Campanha para prefeito de São Paulo, 1988: após um comício noturno que
reuniu poucas pessoas, na zona oeste, José Serra deixa o palanque
improvisado e passa indiferente por três repórteres de jornais que
tentavam entrevistá-lo: "Cadê a TV? Cadê a TV?" Ao perceber que não
havia nenhuma emissora de televisão no local, ele volta e decide atender
os jornalistas.
Na época a campanha já não ia bem. Foi uma disputa "realmente difícil,
pela falta de estrutura do partido", recorda a candidata a vice na
chapa, a então deputada Guiomar Namo de Mello.
O PSDB havia sido fundado cinco meses antes da eleição: não estava
organizado na cidade e tinha pouco tempo no horário eleitoral. Diante
disso, nenhum de seus líderes queria se arriscar.
"Na verdade ninguém queria ser candidato. Era um partido recém-criado",
diz Getúlio Hanashiro, ex-secretário de Transportes da cidade.
Serra nunca figurou entre os três primeiros colocados nas pesquisas.
Terminou em quarto lugar, com 6,9% dos votos válidos, atrás de Luiza
Erundina (PT), com 36,8%; Paulo Maluf (PDS), 30,1%, e João Leiva (PMDB),
17,5%.
O peemebista tinha o apoio do presidente José Sarney, do governador
Orestes Quércia e do então prefeito, Jânio Quadros - todos desgastados.
Como não havia segundo turno, Erundina venceu.
Mas Serra não foi vítima só da falta de estrutura partidária:
diferentemente de hoje, ele era relativamente pouco conhecido, a
despeito de sua passagem pela Secretaria de Planejamento no governo
Franco Montoro (1983-1987). Em 1986, ainda no PMDB, ele tinha sido
eleito deputado federal com 160.868 votos, mas 70% deles vieram do
interior.
Um episódio recolhido pela cientista política Judith Muszynski
("Eleições e Malufismo na Voz dos Motoristas de Táxi", 1989) é
revelador.
Ao entrevistar um taxista sobre as razões de seu apoio a Serra - já que
tinha colocado no carro um adesivo com o slogan do candidato e o desenho
de um tucano -, o motorista ficou muito surpreso.
"Se estou apoiando Serra? Eu? Por quê? Ah! O plástico! Isso eu pus aí
por causa do tucano, que é bem bonitinho, e por causa do que está
escrito aí, que é engraçado: 'Serra essa mamata'
[slogan do tucano, que prometia acabar com a corrupção]. É por causa da
mamata... Não tô ligando muito para essas coisas, não. Acho que vou
votar no Maluf, que é o menos pior."
Apesar de tudo, Serra manteve sua candidatura até o fim, sempre
insistindo que seria eleito e negando ter recebido apelos de Montoro
para apoiar Erundina e assim evitar a vitória de Maluf: "É uma mentira
descarada", dizia.
Candidato por acaso
Tucanos nem gostam de falar daquela campanha. O próprio Serra lhe dedica
apenas duas linhas de sua biografia, "O Sonhador que Faz": "Para a
Prefeitura de São Paulo, em 1988, o Montoro era candidato e ficou
doente. Eu entrei candidato em agosto, quase setembro, não tive tempo de
fazer a campanha".
Sua candidatura surgiu por acaso. Fundado em junho daquele ano por
dissidentes do PMDB liderados pelo senador Mario Covas, o PSDB avaliou
que precisava marcar posição na capital paulista, base eleitoral de seus
fundadores.
Cotado para disputar a Presidência em 1989, Covas queria se preservar e
rejeitou todos os convites nesse sentido. Já o senador Fernando Henrique
Cardoso, derrotado em 1985, temia concorrer de novo em condições ainda
mais difíceis: "Nem pensar".
Restavam assim os nomes do ex-governador Franco Montoro e do ex-ministro
Dilson Funaro (que lançou o Plano Cruzado), que aceitava concorrer, mas
sofria, desde 1982, de câncer linfático.
A cúpula do PSDB decidiu pressionar Montoro. Este resistia à indicação
porque ainda alimentava a esperança de ser o candidato do PSDB ao
Planalto - e sugeriu Serra.
Sondado, Serra criticou Funaro - não unia o partido - e disse que
aceitava ser candidato. Enfrentava, porém, fortíssima resistência de
Covas.
Após muitas discussões, Montoro aceitou concorrer em 23 de julho, com a
condição de que Serra fosse o seu vice, pois queria deixar a prefeitura
com alguém de confiança, caso deixasse o cargo.
Contrário à indicação de Serra, Covas ainda tentou emplacar vários nomes de seu grupo. Mas acabou cedendo.
"Achava que talvez, eventualmente, se pudesse ter uma chapa
eleitoralmente mais forte. O ideal seria um homem que não fosse tão
próximo ao ex-governador Franco Montoro", disse Covas na convenção, em 7
de agosto. Serra evitou polemizar: "Esse episódio já está superado".
A campanha de Montoro durou só uma semana: em 15 de agosto ele deixou de
ir a um comício alegando ter contraído uma gripe. Dois dias depois, o
PSDB revelou que o ex-governador, com 72 anos, estava com pneumonia.
Recomeçaram as discussões. A maioria do partido insistia agora em lançar
Covas, que tentava convencer o PSDB a bancar Funaro. O ex-ministro,
porém, estava cada vez mais debilitado - e morreria oito meses depois.
Montoro finalmente desistiu em 18 de agosto, levando ao desespero os
candidatos a vereador do PSDB, que já tinham gastado Cz$ 60 milhões
(cerca de R$ 1 milhão hoje).
Covas reiterou, no dia 24, que não iria concorrer. No mesmo dia, Serra
surpreendeu o PSDB e anunciou que também desistia da disputa.
Sem candidato, os tucanos passaram então a buscar uma aliança com o PT,
sugerindo a troca da "radical" Luiza Erundina pelo "moderado" Plínio de
Arruda Sampaio.
Porém o PSDB logo constatou que o PT não abriria mão de Erundina só
"para resolver um problema nosso", como disse o então deputado federal
Geraldo Alckmin.
Com o fracasso das negociações, a direção fez novo apelo a Serra, que
aceitou concorrer em 31 de agosto. A eleição de 1988 foi a primeira em
que ele só concordou em ser candidato após várias recusas - o que se
repetiria em 1996, quando demorou 173 dias para se decidir: "Serra não
gosta de enfrentar disputas, ele gosta de ser aclamado", diz Getúlio
Hanashiro.
Editoria de Arte/Folhapress | |||||
Mauricio Puls
Folha
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