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sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Esquerda paraguaia nunca esteve num melhor momento, diz Lugo

Em entrevista concedida à mídia alternativa brasileira, o presidente deposto do Paraguai analisa as origens do “golpe parlamentar” executado contra ele e diz que os movimentos e partidos progressistas do país estão se reunindo todos os dias para discutir um projeto nacional, o que antes não acontecia. "Nunca antes 12 partidos e oito movimentos sentaram juntos”, disse Lugo, referindo-se à Frente Guasú, concertação de esquerda e centro-esquerda formada em março de 2010. 
 
São Paulo - Desde que assumiu o cargo de presidente do Paraguai, em agosto de 2008, Fernando Lugo imaginava que dali a cinco anos, em agosto de 2013, quando terminasse seu mandato, passaria a se dedicar a outras atividades fora da política institucional. Mas o golpe sofrido no final de junho mudou sua vida radicalmente, disse ele à mídia alternativa brasileira em uma entrevista conjunta realizada na noite dessa quinta-feira (2) em São Paulo (SP).
 
“Mais do que nunca, as pessoas me pedem para que eu deixe de ser bispo e seja mais político”, afirmou Lugo, que garante ter assumido o papel de articulador da unidade da esquerda paraguaia depois de sua destituição. De acordo com ele, hoje, todos os dias há grupos sociais e políticos discutindo uma maneira de construir um projeto nacional para o país. “Antes isso não acontecia. A esquerda nunca esteve num melhor momento. Nunca antes 12 partidos e oito movimentos sentaram juntos”, disse, referindo-se à Frente Guasú, concertação de esquerda e centro-esquerda formada em março de 2010.
 
Nas eleições gerais de abril do ano que vem, a articulação quer jogar seu peso em duas frentes: disputar a Presidência e conquistar o maior número possível de cadeiras no Congresso Nacional. Para atingir o último objetivo, conta com Lugo para encabeçar a lista de candidatos ao Senado, direito garantido a ele recentemente pela Corte Suprema do Paraguai. “Em algumas semanas, saberemos com mais clareza o que é mais conveniente. Penso que se isso for útil à restauração da democracia no Paraguai, sou um soldado”, disse o presidente deposto.
 
Para Lugo, a próxima eleição será uma disputa entre uma esquerda renovada e uma direita que “não está reciclada”. “Por isso há esperança. A sociedade paraguaia está mais polarizada do que nunca. Se a esquerda também conseguir aglutinar forças não políticas, tem chances.” Segundo ele, uma das vantagens da Frente Guasú reside na divisão dos partidos tradicionais do país. “A direita paraguaia passa da euforia à depressão em muito pouco tempo. Acreditava que seria muito mais fácil executar o golpe. Achava que a Unasul [União de Nações Sul-Americanas] não reagiria, que a comunidade internacional aceitaria. É um completo isolamento político”, destacou.

O golpe

Segundo Fernando Lugo, as políticas adotadas por seu governo não foram o principal motivo do julgamento político a que foi submetido no Congresso Nacional, mas sim o potencial de transformação da sociedade paraguaia que a gestão representava. “Não tomei nenhuma medida socialista.
 
Aceitamos as regras do jogo. Tinha boas relações com os organismos internacionais e apresentava todos os indicadores conservadores que eles gostam de ver, como economia em crescimento, inflação controlada, multiplicação das reservas internacionais, pagamento das dívidas... éramos bons meninos. Mas havia um perigo. A continuidade do processo de mudanças. Isso sim incomodava. Estávamos economicamente bem, mas politicamente tínhamos articulações com grupos sociais”, analisou.
 
O presidente deposto foi enfático ao afirmar que o golpe não nasceu da noite para o dia. “Foi pensado por muito tempo”, disse, lembrando-se, principalmente, da recente denúncia do Wikileaks de que os Estados Unidos sabiam dessa ameaça desde 2009. “Quando eu começava na política, me diziam que 70% das decisões eram tomadas fora do país. Não quis acreditar. Hoje, pela minha experiência, não descarto totalmente essa possibilidade”. Segundo Lugo, no Paraguai – assim como na maioria dos países do mundo – o autêntico poder não mostra o rosto. No caso paraguaio, ele citou o narcotráfico, os produtores de soja e as transnacionais do agronegócio.
 
“O governo golpista tomou já quatro medidas que nos fazem pensar na ingerência desses poderes de fato na política paraguaia. A primeira é o fim do imposto à exportação da soja. A segunda é a permissão da entrada no país de soja transgênica, sendo que nosso governo estava trabalhando pela recuperação das sementes nativas. A terceira medida é o anúncio do pagamento de uma dívida que o Paraguai nunca contraiu. Um empréstimo de 80 milhões de dólares feito durante a ditadura Stroessner e que nunca chegou ao país. A quarta medida é a negociação da instalação da empresa Rio Tinto. Como é possível quererem produzir alumínio no Paraguai se a matéria-prima e o mercado estão no Brasil? Estão negociando que o preço da energia para essa empresa fique por 30 anos sem reajuste, uma perda de 14 bilhões de dólares. Sem dúvida, essas multinacionais têm o poder de fato”, esclareceu.
 
Por isso mesmo, Lugo defendeu que para que haja mudanças estruturais no Paraguai é preciso a instalação de uma Assembleia Constituinte que tenha como uma das prioridades incidir sobre a propriedade da terra no país. Além disso, disse, outro grande desafio é conquistar um grande respaldo no parlamento.
 
Sobre uma possível reversão do golpe e volta à Presidência, Lugo explicou que há dois caminhos. Um deles passa pela Corte Suprema, que no momento analisa a constitucionalidade do julgamento promovido pelo Congresso. A segunda via é a política, desde que o Senado reconheça que o processo foi irregular e volte atrás em sua decisão. O presidente deposto, no entanto, embora admita que exista a possibilidade de voltar ao cargo, não está otimista. “Acredito em Deus e nos milagres, mas nesse eu não acredito”, brincou.
 
Igor Ojeda
No Carta Maior

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