Guerrilheiro Virtual

domingo, 21 de agosto de 2011

SUPREMAS BATOTAS

  
 
Marco Aurélio Mello é o ministro mais brilhante e lúcido do Supremo Tribunal Federal. Foi o que constatei ao acompanhar, do começo ao fim, as quatro tensas sessões do Caso Battisti.

Na primeira, o parecer mais parcial e tendencioso da história do STF, perpetrado por Cezar Peluso, tinha convencido os ministros a revogarem, na prática, a Lei do Refúgio, segundo a qual Battisti deveria ter sido libertado tão logo o ministro da Justiça Tarso Genro lhe concedeu o direito de viver e trabalhar no Brasil.

O placar de 5x4 tendia a se repetir na votação sobre o mérito da questão e também no tocante a quem daria a última palavra, se o Supremo ou o presidente da República.

 
Estava 4x3 a favor dos linchadores e faltavam os votos de Mello e Gilmar Mendes. Então, o ministro carioca pediu vistas e interrompeu o julgamento, evitando que a decisão fosse tomada naquele 9 de setembro de 2009.

Em 12 de novembro o caso voltou à pauta, com Mello proferindo um voto irrefutável, no qual desmontou quase todas as falácias de Peluso. Chegou a indignar-se ao relacionar as dezenas de trechos do processo italiano nos quais estava explicitamente consignado que o crime atribuído a Battista era político (subversão contra o Estado italiano) -- e não comum, como alegava o relator, num contorcionismo para viabilizar a extradição, já que o Brasil, por lei, não extradita perseguidos políticos.

Depois do seu longo voto, empatando o julgamento em 4x4, Mello se desculpou e saiu para atender a um compromisso urgente. A sessão teve de ser interrompida por falta de quórum.

A retomada se deu seis dias depois. Gilmar Mendes, como era favas contadas, desempatou a favor da Itália. Por 5x4 foi autorizada a extradição.

Passou-se à última batalha: o presidente da República deveria apenas providenciar a entrega ou cabia a ele dar a última palavra?

Nos seis dias transcorridos entre a 2ª e a 3ª sessões, entretanto, o ministro Carlos Ayres Britto se deu conta de quão descabido seria usurparem uma tradicional prerrogativa presidencial num sistema presidencialista. E, neste quesito fundamental, frustrou o plano dos linchadores, de  automatizarem  a extradição.

Assim, também por 5x4, a decisão passou às mãos de Lula, que, todos sabíamos, jamais repetiria o trágico erro de Getúlio Vargas -- o qual, acatando recomendação do mesmo STF, acumpliciou-se com a entrega de Olga Benário aos nazistas, ao invés de salvar a vida da mãe de uma criança brasileira. 

Foi nesse exato momento que a batalha se decidiu, encaminhando-se para uma das mais  dramáticas e significativas vitórias da esquerda brasileira nas últimas décadas. A contribuição de Mello para que se evitasse uma injustiça e uma infâmia foi inestimável.

A CHANTAGEM DO SENADOR JECA
 Ele também mostrou dignidade ímpar quando o senador estadunidense Frank Lautenberg chantageou o Brasil, exigindo a entrega, a toque de caixa, do menor Sean Goldman ao pai David, caso contrário embargaria a renovação de uma isenção tarifária que beneficiava as exportações brasileiras e estava prestes a expirar. O prejuízo estimado era de cerca de US$ 3 bilhões.

Agindo como jurista e não como um vil entreguista, Mello postergou a decisão para depois do recesso do STF, a fim de que os ministros pudessem ouvir o principal interessado na questão: o menino. Ou seja, mandou às favas o ultimato do senador de Nova Jersey.

Mas, abusando grotescamente do seu poder, Gilmar Mendes, plantonista durante o recesso, cassou a decisão do colega e despachou Sean para os EUA, para júbilo dos exportadores e imensa vergonha dos brasileiros dignos. Passamos recibo de que, dependendo do montante que estiver colocado na mesa, entregamos até nossas crianças.
 
RELAÇÕES PERIGOSAS

 
Agora, um advogado requereu o impeachment de Gilmar Mendes sob a acusação de manter conduta inaceitável para um ministro, principalmente no que tange ao relacionamento com o escritório de advocacia que emprega sua esposa e patrocina suas viagens ao exterior.

O Supremo se preparava para arquivar discretamente o pedido -- o processo não foi relacionado na pauta mas, mesmo assim, entrou em julgamento; o sucinto parecer do relator nem sequer mencionou o nome de Gilmar Mendes como acusado; e os ministros proferiam votos curtos e grossos -- quando Mello desafinou o coro dos contentes: pediu vistas.

Aí a imprensa se deu conta do que estava sendo julgado na surdina. E, claro, noticiou a batota.

Agora, ainda que prevaleça o corporativismo togado, os cidadãos brasileiros estarão sabendo como agem os membros da mais alta corte do País quando um deles é colocado na berlinda.

Marco Aurélio Mello, este sim, honra a toga.

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