Palestina denunciará na ONU violações sistemáticas de direitos humanos, expansão das colônias em terras palestinas – colônias já consideradas ilegais pela Corte Internacional de Justiça, em 2004 – e a violência de exército, polícia e colonos israelenses contra a população palestina, suas plantações, seus meios de vida e seus bens.
Baby Siqueira Abrão*
A Palestina se prepara para levar outro pleito às Nações Unidas. E agora o alvo é Israel. Os motivos já são bem conhecidos de todos os que acompanham o dia a dia na região: violações sistemáticas de direitos humanos, expansão das colônias sionistas em terras palestinas – colônias consideradas ilegais pela Corte Internacional de Justiça em documento elaborado em 2004 – e a violência de exército, polícia e colonos israelenses contra a população palestina, suas plantações, seus meios de vida e seus bens.
Segundo Riyad Al-Malki, ministro das Relações Exteriores da Autoridade Nacional Palestina (ANP), que anunciou a medida no domingo, 11 de dezembro, o objetivo é obter a condenação de Israel. Os diplomatas já estão trabalhando para obter o apoio de 140 países, a maioria dos quais reconheceu o Estado palestino dentro das fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias, em junho de 1967, quando Israel invadiu e tomou Gaza, Cisjordânia e Jerusalém oriental. Ryad Mansour, embaixador palestino na ONU, já iniciou conversações com os governos árabes, visando à nova iniciativa. Não se sabe ainda, porém, se ela será levada à Assembleia Geral ou ao Conselho de Segurança.
Na Palestina, a situação é cada dia mais tensa. Apenas na primeira semana de dezembro, de acordo com dados do Centro Palestino de Direitos Humanos, uma pessoa morreu e outras três ficaram feridas em consequência de um bombardeio em Gaza. Também em Gaza, a marinha israelense continua ameaçando os pescadores e atirando contra seus barcos, impedindo-os de trabalhar. A pressão também existe em outros pontos da faixa costeira: agricultores e pastores são alvos de atiradores do exército israelense, que não lhes permitem circular nas próprias terras, cuidar de seus animais e de suas plantações. Além disso, o bloqueio a postos de passagem de produtos comerciais levou ao fechamento de armazéns, causando desemprego, desabastecimento e crise no setor de gás.
Na Cisjordânia, 61 incursões militares em vilas e cidades e ataques às manifestações não violentas contra o muro e as colônias, realizadas às sextas-feiras, levaram à prisão 53 palestinos (8 crianças), 2 jornalistas e 3 ativistas de direitos humanos estrangeiros, além de provocar ferimentos em 4 pessoas e asfixia em dezenas delas. Em 10 de dezembro, dia em que se comemora a Declaração dos Direitos Humanos, adotada pela ONU em 1948, morria Mustafá Tamimi, um dos líderes da resistência popular da vila de Nabi Saleh, vítima de uma granada atirada contra seu rosto um dia antes por um soldado israelense.
Ainda na Cisjordânia, Ahmed Attoun, membro do Conselho Legislativo Palestino, foi deportado de Jerusalém para Ramala. O governo israelense demoliu uma fábrica e seis casas de famílias palestinas, obrigando outras duas a destruir as próprias moradias. Novos checkpoints foram colocados dentro de Jerusalém e ao redor da cidade, tornando ainda mais difícil a vida dos palestinos que moram lá.
Além disso, em 13 de dezembro, um grupo de 20 das mais importantes organizações humanitárias e de direitos humanos condenou, em documento conjunto, as violações cometidas pelo governo israelense. Às vésperas de mais uma reunião do Quarteto (Rússia, União Europeia, ONU e EUA) em Jerusalém, para tentar negociar um acordo entre Israel e Palestina, essas entidades revelaram dados preocupantes, computados pela ONU e pelo Peace Now: mil palestinos tiveram de abandonar suas moradias em 2011, o dobro de pessoas que passaram pelo mesmo drama em 2010. Metade são crianças.
Mais de 500 casas, poços de água e outras estruturas foram destruídas este ano, acompanhadas da expansão das colônias judaicas ilegais na Palestina (4 mil unidades só em Jerusalém oriental, o maior número desde 2006) e do aumento da violência dos colonos contra a população palestina. Mais de 10 mil oliveiras e outras árvores foram destruídas este ano. Como cada oliveira rende cerca de U$ 100 quando seus frutos são transformados em azeite, a economia das famílias dos vilarejos sofreu uma perda estimada em U$ 1 milhão.
“O aumento da expansão das colônias e da demolição de casas está levando a Palestina ao limite, destruindo seus meios de vida e as perspectivas de paz justa e duradoura”, afirmou Jeremy Hobbs, diretor executivo da Oxfam International, à agência de notícias Ma’an. “Há uma crescente desconexão entre o discurso do Quarteto e a situação real. O Quarteto precisa revisar de maneira radical sua abordagem e mostrar que pode mesmo mudar a vida de palestinos e israelenses”, acrescentou ele.
Apesar de todos esses graves problemas, a Assembleia Geral da ONU aprovou, no começo de dezembro, seis resoluções condenando apenas a expansão das colônias, que são somente parte – embora importante – da questão. O fato é que a ONU já condenou Israel centenas de vezes, por meio de resoluções, e os governos sionistas nunca se abalaram com isso. Continuam firmes no plano de expandir seus domínios para toda a Palestina histórica, criando um “Estado judeu” em toda ela, o que implica, forçosamente, a limpeza étnica e religiosa da região. Para impedir que esse plano se concretize são necessárias medidas muito mais convincentes do que discursos retóricos. Mas até agora nenhum governo se atreveu a propor e a aprovar sanções econômicas e políticas contra os governos de Israel.
Se a nova iniciativa palestina nas Nações Unidas conseguirá interromper a sanha sionista, é difícil avaliar. Como fato político, a atitude é bem-vinda: criará mais espaço para que a indignação do mundo se volte contra a política dos governantes de Israel e exija o fim de ocupação. Na prática, entretanto, é quase certo que as coisas continuem como estão. A menos que a comunidade internacional decida tomar medidas realmente definitivas para deter o monstro que ela mesma criou ao ceder às pressões dos lobbies sionistas e aprovar a recomendação da partilha da Palestina, em 1947, os palestinos continuarão a sofrer as consequências dessa decisão.
Mas, a julgar pela saída diplomática do Conselho de Segurança, ao reconhecer-se incapaz de um consenso sobre a admissão da Palestina como Estado-membro da ONU, muitos anos ainda se passarão antes que a população palestina consiga ter seus direitos mais elementares assegurados e respeitados. Até lá, ela, assim como a maioria dos povos da Ásia e da África, continuará vivendo a condição de pária num mundo cada vez mais à mercê dos senhores da guerra e do dinheiro.
(*) Baby Siqueira Abrão, correspondente do jornal Brasil de Fato no Oriente Médio, veio ao Brasil sob os auspícios da Embaixada Palestina, para uma série de palestras com Abdallah Abu Rahmah, líder do comitê popular de Bil’in, e para participar do I Encontro Brasileiro em Solidariedade ao Povo Palestino, realizado na Escola Florestan Fernandes, em Guararema, SP.
Fonte: Carta Maior
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