Obra de Gil Vicente |
A meta fundamental dos estrategistas da oposição, concentrados nas
redações do Instituto Millenium, ia além da divisão da base de
sustentação do governo Dilma. O objetivo era mais amplo. Através de
factoides, que ignoravam os desmentidos das lideranças partidárias, a
estratégia consistia em criar um cenário de ficção onde partidos do
campo progressista abandonariam o governo em nome de projetos próprios,
criando um céu de brigadeiro para o tucanato em 2014.
Não se pode subestimar o desespero contido na empreitada. Desde 2001,
quando o neoliberalismo alcançou o máximo de sua hegemonia, dando início
à sua decadência, os valores morais, políticos e jurídicos que o
sustentaram começaram a fazer água.
Natural que setores políticos associados a ele fossem levados de roldão
pela própria dinâmica desencadeada. Quando a festa acabou, o prestígio
do consórcio demotucano rastejava, sua base parlamentar estilhaçou e os
convidados começaram a se retirar ou a brigar pelos ossos que sobraram.
Com FHC paralisado, a equipe econômica e seus consultores em pânico,
encerrava-se a aventura da direita que, em nome de um projeto
sócio-liberal, promoveu a mais ampla liquidação do patrimônio público de
que se tem notícia na história do país.
A partir de 2003, o governo petista conseguiu dar consequência prática à
formação da base social de um projeto democrático e popular. Setores
médios e pequenos do empresariado, embora refratários inicialmente, se
agregaram em torno da nova proposta de poder. Além do amplo apoio da
maioria da classe média - que não pode ser confundida com suas frações
ressentidas e raivosas - a gestão de centro-esquerda, por suas políticas
inclusivas, conseguiu se enraizar nos setores assalariados de baixa
renda.
E o que sobrou dos parlamentares, professores e analistas que viram nos
anos FHC o anúncio da modernização das relações entre o Estado e o
capital, com o fim do "Estado cartorialista" e do "populismo econômico”?
Quando morre um homem representativo, três hipóteses se afiguram: sua
época já havia morrido, morre com ele, ou lhe sobrevive. Na primeira
hipótese, o homem representativo era uma relíquia, um dinossauro e suas
"qualidades" passam a balizar o juízo do senso comum. O ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, um morto político com o projeto que
implantou, é um exemplo significativo da justeza desta hipótese.
A asfixia interna que se seguiu no campo liberal-conservador provocou
uma redução vertical dos quadros do PSDB que, na origem, ainda resistiam
à avalanche reacionária e eram vozes mais ponderadas em um partido que
desde sempre foi marcado pela conciliação e por vacilações. As
possibilidades de renovação são mínimas e as alianças possíveis só podem
ser feitas com setores oligárquicos e atrasados. Não por acaso mídia e
judiciário adquiriram centralidade no jogo político.
Passados dez anos da devassa tucana, o Brasil encontra-se como alguém
que, após uma longa caminhada numa floresta completamente escura,
conseguiu vislumbrar uma clareira, com vários caminhos à frente. Na
verdade, a diversidade de rotas é uma ilusão, porque há apenas dois
destinos. O primeiro caminho - o proposto por articulistas, redatores,
consultores e analistas do "antigo regime" - levaria ao esmagamento de
todos os avanços conquistados nos últimos dez anos.
Por essa rota, que ainda levaria ao esmagamento de toda a acumulação
industrial feita a duras penas e à custa do sacrifício de várias
gerações de trabalhadores, o Brasil voltaria aos primórdios da década de
1930. A outra - a que não aparece sequer como possibilidade nas páginas
e telas das classes dominantes - nos conduzirá à continuidade de
transformações jurídico-institucionais que, constituindo direitos a
partir da relação direta com o Poder Público, faça emergir uma nova
cidadania.
Com a reação negativa à determinação do governo federal em reduzir as
tarifas de energia elétrica, a oposição matou Fernando Henrique e foi ao
cinema. Mas, ironicamente, prestou o primeiro serviço à nação. Mostrou o
mapa oculto na grande imprensa.
Gilson Caroni Filho
No Blog do Miro
Nenhum comentário:
Postar um comentário
”Sendo este um espaço democrático, os comentários aqui postados são de total responsabilidade dos seus emitentes, não representando necessariamente a opinião de seus editores. Nós, nos reservamos o direito de, dentro das limitações de tempo, resumir ou deletar os comentários que tiverem conteúdo contrário às normas éticas deste blog. Não será tolerado Insulto, difamação ou ataques pessoais. Os editores não se responsabilizam pelo conteúdo dos comentários dos leitores, mas adverte que, textos ofensivos à quem quer que seja, ou que contenham agressão, discriminação, palavrões, ou que de alguma forma incitem a violência, ou transgridam leis e normas vigentes no Brasil, serão excluídos.”