A tentativa de separar Lula e Dilma, como se o projeto de governo da
presidenta fosse uma ruptura com tudo que Lula representou para o país,
nos seus dois governos, redundou num fracasso completo. Só quem não
conhece Dilma poderia achar que ela embarcaria nesta armadilha primária.
Mas a tática da direita e da centro-direita brasileira, no contexto
político que vive o país e a América Latina, não foi ingênua. Ela revela
uma estratégia bem concebida para restaurar a hegemonia do
“conglomerado” centro-direitista que já reinou no país.
Os protagonistas desta estratégia têm uma visão voltada, não somente
para as próximas duas eleições presidenciais, mas também para o
esfacelamento do principal partido de massas da esquerda brasileira. Com
seus acertos, erros, desvios e crises -que de resto atingem toda
esquerda mundial no “pós muro”- o PT vem mudando a estrutura de classes
da sociedade brasileira e reorganizando os interesses destas classes no
cenário da “grande política”, aquela que decide os rumos da democracia
e dos modelos de desenvolvimento.
O PT, através dos nossos governos de “coalizão”, vem promovendo uma
ascensão extraordinária das classes populares, no plano social e também
no universo da política. O “incômodo PT”, formado por Lula, é o suporte
principal, com seus aliados de esquerda, das mudanças na letárgica
desigualdade social que imobilizava o país. O ascenso social de dezenas
de milhões, conjugado com as novas perspectivas para uma parte do
empresariado compartilhar de um novo projeto de nação – cooperativa,
soberana e interdependente na globalização – pode abrir um novo ciclo de
mudanças.
A espetacularização do julgamento do “mensalão”, colocado como marco
“inaugural” da corrupção no Brasil e os vínculos deste processo
manipulado com o PT, como instituição; a insistência dos vínculos do
“mensalão” com a figura do ex-Presidente Lula; a demonização da política
e a glorificação da gestão pública “técnica”, isenta de “política”,
que passa a ser sinônimo de pureza institucional (tática sempre
praticada pelo fascismo em momentos de crise); a “revisão” do governo
Lula, especialmente promovida por manifestações do principal líder da
oposição (FHC, o único que restou em avançada idade), tudo isso aclara a
tentativa de reorganização de um bloco político e social,
neoconservador e neoliberal, que já havia colocado o país numa situação
dramática. Como já registrou um editorial da Carta Maior:
“Para ficar apenas no alicerce fiscal/monetário: em dezembro de 2002
– último mês do PSDB na Presidência da República – a relação
dívida/PIB atingia estratosféricos 63,2%, praticamente o dobro dos 30,2%
existentes no início do ciclo tucano, em 1994. Anote-se: isso, depois
de um salto da carga fiscal, que passou de 28,6% para 35% no período.
Hoje a relação dívida/PIB é de 35%; a previsão para 2013 é de 32,7%” –
(03/09/2012 – Saul Leblon).
Este bloco organiza a direita intelectual de corte liberal e
neoliberal, com o apoio ideológico dos grandes meios de comunicação (que
jamais engoliram Lula e o PT), visando recuperar o partido tucano.
Arruinado pelas suas lutas internas e fracionado pelos seus interesses
regionais e empresariais divergentes, é preciso dar ao PSDB algum novo
conteúdo para que ele possa renascer. Os Democratas não conseguiram
cumprir esta função, o PMDB está dividido segundo os seus interesses
regionais fracionários e o PSDB é o único sobrevivente autêntico do
projeto representado pelos dois governos de FHC.
A tática supostamente renovadora deste “novo“ conglomerado não leva em
consideração, porém, três mudanças fundamentais, que o país sofreu nos
últimos dez anos. Estas mudanças possivelmente impeçam a restauração
neoliberal:
Primeiro, o país já tem um universo empresarial novo, que se fortaleceu
nos governos Lula, ao qual não mais interessa o projeto neoliberal em
crise. Novos processos de acumulação “via” mercado interno, pré-sal,
construção civil pesada e habitacional, setor de fabricação de máquinas
e equipamentos, produção de bioenergia, produção de alimentos para
consumo interno, negócios originários das políticas de cooperação e
construção de infraestrutura – tudo orientado por ações normativas do
Estado – afastaram amplos setores burgueses (tradicionalmente submissos
à ideia de uma nação “associada e dependente”) dos seus antigos
comandantes. Agora estes setores vinculam a reprodução do seu capital e
dos seus negócios a outro modelo de desenvolvimento, ao qual o
neoliberalismo só atrapalha.
Segundo, como o projeto pretendido pelo “novo” conglomerado não difere
muito daquele do presidente FHC, e é uma restauração, ele tem
impedimentos sociais de monta. A combinação ousada de reorganização
financeira do Estado, com investimentos em infraestrutura, políticas de
inclusão produtiva e educacional voltadas para as comunidades de baixa
renda e, ainda, a incidência soberana do país no cenário internacional,
constituíram bases populares fortes no país, em defesa do projeto
comandado por Lula. Os governos Lula recuperaram a nossa autoestima,
reduziram as desigualdades sociais e regionais, que sempre marcaram a
história do Brasil e promoveram dezenas de milhões a condições de mínima
dignidade. Ao não levar em consideração estas mudanças, o “novo”
conglomerado tucano, mais a mídia e a intelectualidade liberal e
neoliberal, descolam-se do sentimento popular e não conseguem promover o
seu “novo” projeto.
Terceiro, a organização do “novo” conglomerado não leva em
consideração, também, a existência nos dias de hoje das redes sociais,
das novas tecnologias de informação, das redes de comunicação e
informação alternativas, que formam núcleos de resistência e de produção
de uma opinião pública livre. São os novos espaços autônomos que não
estão subordinados aos velhos métodos de manipulação que permeiam a
maior parte da grande imprensa. O controle da produção e formação da
opinião não é mais aquele legado pela ditadura, já que há um amplo
espaço autônomo de promoção da circulação da informação e da opinião,
que é impossível de controlar.
Concordemos ou não com as sentenças que advirão do “mensalão”, elas
deverão ser respeitadas por todos e por nós. É o Estado de Direito
funcionando. Especialmente nós, do Partido dos Trabalhadores, devemos
tirar lições políticas e jurídicas do episódio. Analisar todas as causas
que abriram as maiores feridas na nossa história não significa
inculpar pessoas ou buscar bodes expiatórios, pois a função de um
partido político socialista não é a de ser sucursal de um Tribunal ou
de uma Delegacia de Polícia. A função de um partido como o nosso é
promover a condução intelectual e moral de um contingente do povo para
levá-lo a melhores níveis de emancipação política e social.
O nosso patrimônio é maior do que este legado do “mensalão”. O nosso
dever, agora, é compreender que se abre um novo cenário na luta política
do Brasil e que devemos compor uma força política orgânica e plural,
que amarre fortemente as convicções da esquerda democrática e socialista
com os ideais progressistas da centro-esquerda e do
centro-democrático. É um novo patamar de unidade política que deve ser
pautado pelos partidos de esquerda, em conjunto, para organizar e
dirigir esses novos contingentes sociais, que se organizaram na
estrutura de classes da sociedade e cujo futuro não tem chances de ser
beneficiado pelo “novo” e velho conglomerado.
Tarso Genro, Governador do Estado do Rio Grande do Sul.
No RS Urgente

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