A Islândia é uma ilha com pouco mais de 300 mil habitantes que parece decidida a inventar a democracia do futuro.
Por uma razão não totalmente clara, esse país que fora um dos primeiros a
quebrar com a crise financeira de 2008 sumiu em larga medida das
páginas da imprensa mundial. Coisas estranhas, no entanto, aconteceram
por lá.
Primeiro, o presidente da República submeteu a plebiscito propostas de
ajuda estatal a bancos falidos. O ex-primeiro-ministro grego George
Papandreou foi posto para fora do governo quando aventou uma ideia
semelhante. O povo islandês, todavia, não se fez de rogado e disse
claramente que não pagaria nenhuma dívida de bancos.
Mais do que isso, os executivos dos bancos foram presos e o
primeiro-ministro que governava o país à época da crise foi julgado e
condenado.
Algo muito diferente do resto da Europa, onde os executivos que
quebraram a economia mundial foram para casa levando no bolso "stock
options" vindos diretamente das ajudas estatais.
Como se não bastasse, a Islândia resolveu escrever uma nova
Constituição. Submetida a sufrágio universal, ela foi aprovada no último
fim de semana. A Constituição não foi redigida por membros do
Parlamento ou por juristas, mas por 25 "pessoas comuns" escolhidas de
maneira direta.
Durante sua redação, qualquer um podia utilizar as redes sociais para
enviar sugestões de leis e questionar o projeto. Todas as discussões
entre os membros do Conselho Constitucional podiam ser acompanhadas do
computador de qualquer cidadão.
O resultado é uma Constituição que estatiza todos os recursos naturais,
impede o Estado de ter documentos secretos sobre seus cidadãos e cria as
bases de uma democracia direta, onde basta o pedido de 10% da população
para que uma lei aprovada pelo Parlamento seja objeto de plebiscito.
Seu preâmbulo não poderia ser mais claro a respeito do espírito de todo o
documento: "Nós, o povo da Islândia, queremos criar uma sociedade justa
que ofereça as mesmas oportunidades a todos. Nossas diferentes origens
são uma riqueza comum e, juntos, somos responsáveis pela herança de
gerações".
Em uma época na qual a Europa afunda na xenofobia e esquece o
igualitarismo como valor republicano fundamental, a Constituição
islandesa soa estranha. Esse estranho país, contudo, já não está mais em
crise econômica.
Cresceu 2,1% no ano passado e deve crescer 2,7% neste ano. Eles fizeram
tudo o que Portugal, Espanha, Grécia, Itália e outros não fizeram. Ou
seja, eles confiaram na força da soberania popular e resolveram guiar
seu destino com as próprias mãos. Algo atualmente muito estranho.
Vladimir Safatle
No Falha
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