Juiz suspende publicidade oficial e dá dinheiro à Saúde
O Estado gasta R$ 11 milhões com Saúde e R$ 16 milhões em publicidade no PiG
Marcus Vinicius enfrentou o mega PiG do Rio Grande do Norte. Foto: Sidys.com |
O Conversa Afiada
entrevistou nessa quarta-feira (31), por telefone, o juiz da comarca de
Currais Novos (RN), Marcus Vinícius Pereira Jr., de 32 anos.
O juiz da pequena comarca de Currais Novos, que fica a 200 quilômetros
de Natal, decidiu ontem bloquear todos os recursos do Estado do Rio
Grande do Norte destinados à propaganda institucional.
O dinheiro será transferido para a Saúde pública.
A decisão se deu em uma ação de uma senhora que processava o Estado para
obrigá-lo a realizar um procedimento cirúrgico fundamental no
tratamento do câncer.
Segundo o juiz Marcus Vinícius, existem mais de 40 processos do mesmo
tipo na comarca de Currais Novos que, segundo ele, vive um colapso na
saúde.
Na sentença, baseado em números do Tribunal de Contas do Estado, o juiz
constatou que, no ano de 2011, o Estado do Rio Grande do Norte gastou 11
milhões de reais em Saúde, enquanto destinou 16 milhões em propaganda
institucional.
Por força da decisão, as empresas: InterTV Cabugi, TV Ponta Negra, TV
Bandeirantes Natal, TV Tropical, TV União, TV Universitária, Sidys TV a
Cabo, Jornal Tribuna do Norte, Rádios (96, 98, 104,7 e Cabugi3) já
pararam de receber os recursos do Estado.
Para se ter uma ideia dos interesses que o juiz Marcus Vinícius
enfrentou, a Inter TV Cabugi; o jornal Tribuna do Norte; e a rádio
Cabugi3, são ligados à família Alves do Presidente da Câmara, Henrique
Alves, e do Ministro da Previdência, senador Garibaldi Alves (PMDB). O
grupo, TV e rádio, é afiliado às Organizações Globo.
A TV Tropical, afiliada da Rede Record, pertence à família Maia, do senador Agripino Maia (DEM).
A terceira família que manda na política e nas comunicações do estado do
Rio Grande do Norte é a família Rosado, da governadora Rosalba Ciarlini
Rosado (DEM), que aliás, o Juiz Marcus Vinícius intimou a depor no
processo.
A família Rosado é dona do Rede Potiguar de Comunicação.
Dos dez parlamentares eleitos pelo estado do Rio Grande do Norte em
2010, oito deputados federais e dois senadores, sete tem um dos
sobrenomes: Maia, Alves ou Rosado.
Segue a íntegra da entrevista em áudio e texto.
1 – PHA: Dr. Marcus Vinícius, o senhor poderia justificar, do ponto de vista da lei, a sua decisão?
Marcus Vinícius: Sim, Paulo, na verdade existe uma grande demanda
de saúde na comarca em que eu trabalho, numa cidade de interior, no
Estado do Rio Grande do Norte.
E o Estado não vem correspondendo aos anseios da população no que se refere à prestação do direito à saúde.
Existem várias pessoas com problemas de câncer, problemas ortopédicos.
Essas pessoas ajuízam ações judiciais, e o Estado termina – mesmo no
final dos prazos de 70, de 90 dias – não garantindo à população o acesso
à saúde.
Inclusive, em uma Ação Civil Pública ajuizada aqui, em Currais Novos,
foi constatado que a UTI do Hospital Regional não estava funcionando por
falta de pagamento aos médicos contratados.
Em razão disso, analisando a prioridade orçamentária, nós constatamos
que o Estado do Rio Grande do Norte vem gastando muito dinheiro com a
publicidade institucional. E, por outro lado, ele não tem garantido o
acesso à Saúde.
Então, foi determinado, com base no artigo 461, paragrafo 5º, do Código
de Processo Civil, que o Estado suspendesse os gastos com propaganda
institucional, até que possa garantir o acesso à Saúde, nesse caso
específico.
Tão logo o Estado garanta o direito à saúde, normalmente, seriam liberados esses recursos destinados a propaganda institucional.
2 – PHA: O senhor poderia dizer o que está previsto neste artigo 461, paragrafo 5º, do Código de Processo Civil?
Marcus Vinícius: O artigo 461, paragrafo 5º, do Código de
Processo Civil diz que o juiz pode tomar as medidas que forem
necessárias para garantir a tutela específica, e garantir que o direito
pleiteado seja conquistado.
Por exemplo, nesse caso de tutela de Saúde, dessa decisão de ontem – que
foi o grande estopim de toda essa situação – é o de uma senhora que
necessitava de uma cirurgia em função de um câncer.
Ela precisava realizar a drenagem de um tumor no abdome para poder dar
início a um processo de quimioterapia, e o Estado, mesmo intimado,
normalmente não garante esse acesso à saúde.
Então, o Código de Processo Civil possibilita ao Juiz tomar medidas como essa.
No caso, a suspensão de recursos para o pagamento de propaganda
institucional, para que, nesse caso especifico, ele forneça o serviço.
A ideia é que, se o Estado não tem os recursos – como muitas vezes alega
– para garantir o direito à saúde, ele não pode utilizar recursos –
também públicos – com o custeio de propaganda institucional.
Apresenta-se como algo muito contraditório uma pessoa, por exemplo, essa
senhora, que está com câncer, necessitando de uma cirurgia, não ter
acesso à saúde enquanto ela vê, em sua residência, a exibição de uma
propaganda institucional dizendo que o Estado do Rio Grande do Norte
está em ótimas condições, sendo que isso, infelizmente, não corresponde à
verdade.
3 – PHA: O senhor tem uma ideia do
valor desses recursos pagos pelo Estado a Inter TV Cabugi; TV Ponta
Negra; TV Bandeirantes Natal; TV Tropical e etc?
Marcus Vinícius: Como fundamentação da decisão, foi usado um
relatório do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte,
analisando as contas de 2011 – que tem se repetido nos anos seguintes.
Nesse relatório se chegou à conclusão de que o Estado gastou no ano R$
11 milhões com Saúde e, por outro lado, gastou R$ 16 milhões em
propaganda institucional.
A análise do Judiciário é que tem que ser dada prioridade a esse anseio
da população, que é o direito à Saúde. Considerando esse parâmetro, foi
determinada suspensão – até para que se verifique melhor o que
exatamente está sendo contratado com essas empresas.
No decorrer do processo, cada uma dessas empresas vão ter que informar
ao Judiciário quanto está sendo aplicado, e após toda essa documentação
ser juntada no processo, será proferido um julgamento final.
4 – PHA: Quando terminará essa questão? Ou seja, quando o senhor vai considerar que o dever do Estado foi cumprido?
Marcus Vinícius: O Judiciário trabalha de acordo com as demandas.
Foi concedido à governadora do Estado do Rio Grande do Norte (Rosalba
Ciarlini Rosado, do DEM) o prazo de cinco dias para ela indicar a data, o
local e a equipe destinada à realização dessa cirurgia.
Agora, da mesma forma que essa cidadã está precisando de uma cirurgia,
aqui na comarca de Currais Novos nós temos outros 40 processos na mesma
situação.
Normalmente o que ocorreria? O Judiciário acaba fazendo o bloqueio dos
recursos públicos e pagando o serviço na rede privada, o que representa
sempre um prejuízo muito grande para o Estado, e, diga-se, para
população. Uma vez que o valor pago pelo SUS – se nós tivéssemos uma
gestão adequada dos recursos de saúde no Estado do Rio Grande do Norte –
é um valor muito menor do que o pago na rede privada.
Então, a população é penalizada em dois momentos: ela paga mais caro
depois de já ter passado um grande tempo de angustia, já que os nossos
hospitais aqui, infelizmente, estão cheios; e paga mais caro ainda,
porque esses procedimentos acabam sendo feitos na rede privada.
Para a resolução dessa questão, o Estado do Rio Grande do Norte poderia
disponibilizar esse tratamento à Saúde e, no momento em que fosse
verificada a disponibilização, automaticamente, esse bloqueio aos
recursos destinados à propaganda institucional seria finalizado.
5 – PHA: O senhor não teme ser crucificado por esses veículos de comunicação?
Marcus Vinícius: Bom, isso é uma possibilidade. Mas, o juiz,
diante da sua independência, ele tem que trabalhar para honrar os
preceitos presentes na Constituição Federal.
E o direito à saúde está acima do direito de fazer propaganda institucional.
Então, no caso concreto, posto em julgamento aqui em Currais Novos, é
uma questão de Justiça – mesmo sabendo dessa possibilidade de
crucificação pelos meios de comunicação: garantir que o povo tenha
acesso aos recursos destinados ao povo.
A medida extrema foi essa, destacando que, antes dessa, várias outras
medidas foram tomadas. Nós tentamos por diversas formas garantir que o
Estado garantisse o direito à Saúde.
Lembrando que, essas são apenas as pessoas que tem acesso ao Judiciário. Muitas das pessoas não tem sequer acesso ao Judiciário.
Aqui na cidade de Currais Novos nós estamos passando por um caos na
saúde. Por diversas vezes, foram fixadas placas na frente do hospital
anunciando que a emergência estava fechada por falta de médicos
plantonistas.
Logo que as medidas foram sendo tomadas pelo Judiciário e pelo Ministério Público, o quadro começou a mudar.
6 – PHA: O senhor se baseou em algum precedente, em alguma decisão anterior, ou o senhor tomou uma decisão pioneira?
Marcus Vinícius: Eu de fato não conheço nenhuma decisão nesse
sentido. Mas tomei a decisão com a esperança de que, de fato, o poder
Judiciário haja com independência e possa garantir o direito à Saúde
para a população.
Eu não estou confortável em uma ação como essa. O que eu queria é que a
população tivesse acesso aos serviços de Saúde e que não existisse esse
tipo de demanda. Mas, como não existe, o Judiciário tem que enfrentar (o
problema) mesmo que tomando medidas como essa.
Vamos aguardar o que os tribunais superiores dirão, inclusive o Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Norte, acerca da aplicabilidade dessa
medida.
7 – PHA: A governadora já recorreu?
Marcus Vinícius: Não, não existe nenhum recurso. A medida foi tomada ontem, as pessoas ainda estão sendo notificadas.
Mas, o que eu posso garantir é que essa decisão já está sendo cumprida.
Os órgãos de comunicação que receberam (a notificação) já não estão mais
exibindo essa propaganda institucional.
A ideia do Judiciário é que esses recursos para propaganda sejam
liberados tão logo o Estado garanta o direito à saúde aos cidadãos aqui
de Currais Novos.
8 – PHA: A quanto tempo o senhor está a frente dessa vara de Currais Novos?
Marcus Vinícius: Eu sou magistrado no Rio Grande do Norte há nove
anos, e estou a frente dessa comarca de Currais Novos há
aproximadamente três anos. É uma comarca bastante complicada, onde nós
temos mais de 5 mil processos, não temos sequer um assessor para
garantir uma tramitação maior desses processos, mas o Tribunal vem
trabalhando para garantir uma tramitação mais rápida dos processos.
O juiz tem que estar pronto para a qualquer momento garantir essa tutela
jurisdicional. Garantir a população uma decisão, mas não apenas uma
decisão, mas uma decisão efetiva.
Porque de nada adianta para população que um juiz declare um direito se
ele não aplica uma medida que faça esse direito de fato chegar ao
cidadão. A nossa grande preocupação é exatamente essa, de não só
declarar direitos, mas de fazer com que esses direitos sejam de fato
concretizados.
Em Tempo: Por telefone, o secretário de comunicação do governo
do Estado do Rio Grande do Norte, Edson Braga, disse, à redação do
Conversa Afiada, que o Procurador-geral do Estado já foi notificado
quanto à decisão da comarca de Currais Novos e que, ainda amanhã, deverá
ingressar com ação no Tribunal de Justiça para recorrer da decisão.
Clique aqui para ouvir a entrevista.
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