governo Serra, o que mais seria então?
Por que a Folha menosprezou esses antecedentes?
Por que, se eles enfraquecem sobremaneira as alegações de Serra,
Alckmin e assemelhados de espanto com práticas idênticas relatadas pela
Siemens, agora também na etapa de aquisição de equipamentos?
A frouxidão moral dos colunistas savonarolas, o laxismo ético dos editoriais tem motivo de força maior.
A mídia está envolvida até o pescoço nesse escândalo, sugestivamente só
revelado por iniciativa da pata empresarial do negócio e da ação do
Cade.
Seu envolvimento tem um nome: omissão.
E sobrenome: cumplicidade.
Como explicar que o diligente jornalismo bandeirante, sempre tão atento
à malversação da coisa pública na esfera federal, nunca investigou a
fundo aquilo que esteve o tempo todo diante do seu nariz?
E não só diante do nariz, mas, como se vê pela reportagem de 2010, em
suas próprias páginas, em escândalos, todavia, rebaixados como
episódicos e pontuais?
A mídia conservadora hesita, se retorce e se remói.
A dimensão sistêmica do que aflora no metrô de SP coloca-a diante de um duplo abraço de afogados.
Se não investigar a fundo esse episódio, veiculado a fórceps, naufragará como parceira carnal do tucanato.
Se investigar, com rigor e isenção, uma prática de 16 anos de governos
que sempre contaram com seu esférico apoio, em algum momento, de certa
forma, terá que investigar a si própria.
Leia abaixo, a reportagem da Folha de 2010, ’esquecida’ no episódio equivalente de 2013.
26/10/2010 - 03h00
Resultado de licitação do metrô de São Paulo já era conhecido seis meses antes
RICARDO FELTRIN
DE SÃO PAULO
A Folha soube seis meses antes da divulgação do resultado quem
seriam os vencedores da licitação para concorrência dos lotes de 3 a 8
da linha 5 (Lilás) do metrô.
O resultado só foi divulgado na última quinta-feira, mas o jornal
já havia registrado o nome dos ganhadores em vídeo e em cartório nos
dias 20 e 23 de abril deste ano, respectivamente.
A licitação foi aberta em outubro de 2008, quando o governador de
São Paulo era José Serra (PSDB) - ele deixou o cargo no início de abril
deste ano para disputar a Presidência da República. Em seu lugar ficou
seu vice, o tucano Alberto Goldman.
O resultado da licitação foi conhecido previamente pela Folha
apesar de o Metrô ter suspendido o processo em abril e mandado todas as
empresas refazerem suas propostas. A suspensão do processo licitatório
ocorreu três dias depois do registro dos vencedores em cartório.
O Metrô, estatal do governo paulista, afirma que vai investigar o
caso. Os consórcios também negam irregularidades ou "acertos".
O valor dos lotes de 2 a 8 passa de R$ 4 bilhões. A linha 5 do
metrô irá do Largo 13 à Chácara Klabin, num total de 20 km de trilhos, e
será conectada com as linhas 1 (Azul) e 2 (Verde), além do corredor
São Paulo-Diadema da EMTU.
VÍDEO E CARTÓRIO
A Folha obteve os resultados da licitação no dia 20 de abril, quando gravou um vídeo anunciando o nome dos vencedores.
Três dias depois, em 23 de abril, a reportagem também registrou no
2º Cartório de Notas, em SP, o nome dos consórcios que venceriam o
restante da licitação e com qual lote cada um ficaria.
O documento em cartório informa o nome das vencedoras dos lotes 3,
4, 5, 6, 7 e 8. Também acabou por acertar o nome do vencedor do lote 2,
o consórcio Galvão/ Serveng, cuja proposta acabaria sendo rejeitada em
26 abril. A seguir, o Metrô decidiu que não só a Galvão/Serveng, mas
todas as empresas (17 consórcios) que estavam na concorrência deveriam
refazer suas propostas.
A justificativa do Metrô para a medida, publicada em seu site
oficial, informava que a rejeição se devia à necessidade de
"reformulação dos preços dentro das condições originais de licitação".
Em maio e junho as empreiteiras prepararam novas propostas para a licitação. Elas foram novamente entregues em julho.
No dia 24 de agosto, a direção do Metrô publicou no "Diário
Oficial" um novo edital anunciando o nome das empreiteiras qualificadas
a concorrer às obras, tendo discriminado quais poderiam concorrer a
quais lotes.
Na quarta-feira passada, dia 20, Goldman assinou, em cerimônia
oficial, a continuidade das obras da linha 5. O nome das vencedoras foi
divulgado pelo Metrô na última quinta-feira. Eram exatamente os mesmos
antecipados pela reportagem.
OBRA DE R$ 4 BI
Os sete lotes da linha 5-Lilás custarão ao Estado, no total, R$ 4,04
bilhões. Os lotes 3 e 7 consumirão a maior parte desse valor.
Pelo edital, apenas as chamadas "quatro grandes" - Camargo
Corrêa/Andrade Gutierrez e Metropolitano (Odebrecht/ OAS/Queiroz Galvão)
- estavam habilitadas a concorrer a esses dois lotes, porque somente
elas possuem um equipamento específico e necessário (shield). Esses
dois lotes somados consumirão um total de R$ 2,28 bilhões.
OUTRO LADO
Em nota, o Metrô de São Paulo informou que vai investigar as informações publicadas hoje na Folha.
A companhia disse ainda que vai investigar todo o processo de licitação.
"É reconhecida a postura idônea que o Metrô adota em processos
licitatórios, além da grande expertise na elaboração e condução desses
tipos de processo. A responsabilidade do Metrô, enquanto empresa
pública, é garantir o menor preço e a qualidade técnica exigida pela
complexidade da obra."
Ainda de acordo com a estatal, para participação de suas
licitações, as empresas precisam "atender aos rígidos requisitos
técnicos e de qualidade" impostos por ela.
No caso da classificação das empresas nos lotes 3 e 7, era
necessário o uso "Shield, recurso e qualificação que poucas empresas no
país têm". "Os vencedores dos lotes foram conhecidos somente quando as
propostas foram abertas em sessão pública. Licitações desse porte
tradicionalmente acirram a competitividade entre as empresas", diz
trecho da nota.
O Metrô afirmou ainda que, "coerente com sua postura transparente e
com a segurança de ter conduzido um processo licitatório de maneira
correta, informou todos os vencedores dos lotes e os respectivos
valores".
Disse seguir "fielmente a lei 8.666" e que "os vencedores dos lotes
foram anunciados na sessão pública de abertura de propostas". "Esse
procedimento dispensa, conforme consta da lei, a publicação no 'Diário
Oficial'".
Todos os consórcios foram procurados, mas só dois deles responderam ao jornal.
O Consórcio Andrade Gutierrez/Camargo Corrêa, vencedor da disputa
para construção do lote 3, diz que "tomou conhecimento do resultado da
licitação em 24 de setembro de 2010, quando os ganhadores foram
divulgados em sessão pública".
O consórcio Odebrecht/OAS/Queiroz Galvão, vencedor do lote 7, disse
que, dessa licitação, "só dois trechos poderiam ser executados com a
máquina conhecida como 'tatu' e apenas dois consórcios estavam
qualificados para usar o equipamento".
"Uma vez que nenhum consórcio poderia conquistar mais que um lote, a
probabilidade de cada consórcio ficar responsável por um dos lotes era
grande", diz.
O consórcio Odebrecht/ OAS/Queiroz Galvão diz ter concentrado seu
foco no lote 7 para aproveitar "o equipamento da Linha 4, reduzindo o
investimento inicial".
Colaborou ROGÉRIO PAGNAN, de São Paulo
Saul Leblon
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