Marcia Carmo
De Buenos Aires para a BBC Brasil
Uma maternidade para prisioneiras chegou a funcionar na Esma, hoje um museu
Oito anos após o fim das leis de anistia, a Justiça da Argentina condenou, nesta quarta-feira, 16 militares por crimes contra a humanidade. Os oficiais foram responsabilizados por torturas e mortes ocorridas na Escola Superior da Marinha (Esma), em Buenos Aires.
A Esma foi definida por entidades de direitos humanos como "um dos maiores centros de detenção clandestina e de extermínio" da última ditadura argentina (1976-1983).
Durante a leitura da sentença, o juiz disse que os réus foram "condenados por perseguições, homicídio qualificado e roubo de bens da vitima".
Veredicto
Os acusados foram condenados por crimes contra 86 pessoas, das quais 28 continuam desaparecidas e cinco foram assassinadas.A decisão da Justiça foi tomada após 22 meses de investigação. Mais de 160 pessoas foram ouvidas.
O veredicto foi transmitido ao vivo pelas principais emissoras de televisão do país e através de um telão em frente ao tribunal, em Buenos Aires.
Familiares das vitimas acompanharam o julgamento na sala de audiência do tribunal e aplaudiram quando foi lida a sentença.
Vítimas
A Justiça estima que cinco mil vítimas da ditadura argentina passaram pelas instalações da Esma.Entre as vitimas "de tormentos e homicídios" está Azucena Villaflor, uma das fundadoras da organização Mães da Praça de Maio, que denunciava a repressão e procurava um filho desaparecido na época.
Duas freiras francesas que apoiavam o grupo, Alice Domon e Leonie Duquet, e o escritor Rodolfo Walsh também estiveram presos na Esma.
"É um dia histórico. Marca o enorme avanço na luta coletiva pelos direitos humanos", disse Patrícia Walsh, filha do escritor, cujo corpo nunca foi encontrado.
Maternidade clandestina
Entre os condenados a prisão perpétua está o ex-capitão de fragata Alfredo Astiz, que ficou conhecido como "anjo loiro" ou "anjo da morte".
Astiz foi acusado de se infiltrar em entidades de direitos humanos e de entregar doze pessoas aos repressores, entre as quais Azucena Villaflor.
Em entrevista à BBC Brasil, a advogada Carolina Varsky, da ONG CELS (Centro de Estudos Legais e Sociais), disse que o veredicto era esperado "há muito tempo". "Muitas famílias lutaram durante anos por este momento", disse.
Anistia
A investigação sobre os crimes cometidos na Esma foi aberta nos anos 1980, após a redemocratização do país. O inquérito foi depois arquivado com as leis do Ponto Final (1986) e da Obediência Devida (1987).As leis, que anistiaram os agentes da ditadura, foram promulgadas durante o governo do presidente Raul Alfonsín (1983-1989).
Em 2003, o Congresso aprovou um projeto de lei enviado pelo então presidente Nestor Kirchner (2003-2007) que abriu caminho para o retorno dos julgamentos.
Na mesma ocasião, a Justiça também declarou inconstitucionais os indultos dados pelo ex-presidente Carlos Menem (1989-1999) beneficiando repressores e ex-guerrilheiros.
Ativistas de direitos humanos esperam que a Justiça ainda dê seu veredicto sobre casos vinculados aos chamados ‘voos da morte’, quando presos políticos eram lançados vivos no rio da Prata e no mar.
Por determinação do ex-presidente Kirchner, a Esma foi transformada em um "centro cultural e de memória".
Do Site BBC Brasil
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