“Estampar
a foto de Jango, no dia em que o golpe nefasto completa 50 anos, é um
gesto não só de defesa da Democracia, mas de defesa da independência e
da soberania nacional.”
por Rodrigo Vianna
Quando comecei a frequentar assembleias estudantis, ali pelos anos
80, ainda era comum escutar que havia policiais infiltrados anotando
tudo, fazendo a “ficha” de quem se manifestava. A turma mais
“pós-moderna” achava que era tudo “paranóia”. Do mesmo jeito, muita
gente dizia que atribuir aos EUA participação decisiva no golpe de 64
era pura “invenção”, ou “paranóia” esquerdista. E não era.
Nunca foi…
Telegramas dos EUA avisavam: navios de guerra apóiam golpe
Já se sabe, há alguns anos, que os Estados Unidos - com John Kennedy e
depois Lyndon Johnson – conspiraram contra o Brasil em 1964. A Operação
“Brother Sam” garantia o envio de aviões, de navios de guerra e até a
entrada de tropas dos Estados Unidos para dar apoio aos golpistas - se
assim fosse necessário.
Reportagem de Luiz Carlos Azenha, no Jornal da Record, trouxe mais detalhes sobre o apoio dos Estados Unidos ao golpe (clique aqui
para ver). Assim como apresentou novas evidências de que o comandante
do II Exército (São Paulo), Amaury Kruel, recebeu malas de dólares para
trair Jango e aderir ao golpe.
O que isso tudo tem a ver com a foto do presidente deposto João
Goulart, que permanecerá na capa deste blog durante todo o dia de hoje?
Ora, Jango durante muito tempo foi criticado pela esquerda e a direita.
Os conservadores diziam que ele era um “comunista” propenso a
transformar o Brasil “numa nova Cuba”. Besteira grossa, sem fundamento.
Jango era um líder trabalhista, queria reformas – mas dentro da ordem
democrática.
Já a esquerda acusava Jango de fraqueza, por não ter resistido ao
golpe. Hoje se sabe que ele tinha conhecimento das movimentações das
tropas dos EUA. Jango temia que, se resistisse de armas na mão,
daria aos gringos a desculpa para entrarem no Brasil – dividindo nosso
território. Aliás, preocupação semelhante à de Getúlio Vargas – que em
1954 também chegou a falar que temia ver o Brasil dividido (como
acontecera com a Coréia).
Para os Estados Unidos, seria ótimo dividir o Brasil – literalmente.
Apesar de todos nossos problemas, somos um incômodo – um país grande,
bem relacionado com nossos vizinhos, pronto a desafiar (ainda que de
forma discreta e pontual) o domínio dos EUA na América do Sul.
A queda de Jango foi (também) um capítulo dessa disputa, dessa longa batalha da América Latina por independência e autonomia.
De forma brilhante, o professor Moniz Bandeira mostra como se deu esse longo embate: os detalhes estão em seu “De Marti a Fidel”
– livro sobre a Revolução Cubana. Vargas cercado pela direita (e levado
ao suicídio) em 1954, Arbenz derrubado na Guatemala no mesmo
ano, tentativa norte-americana de invadir Cuba (Baía dos Porcos) e
derrubar Fidel. São todos capítulos da mesma guerra. Em 1964, Jango e a
Democracia brasileira foram golpeados em meio a essa conjuntura. Que
depois vitimaria Argentina, Uruguai e o Chile de Allende.
Estampar a foto de Jango, no dia em que o golpe nefasto completa 50
anos, é um gesto não só de defesa da Democracia, mas de defesa da
independência e da soberania nacional.
Jango – assim como Vargas dos anos 50 – simboliza a defesa do
interesse nacional. Estou entre aqueles que não aceitam o termo
“populismo” como forma de definir a linha política que unia
Vargas-Jango-Brizola, e que de alguma forma chegou até Lula-Dilma. Não.
Nada de “populismo”. Trata-se do trabalhismo brasileiro. Com seus
defeitos e imperfeições. Não aceito também a tese do “colapso do populismo” – expressão
utilizada em certos circuitos universitários paulistas, para definir o
que houve em 1964. Prédios entram em colapso. Falar em “colapso do
populismo” é desconhecer (ou minimizar) o golpismo que
uniu conservadores brasileiros a interesses dos Estados Unidos, em meio à
Guerra Fria.
Jango foi derrubado. O golpismo derrubou um governo legítimo e
popular. Foi necessário um golpe para derrubar um presidente que – se
pudesse ser candidato em 1965 – seria reeleito (como indicavam pesquisas do IBOPE feitas na época, e só agora divulgadas).
Nesse primeiro de abril de 2014, não aceitemos a mentira dos
revisionistas, nem o cinismo de editoriais/artigos da imprensa velhaca,
que falam do golpe como algo “inevitável”ou como uma “porrada
necessária” (na expressão infeliz de um ex-cineasta que aderiu ao
revisionismo da Globo). Não!
Precisamos esculhambar revisionistas e escrachar torturadores – como a rapaziada fez com Brilhante Ustra em Brasília.
Precisamos, sim, homenagear os mortos na luta contra a ditadura (muitos
deles, sob tortura) e cobrar informações sobre os desaparecidos!
Mas devemos lembrar também o que veio antes, lembrar o ato fundador
da barbárie: em primeiro de abril de 1964, Jango foi derrubado pela
direita lacerdista, com apoio de amplos setores da Igreja Católica e da
mídia velhaca (Marinhos, Mesquitas, Frias, entre outros), e sob ameaça
concreta de invasão de nosso território pelas tropas dos Estados Unidos.
1964 foi (também) um golpe dos Estados Unidos contra o Brasil.
Lembrar Jango é dizer não à ditadura, não à intervenção estrangeira. Sim
à Democracia, sim à luta pela independência nacional.
Viva Jango, nosso presidente!
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