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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

A China vai salvar a economia europeia?

Apesar do entusiasmo da União Europeia com a possibilidade da participação chinesa no Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, Beijing deixou claro que ainda não tomou nenhuma decisão a respeito. Com mais de três trilhões de dólares de reservas, cerca de 31% do total mundial em moeda estrangeira, a China tem a capacidade necessária para contribuir decisivamente com o resgate das economias europeias. Resta saber o que ganahrá com isso.

Marcelo Justo - Direto da China

Com mais de três trilhões de dólares de reservas, cerca de 31% do total mundial em moeda estrangeira, a China tem a capacidade necessária para contribuir decisivamente com o resgate das economias europeias. Apesar do entusiasmo da União Europeia (UE) em garantir a participação chinesa no Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, Beijing deixou claro neste final de semana que não havia tomado nenhuma decisão a respeito. Segundo o vice-ministro de Finanças, Zhu Guanyao, a China “precisa ter mais informações sobre o fundo e analisar os aspectos técnicos para ver se, efetivamente, vai participar dessa iniciativa”.

A China tem um claro interesse na estabilização europeia, como mostrou nos últimos 12 meses adquirindo títulos da Espanha, Portugal, Grécia, Itália e Irlanda. A UE é seu principal sócio comercial e seus problemas estão afetando a economia chinesa. Em setembro, esse motor do milagre chinês – seu setor exportador – registrou uma segunda queda consecutiva de vendas, diminuindo o superávit comercial chinês a quase a metade em relação a julho (de 31,5 bilhões para 14,5 bilhões).

Ao tema comercial se acrescenta o financeiro. Se a crise europeia se espalhar com a velocidade e a profundidade que ocorreu em 2008, os próprios bancos chineses poderiam ser apanhados na teia de aranha financeira global. Segundo o Banco Central da China, em 2009 e 2010, os bancos emprestaram cerca de 3 trilhões de dólares em uma tentativa de responder à crise. Os cálculos mais pessimistas estimam que cerca de 30% desses empréstimos poderiam não ser pagos se a atual crise econômica terminar impactando a China.

No início de outubro, o Fundo Soberano Chinês deixou clara a intenção de sustentar o dominante setor estatal bancário chinês (o setor privado constitui apenas cerca de 2% do total) com a aquisição de ações no mercado secundário das quatro principais entidades do país. Mas há variantes que o próprio governo não controla inteiramente. Há um setor bancário “na sombra”, formado por financeiras e entidades privadas, que cresceu aproveitando as restrições de crédito impostas pelo governo e hoje maneja mais 600 bilhões de dólares, emprestados a taxas exorbitantes para os custos chineses, alcançando cerca de 70% anuais.

Alguns analistas estão chamando esse setor de “sub-prime” chinês.

Se, em nível comercial e financeiro, a participação chinês ano Fundo Europeu para a Estabilidade Financeira tem sentido estratégico, em nível político exige cautela. O governo – e os funcionários encarregados de justificar os investimentos que põe em jogo suas futuras ascensões – querem garantias de que uma ajuda renderá dividendos. O diretor do Banco Mundial, Robert Zoellick, disse à BBC que a China só contribuiria para o fundo se forem oferecidos incentivos para tanto. “Não creio que a China seja o generoso cavaleiro andante que vai salvar a Europa. Ela vai querer algo em troca”, assinalou Zoellick.

Não é só uma questão de altruísmo quixotesco versus dinheiro. Em 2007, o governo criou um Fundo Soberano que hoje administra cerca de 410 bilhões de dólares, aproximadamente uma quinta parte das reservas. Se é verdade que esse fundo duplicou desde sua criação, também o é que mais de um investimento terminou em fiasco e produziu uma crescente reação pela internet de cidadãos que reclamam que esses fundos não são investidos na melhoria da qualidade de vida da população. Com cerca de 200 milhões de pobres e enormes carências nos sistemas de saúde, aposentadoria e educação, com uma população com crescentes expectativas e espaços para se fazer escutar, o governo sabe que não será fácil justificar um investimento que, na China, será percebido como um empréstimo multimilionário para países ricos com um sólido Estado benfeitor. “Os líderes deveriam se preocupar mais com o que acontece com o povo chinês e não tanto em dar ajuda a outros países”, queixou-se uma trabalhadora que preferiu não se identificar.

Em nível diplomático, contudo, a contribuição para o Fundo Europeu é uma oportunidade de ouro. Tendo como pano de fundo o debate sobre a manipulação do valor do Yuan, a UE tem se negado a reconhecer a China como uma plena economia de mercado, algo que levantaria certas restrições que pesam sobre as empresas chinesas. Os atritos neste nível são permanentes. Na sexta-feira, a Organização Mundial do Comércio decidiu a favor da China uma disputa com a UE sobre as exportações chinesas de calçados. Em um comunicado do Ministério do Comércio chinês, seu porta-voz, Sheng Danyang, exigiu que a UE “respeite a decisão e termine com suas práticas discriminatórias”. A UE tem 60 dias para apelar da decisão. O reforçado Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, com o qual a UE quer por fim à crise da eurozona deveria estar pronto no final de novembro, início de dezembro.

Esse não é o único canal diplomático que interessa a China. O governo chinês quer uma reforma do FMI que contemple uma maior quota de votos e que seja levantado o embargo sobre a venda de armas em vigor desde o massacre da praça da Paz Celestial, em 1989. Se a isso se soma um relaxamento da aliança entre UE e EUA em favor de uma maior valorização do Yuan, vê-se que a China poderia obter consideráveis vantagens com sua participação. A soma em jogo não é tão alta. No momento, anda em torno de 70 bilhões de euros, uns 100 bilhões de dólares, cerca de 4% das reservas estrangeiras de Beijing. Um investidor britânico, Jim Rogers, disse à BBC que a China tem muito a ganhar com um investimento que não a afetará significativamente. “Do ponto de vista chinês, é uma ajuda externa barata. Vai comprar boa vontade. De modo que vai contribuir. Resta saber com quanto”, assinalou Rogers. A ironia de todo o debate é que, mesmo com a contribuição chinesa, não há nenhuma garantia de que a crise da eurozona seja irreversível.

Tradução: Katarina Peixoto

Do CartaMaior

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