Em setembro de 2002, nos estertores do governo do PSDB, o risco-Brasil atingia 2.443 pontos.
Medida de vulnerabilidade de uma economia - do ponto de vista dos
credores - cada 100 pontos de risco equivale a 1% de taxa adicional
de juro. A chance de um calote brasileiro então era tida como muito
alta.
Para quebrar as resistências ao passar o chapéu o governo FHC via-se
obrigado a pagar uma sobretaxa de quase 24,5% acima do juro vigente
nos EUA. Numa operação externa feita esta semana pelo governo Dilma,
esse plus registrou um recorde histórico de baixa: foi de apenas 1,1%.
O oposto vivido no governo do PSDB reduz a margem de soberania de um
país a zero. A independência política é ornamental. Canta-se o Hino,
hasteia-se a bandeira. Entrega-se tudo o mais que dá sustento à palavra
Nação.
Sem o manejo endógeno das contas externas é impensável fazer política
de desenvolvimento ou articular a defesa da industrialização. Menos
ainda avançar na defesa da principal fronteira da soberania no século
XXI: a justiça social.
Delega-se a sorte e o azar aos banqueiros. Em setembro de 2002,
depois de 8 anos nas mãos do PSDB, o Brasil era isso: um pangaré
faminto tratado a sabugo e chicote de marmelo pelos mercados.
FHC cumpria exigências velhas, fazia concessões novas, arrastava a
empáfia num tanque de areia movediça; a cada passo afundava mais a
perna.
Em setembro de 2002 a lama já oscilava no estreito intervalo entre o lábio e o nariz.
Dez anos depois, neste setembro de 2012, o risco país é de 110 pontos.
Sim, a 'herança pesada' de Lula, na douta avaliação do sociólogo
encabrestado pelos banqueiros em 2002, permitiu que o Tesouro Nacional
colocasse nesta 4ª feira US$ 1,3 bilhão em títulos de 10 anos no
mercado internacional, pagando apenas 1,1% acima do juro
norte-americano.
O menor piso da história teve uma das maiores procuras do mercado.
Diferente do calvário vivido em setembro de 2002, a demanda pelos
papéis brasileiros foi quatro vezes superior à oferta.
O risco-país em si não define a qualidade de vida de uma nação.
A Argentina tem um risco elevado porque impôs um desconto de 70% da
dívida aos seus credores em 2001. Usou a folga para melhorar
substancialmente as condições de vida de seu povo e de seu crescimento.
Não foi essa a lógica que depositou a soberania brasileira nas mãos dos mercados em 2002.
Ao contrário. A taxa de juro havida disparado e beirava os 25% (hoje o
Brasil tem uma taxa de juro real inferior a 2%) ; a inflação passava
de 12%, com o desemprego igualmente rompendo esse patamar.
A dívida interna decolara. Mais de um terço dela estava dolarizada, o
que restringia a margem de manobra para fomentar a exportação sem
quebrar as contas fiscais.
O Brasil escorria na ampulheta da história.
As reservas disponíveis de US$ 36 bi (hoje são dez vezes maiores)
cobriam apenas 1/6 do endividamento interno em dólares. O país fora
esmurrado por equívocos estratégicos, socado pela ganância dos
interesses unilaterais: estava quebrado por fora, sangrava por dentro.
A contrapartida no imaginário nacional era devastadora.
Uma pesquisa do Sebrae de 2002 identificou "a baixa auto-estima e a
valorização apenas do que vem de fora como os maiores problemas e os
principais pontos fracos do nosso povo". Antes, o Latinobarômetro já
havia constatado a mesma ladeira abaixo: o brasileiro era o povo com 'a
mais baixa auto-estima de toda a América Latina'.
A ideia de bem comum e de interesse público se esfarelava. Medo e
incerteza eram explorados pelo conservadorismo que manipulava assim os
sentimentos gerados por sua estratégia de 'inserção nos mercados
globalizados'.
O governo do PSDB já havia apelado ao guichê do FMI em 1999 para
tomar US$ 40 bi em regime de urgência. Boa parte do patrimônio nacional
fora privatizado. 'Torrado', como disse a Presidenta Dilma no
pronunciamemto pelo 7 de setembro nesta 5ªfeira, 'para pagar dívida,
gerando monopólio e ineficiência...'
E mesmo assim, em dezembro de 2002 o estoque total da dívida externa
líquida (pública e privada, menos reservas) era de US$ 189,5 bilhões.
O país devia quase 38% do PIB. Precisava de mais de três anos de
exportações (então de US$ 60,4 bi, contra US$ 256 bi em 2011) para
pagar a dívida.
O então candidato da coalizão demotucana à presidência, José Serra,
tirou da gaveta o que lhe restava, ademais de ser a sua especialidade: o
terrorismo eleitoral.
À falta de melhor argumento ele alarmava a classe média: a vitória de
Lula levaria a 'argentinização' do país - isso, quando a Argentina
afundava no mesmo pântano neoliberal criado por Menén e Cavallo.
A crise mundial que se arrasta desde 2008 é mais grave, mais abrangente e corrosiva do que aquela de 2002.
A contabilidade do país, no entanto, espelha resultados opostos.
Embora a desigualdade resista e cobre audácia para ser enfrentada, os
índices de pobreza, fome, desemprego, informalidade, apartheid
universitário e de crédito, entre outros, repousam em níveis inéditos.
40 milhões de brasileiros deixaram a pobreza desde 2003; outros 30
milhões ascenderam na pirâmide de renda. O Brasil é hoje o país menos
desigual de sua história.
Altivez e soberania deixaram de ser adorno retórico na atuação do Itamaraty.
Como farsa, porém, sobrevivências do passado batem à porta do presente com aspirações de influenciar o futuro.
Foi essa a pretensão de FHC na patética tentativa de depositar uma 'herança pesada' de Lula no colo de Dilma.
A falta de pejo recebeu pronta admoestação da Presidenta que tratou o tucano como um fraudador da história.
Em nota oficial, Dilma foi ao ponto e reavivou aos distraídos a
realidade constrangedora daquele final de governo, quando o 7 de
Setembro era uma contradição em termos espetada no calendário nacional.
"Não recebi um país sob intervenção do FMI ou sob ameaça de apagão”,
disse a nota da Presidência da República nesta 2ª feira, antecipando em
quatro dias os festejos e o sentido da palavra 'independência' no
Brasil de 7 de setembro de 2012.

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