MP usa a PM para operar o monitoramento. (E ainda querem investigar…)
Saiu no iG:
Grampo vira função da PM em São Paulo
Depoimento de coronel, a que o iG
teve acesso, responsabiliza promotor do Gaeco por escutas de presos de
Presidente Prudente e confirma ‘colaboração’ de PMs na ação
Vasconcelo Quadros – iG São Paulo
Num depoimento inédito ao qual o iG teve acesso com exclusividade, um
oficial da PM abre a “caixa preta” da central de grampo gerida pelo
Ministério Público de São Paulo. Ele revela que o sistema de
monitoramento telefônico de criminosos presos na região de Presidente
Prudente, no interior paulista, é operado pela Polícia Militar.
No interrogatório a que foi submetido para responder sobre suspeitas não
confirmadas de participação em operações de espionagem clandestina, o
coronel da reserva Homero de Almeida Sobrinho se defende, mas acaba
contando em detalhes aquilo que as autoridades não queriam:
“Na realidade, funcionou e funciona na sede do referido Comando de
Polícia Militar (Presidente Prudente) um trabalho de interceptação
telefônica de exclusiva competência, controle e responsabilidade do
Ministério Público”, diz o militar.
O depoimento foi prestado no dia 8 de fevereiro na delegacia seccional
de Presidente Prudente ao delegado José Carlos de Oliveira Júnior em
inquérito encaminhado às autoridades da capital cujo desfecho vem sendo
mantido em segredo para não influir na votação da Proposta de Emenda
Constitucional, a PEC 37 . A emenda pode retirar do Ministério Público o
papel de investigação atribuído pela Constituição às polícias.
No depoimento, o coronel Homero de Almeida Sobrinho responsabiliza o
promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao
Crime Organizado (Gaeco) de Presidente Prudente, pela escuta e diz que a
“colaboração” da PM foi designar um grupo de policiais (40 homens) para
atuar na sede do Comando de Policiamento do Interior (CPI) da cidade.
Com o conhecimento das autoridades que comandavam e das que comandam a
segurança pública paulista, a corporação, segundo ele, cedeu efetivo e
os recursos materiais necessários para grampear aparelhos, gravar e
transcrever conversas de criminosos dentro e fora das penitenciárias da
região.
“O atual secretário de Segurança Pública, Dr. Fernando Grella, desde a
época em que era procurador-geral de Justiça sempre teve pleno
conhecimento da existência desse trabalho do Gaeco e fazendo uso das
instalações e efetivo do CPI de Presidente Prudente, tendo inclusive
visitado por duas vezes, quando na função de procurador-geral de
Justiça, o local de funcionamento do trabalho de interceptação
telefônica”, disse o coronel.
Segundo ele, o atual procurador de Justiça, Márcio Fernando Elias Rosa,
acompanhou Grella na ocasião. Almeida Sobrinho procura, no depoimento,
sustentar a legalidade do procedimento. E faz questão de registrar que
na primeira quinzena de janeiro deste ano, o atual comandante geral da
PM, coronel Benedito Roberto Meira, numa visita em que acompanhou
Grella, afirmou em entrevista à imprensa de Presidente Prudente que “o
serviço de interceptação telefônica” teria continuidade.
O esquema de espionagem foi autorizado pelo ex-secretário de Segurança
Pública Antônio Ferreira Pinto – derrubado no ano passado no choque com o
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo –, é administrado pelo
promotor Lincoln Gakiya e, segundo Almeida Sobrinho, continua em franca
operação. A central está no meio da guerra travada, de um lado, entre as
forças de segurança contra o Primeiro Comando da Capital (PCC) e, de
outro, no conflito institucional envolvendo PM e Polícia Civil de São
Paulo. Ferreira pinto era o pivô.
Promotor de Justiça e oficial da PM, o ex-secretário alijou a Polícia
Civil de várias demandas de segurança. Sob o argumento de que havia
altos índices de corrupção na instituição, passou as atribuições de
investigação sobre o PCC à Polícia Militar, responsável legal pela
prevenção e controle ostensivo da segurança. A mudança deu um duplo
papel à PM, o de investigar e, ao mesmo tempo, combater o crime.
A opção estabeleceu um confronto direto entre o PCC e a corporação mais
violenta do País, a Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) e se
transformou num desastre. Na onda de violência do ano passado, morreram
centenas de pessoas, entre elas muitos criminosos e mais de 90 policiais
militares.
Em dezembro de 2012, diante das notícias de espionagem clandestina
publicada nos jornais, a presidente da Associação dos Delegados do
Estado de São Paulo, Marilda Pansonato Pinheiro, pediu a abertura de
investigação. O ofício foi encaminhado à Delegacia Seccional de
Presidente Prudente e resultou no interrogatório do coronel e num
depoimento, por ofício, do promotor Lincoln Gakiya.
O promotor confirma as declarações do militar, nega qualquer
irregularidade e, em sua defesa, diz que as interceptações telefônicas,
protegidas por sigilo, foram autorizadas pela Justiça e são de sua
inteira responsabilidade. Gakiya afirma que a PM presta apoio, como
fazem também as polícias civil e federal, mas sustenta que as
investigações são conduzidas e presididas pelo MP, sob o crivo do
Judiciário.
Segundo ele, tanto a denúncia da suposta existência da central
clandestina – baseada em denúncia anônima – quanto às alegações de que
não há amparo legal no uso da PM são posições corporativistas dos
policiais para garantir reserva de mercado e isonomia salarial. O
secretário de Segurança, Fernando Grella, informou, através da
assessoria de imprensa, que todas as escutas são autorizadas pela
Justiça.
O procurador Elias Rosa diz que o MP é responsável pela atuação da PM,
afirma que não há irregularidade e que os grampos têm controle
jurisdicional.
Procurada pelo iG , a delegada se disse perplexa e afirma que as
declarações do coronel Homero de Almeida Sobrinho “colocam no papel” o
que era mera suspeita. “O depoimento do coronel é surpreendente. Ele
confessa uma atividade manifestamente ilegal e afrontosa ao estado
democrático e aos direitos individuais: a PM não pode fazer
investigação, muito menos quando envolve grampo telefônico”, afirma. Ela
ressalta que o fato de a Justiça autorizar não significa que as
investigações devam ser feitas pela PM e nem protege direitos
individuais.
“O Ministério Público é o fiscal da lei. Mas se ele está envolvido nas
investigações, então quem investiga o investigador?”, pergunta a
delegada. Marilda faz questão de frisar que “não há controle judicial
sobre as investigações”.
A central de Presidente Prudente, continua a delegada, é apenas a ponta
do iceberg de um sistema de espionagem ilegal, com fachada
institucional, que contaminou toda a máquina do Judiciário paulista,
dividiu os órgãos de segurança e se transformou em marca da política de
segurança do governador Geraldo Alckmin.
“Por ordem do ex-secretário Ferreira Pinto, o Guardião (sistema de
grampo que controla ao mesmo tempo até dois mil aparelhos telefônicos)
que era operado no Deic (Departamento Estadual de Investigações
Criminais) foi transferido para a Rota. Daí se pode entender o que
aconteceu no caso do ‘tribunal do crime’ em que a Rota atuou em Várzea
Paulista”, diz a delegada.
Em setembro do ano passado, pelotões da Rota invadiram uma chácara no
município de Várzea Paulista , a 60 quilômetros da capital, onde
integrantes do PCC “julgavam” um criminoso acusado de estupro. No
confronto, foram mortos oito criminosos e o “réu” que a polícia diz ter
ido salvar. Nenhum dos 40 militares que participaram da ação saiu
ferido. Ferreira Pinto e o governo atribuíram a descoberta do “tribunal”
a uma denúncia anônima.
Os PICs
Em linha com juristas que vêm alertando sobre ilegalidade institucional e
riscos ao sistema judicial, a delegada lembra que há em São Paulo e no
País uma verdadeira febre de Procedimentos Investigatórios Criminais
(PICs) abertos pelo Ministério Público com base numa resolução (a
02/2007) juridicamente frágil, criada pelo Conselho Nacional do
Ministério Público “ao arrepio” do que determina a Constituição. Os
PICs, segundo ela, não representam apenas uma violação inconstitucional
ou a usurpação de função das polícias.
“Os PICs podem abalar o sistema judicial brasileiro. Existem mais de 100
processos no Supremo Tribunal Federal pedindo a nulidade de inquéritos
penais abertos e tocados exclusivamente pelo MP”, diz. Ela lembra que
uma das vantagens da guerra entre polícias, procuradores e promotores em
torno da PEC 37 é a de que, se aprovada, a nova emenda legaliza
milhares de investigações. Anulados, os inquéritos tornariam impunes
criminosos de diferentes graus de periculosidade – do colarinho branco
aos integrantes do PCC.
Levantamento da entidade mostra que até o final do ano passado o
Ministério Público Estadual abriu 191.658 investigações autônomas
amparadas nos PICs. Destas, 114.370 foram arquivadas, o que demonstra,
segundo a delegada, a baixa efetividade das investigações tocadas só
pelos promotores. No Ministério Público Federal, a quantidade de PICs é
equivalente a 30% dos inquéritos tocados pela Polícia Federal: 31 mil
investigações autônomas.
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