Guerrilheiro Virtual

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Primeira candidatura de Serra, em 1988, nasceu por acaso

Campanha para prefeito de São Paulo, 1988: após um comício noturno que reuniu poucas pessoas, na zona oeste, José Serra deixa o palanque improvisado e passa indiferente por três repórteres de jornais que tentavam entrevistá-lo: "Cadê a TV? Cadê a TV?" Ao perceber que não havia nenhuma emissora de televisão no local, ele volta e decide atender os jornalistas.
 
Na época a campanha já não ia bem. Foi uma disputa "realmente difícil, pela falta de estrutura do partido", recorda a candidata a vice na chapa, a então deputada Guiomar Namo de Mello.
 
O PSDB havia sido fundado cinco meses antes da eleição: não estava organizado na cidade e tinha pouco tempo no horário eleitoral. Diante disso, nenhum de seus líderes queria se arriscar.
 
"Na verdade ninguém queria ser candidato. Era um partido recém-criado", diz Getúlio Hanashiro, ex-secretário de Transportes da cidade.
 
Serra nunca figurou entre os três primeiros colocados nas pesquisas. Terminou em quarto lugar, com 6,9% dos votos válidos, atrás de Luiza Erundina (PT), com 36,8%; Paulo Maluf (PDS), 30,1%, e João Leiva (PMDB), 17,5%.
 
O peemebista tinha o apoio do presidente José Sarney, do governador Orestes Quércia e do então prefeito, Jânio Quadros - todos desgastados. Como não havia segundo turno, Erundina venceu.
 
Mas Serra não foi vítima só da falta de estrutura partidária: diferentemente de hoje, ele era relativamente pouco conhecido, a despeito de sua passagem pela Secretaria de Planejamento no governo Franco Montoro (1983-1987). Em 1986, ainda no PMDB, ele tinha sido eleito deputado federal com 160.868 votos, mas 70% deles vieram do interior.
 
Um episódio recolhido pela cientista política Judith Muszynski ("Eleições e Malufismo na Voz dos Motoristas de Táxi", 1989) é revelador.
 
Ao entrevistar um taxista sobre as razões de seu apoio a Serra - já que tinha colocado no carro um adesivo com o slogan do candidato e o desenho de um tucano -, o motorista ficou muito surpreso.
 
"Se estou apoiando Serra? Eu? Por quê? Ah! O plástico! Isso eu pus aí por causa do tucano, que é bem bonitinho, e por causa do que está escrito aí, que é engraçado: 'Serra essa mamata' [slogan do tucano, que prometia acabar com a corrupção]. É por causa da mamata... Não tô ligando muito para essas coisas, não. Acho que vou votar no Maluf, que é o menos pior."
 
Apesar de tudo, Serra manteve sua candidatura até o fim, sempre insistindo que seria eleito e negando ter recebido apelos de Montoro para apoiar Erundina e assim evitar a vitória de Maluf: "É uma mentira descarada", dizia.
 
Candidato por acaso
 
Tucanos nem gostam de falar daquela campanha. O próprio Serra lhe dedica apenas duas linhas de sua biografia, "O Sonhador que Faz": "Para a Prefeitura de São Paulo, em 1988, o Montoro era candidato e ficou doente. Eu entrei candidato em agosto, quase setembro, não tive tempo de fazer a campanha".
 
Sua candidatura surgiu por acaso. Fundado em junho daquele ano por dissidentes do PMDB liderados pelo senador Mario Covas, o PSDB avaliou que precisava marcar posição na capital paulista, base eleitoral de seus fundadores.
 
Cotado para disputar a Presidência em 1989, Covas queria se preservar e rejeitou todos os convites nesse sentido. Já o senador Fernando Henrique Cardoso, derrotado em 1985, temia concorrer de novo em condições ainda mais difíceis: "Nem pensar".
 
Restavam assim os nomes do ex-governador Franco Montoro e do ex-ministro Dilson Funaro (que lançou o Plano Cruzado), que aceitava concorrer, mas sofria, desde 1982, de câncer linfático.
 
A cúpula do PSDB decidiu pressionar Montoro. Este resistia à indicação porque ainda alimentava a esperança de ser o candidato do PSDB ao Planalto - e sugeriu Serra.
 
Sondado, Serra criticou Funaro - não unia o partido - e disse que aceitava ser candidato. Enfrentava, porém, fortíssima resistência de Covas.
 
Após muitas discussões, Montoro aceitou concorrer em 23 de julho, com a condição de que Serra fosse o seu vice, pois queria deixar a prefeitura com alguém de confiança, caso deixasse o cargo.
 
Contrário à indicação de Serra, Covas ainda tentou emplacar vários nomes de seu grupo. Mas acabou cedendo.
 
"Achava que talvez, eventualmente, se pudesse ter uma chapa eleitoralmente mais forte. O ideal seria um homem que não fosse tão próximo ao ex-governador Franco Montoro", disse Covas na convenção, em 7 de agosto. Serra evitou polemizar: "Esse episódio já está superado".
 
A campanha de Montoro durou só uma semana: em 15 de agosto ele deixou de ir a um comício alegando ter contraído uma gripe. Dois dias depois, o PSDB revelou que o ex-governador, com 72 anos, estava com pneumonia.
 
Recomeçaram as discussões. A maioria do partido insistia agora em lançar Covas, que tentava convencer o PSDB a bancar Funaro. O ex-ministro, porém, estava cada vez mais debilitado - e morreria oito meses depois.
 
Montoro finalmente desistiu em 18 de agosto, levando ao desespero os candidatos a vereador do PSDB, que já tinham gastado Cz$ 60 milhões (cerca de R$ 1 milhão hoje).
 
Covas reiterou, no dia 24, que não iria concorrer. No mesmo dia, Serra surpreendeu o PSDB e anunciou que também desistia da disputa.
Sem candidato, os tucanos passaram então a buscar uma aliança com o PT, sugerindo a troca da "radical" Luiza Erundina pelo "moderado" Plínio de Arruda Sampaio.
 
Porém o PSDB logo constatou que o PT não abriria mão de Erundina só "para resolver um problema nosso", como disse o então deputado federal Geraldo Alckmin.
 
Com o fracasso das negociações, a direção fez novo apelo a Serra, que aceitou concorrer em 31 de agosto. A eleição de 1988 foi a primeira em que ele só concordou em ser candidato após várias recusas - o que se repetiria em 1996, quando demorou 173 dias para se decidir: "Serra não gosta de enfrentar disputas, ele gosta de ser aclamado", diz Getúlio Hanashiro. 
 
 

Editoria de Arte/Folhapress   
 
Mauricio Puls
Folha

Nenhum comentário:

Postar um comentário

”Sendo este um espaço democrático, os comentários aqui postados são de total responsabilidade dos seus emitentes, não representando necessariamente a opinião de seus editores. Nós, nos reservamos o direito de, dentro das limitações de tempo, resumir ou deletar os comentários que tiverem conteúdo contrário às normas éticas deste blog. Não será tolerado Insulto, difamação ou ataques pessoais. Os editores não se responsabilizam pelo conteúdo dos comentários dos leitores, mas adverte que, textos ofensivos à quem quer que seja, ou que contenham agressão, discriminação, palavrões, ou que de alguma forma incitem a violência, ou transgridam leis e normas vigentes no Brasil, serão excluídos.”