Guerrilheiro Virtual

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Mercosul deixa de ser um projeto centrado no Cone Sul

Embaixador Antonio José Ferreira Simões,  Subsecretário-Geral da América do Sul, Central e do Caribe
"É preciso que a sociedade brasileira se conscientize do que significa ser a 5ª economia do mundo. Grande parte da população ainda tem uma imagem do Brasil como país periférico, de menor importância no cenário internacional. Mas essa imagem é totalmente equivocada. O Brasil, ao lado dos Estados Unidos e da China, são os únicos três países que estão, ao mesmo tempo, na relação dos dez países de maior território, dos dez países mais populosos e dos dez países com maior PIB no mundo. O principal desafio da diplomacia brasileira é, portanto, mostrar à sociedade brasileira que o Brasil precisa ter uma atuação externa à altura de sua potencialidade econômica, política e social".
A avaliação do embaixador Antonio Simões fornece a moldura geral de sua análise sobre os mais recentes episódios envolvendo o processo de integração regional. O modelo de integração do MERCOSUL, defende o diplomata brasileiro, é distinto do modelo europeu que atualmente atravessa grave crise. "Aqui, optamos por um processo de integração em que, mais importante do que haver uma economia-âncora, é que as sociedades de todos os países estejam envolvidas no processo de integração".
 
Carta Maior: A que se deve essa constante instabilidade que pressiona periodicamente o Paraguai?
 
Antonio Simões: Um problema central no Paraguai é a fragilidade de suas instituições, agravado pelo fato de que apenas uma pequena parcela da população está efetivamente integrada à vida política. Essas debilidades – que, convém frisar, são comuns a outros países da região – estão estreitamente associadas aos períodos de exceção experimentados pelo Paraguai, dos quais o mais longo e conhecido é o governo de Alfredo Stroessner. Naquele período, além das restrições às liberdades fundamentais, próprias de governos autoritários, criou-se no Paraguai um regime de “prebendas”, de concessões do Estado, que tinha como vértices o Partido Colorado, grandes empresários e proprietários de terra e altas patentes das Forças Armadas.
 
Se compararmos a duração do Governo Stroessner – 35 anos, de 1954 a 1989 – com o período de redemocratização do país, que mal completou 23 anos – de 1989 a 2012, temos a dimensão de quão debilitado – e justificadamente - ainda pode estar o ordenamento institucional paraguaio.
 
É nesse contexto que se deve destacar a relevância dos processos de integração regional, como o MERCOSUL e a UNASUL. Como se sabe, as cláusulas democráticas desses órgãos desempenham importante papel de “estímulo positivo entre pares”, com vistas a desestimular aventuras antidemocráticas na região. Mas isso não é tudo. As diversas instâncias em que se estruturam esses mecanismos vêm contribuindo de forma significativa para o fortalecimento e a harmonização institucional em nível regional.
 
CM: Até que ponto a questão da propriedade e da posse da terra - o Paraguai tem uma concentração histórica de grandes áreas em poucas mãos - contribui para essa instabilidade? Até que ponto a pressão dos grandes proprietários foi determinante para a deposição do presidente Fernando Lugo?
 
AS: O modo como se deu a apropriação da terra é um problema estrutural da organização social e econômica do Paraguai. É um tema antigo e complexo, cuja solução parece constituir elemento fundamental para a real democratização do país. Segundo dados oficiais, apenas 0,005% da população concentram 25% da terra; 80% da terra, por sua vez, são propriedade de apenas 2% da população.
 
Na região oriental do país, onde vive mais de 90% da população, apenas 2% das propriedades ocupam mais de 80% da superfície de terras agrícolas do país. No outro extremo, as áreas agrícolas de menos de 5 hectares - cerca de 40% em número de propriedades - representam menos de 1% da área cultivada.
 
Não se trata, naturalmente, de problema exclusivo do Paraguai. O Brasil viveu realidade similar por muito tempo. Entre nós, no entanto, a questão tem sido bem encaminhada por meio de programas de reforma agrária e de apoio estatal às famílias reassentadas para sua integração à estrutura produtiva nacional. A agricultura familiar é responsável pela produção de 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros e ocupa aproximadamente 75% da mão de obra rural. A agricultura familiar constitui, no Brasil, fator fundamental para a estabilidade social no campo.
 
CM: Existe uma real responsabilidade histórica de países como Argentina e Brasil com relação ao Paraguai?
 
AS: Entendo que todos os países da América do Sul têm responsabilidades históricas com seus vizinhos. Por isso, é importante que todos juntemos esforços, nos planos interno e regional, para a criação e consolidação de instituições que venham a estruturar “espaços regionais comuns”, como o MERCOSUL e a UNASUL.
 
É no âmbito desses espaços comuns que precisamos trabalhar, com pragmatismo e solidariedade, em prol de melhores condições de vida para a nação sul-americana.
 
Não se trata de retórica. No caso específico do Paraguai, podemos citar um exemplo concreto, entre vários outros. Está sendo implantado naquele país, com recursos de contribuições brasileiras ao Fundo de Convergência Estrutural do MERCOSUL (FOCEM), da ordem de US$ 400 milhões, um sistema de transmissão de energia elétrica em 500 kV entre Itaipu e Villa Hayes, nos arredores de Assunção. Trata-se de obra fundamental para garantir o suprimento de energia elétrica no país, de modo a evitar os frequentes apagões verificados em momentos de pico de demanda.
 
Ademais, esse sistema tem potencial para constituir-se em fator decisivo na transformação da realidade econômica do Paraguai, ao ensejar a instalação de indústrias que, atualmente, ainda que atraídas pela oferta de energia barata e abundante, não dispõem de suprimento confiável.
 
CM: É possível avaliar os benefícios concretos do Mercosul para o Paraguai?
 
AS: A primeira coisa que devemos ter em mente é que o Paraguai é um país sem litoral. Grande parte do comércio exterior paraguaio é feito via território brasileiro ou argentino. Só isso já demonstra a importância do MERCOSUL para o comércio paraguaio. Além disso, o Brasil é o maior parceiro comercial do Paraguai. Nós somos o destino de quase 15% das exportações paraguaias. Se tomarmos o caso do MERCOSUL, veremos que, em 2011, o bloco respondeu por um quinto da corrente de comércio do Paraguai. Talvez mais importante que os totais é a composição da pauta de comércio entre o Paraguai e os sócios do MERCOSUL: segundo estudos do CADEP (“Centro de Análisis y Difusión de la Economia Paraguaya”), quase 60% das exportações de manufaturados do Paraguai em 2011 foram destinados aos países do MERCOSUL e associados.
 
Além dos óbvios benefícios comerciais, a integração no âmbito do MERCOSUL também compreende uma dimensão socioeconômica mais ampla. É o caso do FOCEM, criado em 2007, com o objetivo de promover projetos para superar as assimetrias entre os países do bloco. O FOCEM é uma das experiências mais bem sucedidas do Mercosul. O Paraguai é o maior beneficiário do Fundo: contribui com apenas 1% e recebe 48% dos recursos totais. Já foram aprovados 18 projetos do FOCEM no Paraguai, em um valor total de US$ 644,5 milhões. São projetos em áreas como habitação, transportes, incentivos à microempresa, capacitação tecnológica, melhorias sanitárias, entre outros. Nesse universo de projetos, merece destaque a construção, já mencionada, da linha de transmissão entre Itaipu e Villa Hayes, que está orçada em US$ 555 milhões e conta com contribuições voluntárias do Brasil ao FOCEM da ordem de US$ 300 milhões.
 
É importante mencionar que a suspensão do Paraguai dos órgãos decisórios do MERCOSUL não afetará nenhum projeto do FOCEM no país. Pelo contrário. Na Cúpula de Mendoza, a mesma reunião que decidiu pela suspensão do Paraguai, foram desembolsados US$ 66 milhões do FOCEM para o projeto da linha de transmissão Itaipu-Villa Hayes. Essa é a prova do nosso compromisso com o bem-estar do povo paraguaio. Essa foi uma determinação expressa dos Presidentes dos Países do MERCOSUL em Mendoza.
 
CM: Qual o significado político e econômico da entrada da Venezuela no bloco?
 
AS: É preciso ter presente, antes de mais nada, que esta é a primeira ampliação do MERCOSUL desde a sua criação em 1991. Isso, por si só, possui um grande significado político: demonstra que o bloco permanence vigoroso como projeto de desenvolvimento compartilhado e que tem poder de atração sobre os países vizinhos.
 
O ingresso da Venezuela dá novo contorno geopolítico ao MERCOSUL. Em primeiro lugar, o MERCOSUL deixa de ter um projeto centrado no Cone Sul e amplia sua capacidade de irradiação para o Caribe e para a América Central. A dimensão amazônica do MERCOSUL também é reforçada, o que dá um novo sentido para o bloco, da perspectiva do desenvolvimento da região norte do Brasil.
 
A presença de um país como a Venezuela, com sua densidade econômica e seus recursos naturais, sobretudo energéticos, altera de maneira significativa o peso internacional do MERCOSUL. As reservas de petróleo venezuelanas são as maiores do planeta. Esse dado, somado ao potencial do pré-sal brasileiro, à nossa liderança em energias renováveis, às reservas argentinas de petróleo e gás e ao potencial hídrico do conjunto do MERCOSUL, faz do bloco uma potência energética de primeira grandeza.
 
Se considerarmos que o MERCOSUL já era um dos principais produtores de alimentos, vemos agora que o bloco é peça central para a equação de duas questões centrais para o futuro da sociedade global: a segurança energética e a segurança alimentar.
 
Do ponto de vista estritamente econômico e comercial, os ganhos com a entrada da Venezuela são facilmente verificados. A Venezuela tem o quarto maior PIB da América do Sul e a quarta população do continente. Se tomado como conjunto, o MERCOSUL passa a ser a quinta economia mundial, com uma população de 270 milhões de habitantes (70% da população da América do Sul) e um produto interno de US$ 3 trilhões (mais de 80% do PIB sul-americano).
 
Mais importante ainda é o fato de que há complementaridade entre nossas economias. A Venezuela é um grande importador de alimentos. Há, sem dúvida, um potencial de comércio a ser explorado nesse setor. Na outra ponta do espectro produtivo, o país está também empenhando em reforçar suas capacidades industriais, o que abre perspectivas para nossos setores de máquinas e equipamentos. Há muito a ser feito em matéria de integração produtiva, principalmente no setor petroleiro. E há uma nova fronteira de investimentos e empreendimentos comuns que se abre com o ingresso de um sócio com o peso da Venezuela no MERCOSUL, que entra definitivamente em uma nova etapa de sua história.
 
CM: Existe uma regra estabelecida pelos países do bloco, segundo a qual as decisões devem sempre ser tomada por unanimidade. Durante muito tempo o Paraguai vetou o ingresso da Venezuela no Mercosul. Quais as razões que levavam o Paraguai a agir dessa forma ?
 
AS: É preciso esclarecer que, no MERCOSUL, as decisões são tomadas, como regra, por consenso. No caso da solicitação de adesão de novos Estados Partes – e não da incorporação em si – exige-se unanimidade. A solicitação de adesão da Venezuela, feita ainda em 2005, foi aceita por todos os países do MERCOSUL, inclusive pelo Paraguai, com a Decisão 29/05 e com a assinatura do Protocolo de Adesão.
 
Durante muito tempo, o Congresso paraguaio – e não o Paraguai como um todo – tratou com muita reserva a questão da entrada da Venezuela no MERCOSUL. É muito difícil avaliar as razões para isso.
 
Particularmente, acredito que o Paraguai tem muito a ganhar com a entrada da Venezuela. O Paraguai, grande produtor e exportador de alimentos, poderá se beneficiar muito com as facilidades de comércio da adesão venezuelana. Quase 70% dos alimentos consumidos na Venezuela são importados, fazendo do país potencial mercado para as exportações paraguaias. Além disso, a Venezuela deverá aportar recursos adicionais ao FOCEM, que poderão ser aplicados em novos projetos no Paraguai, contribuindo efetivamente para a melhoria na qualidade de vida do povo paraguaio.
 
CM: A crise da UE - um processo de integração de quase 50 anos que esfarela sob o peso da crise mundial - traz que lições à agenda da integração latino-americana?
 
AS: Durante muito tempo, o modelo de integração da UE foi apontado como uma “receita infalível” que deveria ser seguida por outras regiões no caminho da integração. Ainda hoje, críticos da nossa integração apontam que nosso modelo estaria fadado ao fracasso, por não reproduzir os passos dados na UE.
Acredito que a crise econômica na UE demonstra que não há receitas prontas. Precisamente no momento em que as economias europeias apresentam grandes dificuldades econômicas, os países do MERCOSUL exibem resultados positivos.
 
O MERCOSUL demonstrou que um processo de integração deve respeitar os ritmos e as sensibilidades de cada país. A impressão que tenho é que a União Europeia buscou estabelecer um mesmo manual para todos os membros, e hoje, eles se dão conta de que medidas como a implantação do euro talvez devessem ter sido mais lentas, mais graduais. Já no MERCOSUL, evoluiu o entendimento de que mais importante do que avançar rapidamente na integração econômico-comercial é adotar medidas que traduzam o processo de integração em verdadeira melhoria da vida das pessoas.
 
CM: O embaixador Samuel Pinheiro mencionou recentemente a nova estratégia norte-americana na AL, de criação de mini-Alcas. Um exemplo, o recente acordo do Pacífico. Como a Unasul poderia responder a esse processo que ameaça retalhar a AL em estratégias díspares, dificultando processos de desenvolvimento integrado?
 
AS: O modelo de criação de áreas de livre comércio teve seu auge nos anos 1990, com a criação do NAFTA e o lançamento das negociações da ALCA. Com o fracasso dessas negociações, os Estados Unidos passaram a investir na estratégia de assinar acordos bilaterais de livre comércio, com países como Chile, Peru e Colômbia. No entanto, há estudos do BID e da CEPAL que demonstram que esses acordos apresentam benefícios limitados, tendo, muitas vezes, impacto nulo sobre o PIB e sobre a distribuição de renda.
 
Mesmo em termos estritamente comerciais, nota-se, em vários casos, que o aumento das importações de produtos norte-americanos excede muito o crescimento das exportações para aquele mercado, além de manter a pauta exportadora concentrada em produtos tradicionais. Um estudo de 2011 do Ministério de Relações Exteriores do Chile demonstra que, decorridos sete anos da vigência do acordo de livre comércio com os EUA, as exportações chilenas cresceram menos de 15%, enquanto que as importações de produtos norte-americanos pelo Chile aumentaram em cerca de 200%. O estudo conclui também que a pauta exportadora chilena aos EUA se concentrou ao longo desses sete anos: o cobre passou, por exemplo, de 56% do total exportado em 2006 para 74% em 2009. Esses dados mostram que os Acordos de Livre Comércio, mesmo em termos de acesso a mercados, podem não ser tão benéficos quanto alguns defendem.
 
Por outro lado, a UNASUL é uma poderosa ferramenta de desenvolvimento baseada no fato incontornável da geografia. É um processo de integração muito mais amplo, com diversas iniciativas concretas para a promoção do desenvolvimento conjunto da região.
 
Independentemente das opções específicas de política comercial de cada país da região, continuaremos sendo vizinhos e compartilhando problemas que requerem ação concertada. Isso vale para temas sociais e políticos, como saúde, defesa, segurança, mas vale também para as aspirações de desenvolvimento econômico. A carteira de projetos estratégicos do COSIPLAN (Conselho de Infraestrutura e Planejamento da UNASUL), que sucedeu a IIRSA, pode representar um divisor de águas, ajudando a integrar fisicamente a região para que haja mais trocas comerciais e mais investimentos recíprocos, gerando um ciclo de crescimento para dentro.
 
Uma UNASUL fortalecida permitirá que a região tenha mais chances de enfrentar com êxito seus enormes desafios, construindo seu próprio modelo de cooperação e de desenvolvimento, adaptado à sua realidade e, sobretudo, a seus interesses e aspirações.
 
A UNASUL incorpora, no nível regional, um conceito operacional que nossos países já vem adotando com excelentes resultados: desenvolvimento econômico indissociado de justiça social.
 
CM: A Alemanha foi de certa forma, o guarda-chuva financeiro da integração de mercados na UE (hoje pode ser o coveiro desse processo). De qualquer forma, a experiência indica que todo processo de integração requer a âncora de uma economia forte que sirva de alicerce nuclear entre os demais países. O Brasil tem condições de cumprir esse papel na AL?
 
AS: Brasil, Argentina, Venezuela, e vários outros países poderiam ter esse papel na América do Sul. Entretanto, é preciso, mais uma vez, entender que o modelo de integração do MERCOSUL é distinto do modelo europeu. Aqui, optamos por um processo de integração em que, mais importante do que haver uma economia-âncora, é que as sociedades de todos os países estejam envolvidas no processo de integração.
 
Temos, na América do Sul, grande produção de alimentos, grande produção de minérios, e as maiores reservas mundiais de petróleo e de água doce. Mas a existência de recursos por si só não produz desenvolvimento. O processo de integração sul-americana é justamente o instrumento para transformar os recursos potenciais da América do Sul em desenvolvimento socioeconômico e melhoria de vida da população.
 
A experiência sul-americana mostra que, mais do que uma economia que sirva de alicerce, o que precisamos é somar as capacidades individuais em torno de um projeto de desenvolvimento compartilhado.
 
CM: Após a Rio+20, houve alguma mudança substancial no papel da questão ambiental na agenda política das nações?
 
AS: Precisamos pensar, em primeiro lugar, em como a questão ambiental evoluiu na agenda internacional nos últimos anos. Em 1992, logramos posicionar a questão do desenvolvimento sustentável no cenário político internacional. Desde então, os países vêm incorporando esse conceito, esse ideal, a suas políticas internas e à sua ação externa. Chegamos à Rio+20 com o desafio de transformar uma ideia já consolidada na agenda política dos países em metas comuns mais concretas para as próximas décadas.
 
Em segundo lugar, é preciso considerar que há uma diferença fundamental entre a Rio 92 e a Rio+20. A Rio 92 foi um ponto de chegada. Lá, foram concluídas diversas negociações, que levaram anos, permitindo a assinatura de diversos instrumentos, como a Convenção-Quadro sobre a Mudança do Clima, a Convenção de Combate à Desertificação e a Convenção sobre Diversidade Biológica. Já a Rio+20 foi um ponto de partida. Foi o momento de traçar diversas linhas sobre como deverá ser o mundo nos próximos anos. A Rio+20 teve como grande objetivo construir uma agenda para levar a um mundo mais sustentável, mais inclusivo e mais justo.
 
CM: O Brasil, juntamente com os demais países do grupo BRICS, está em condições, de produzir uma inflexão nas negociações multilaterais nos grandes fóruns existentes hoje no sistema ONU?
 
AS: O peso econômico, social e político dos BRICS é grande, e será cada vez maior. A importância dos BRICS vai além de sua enorme participação no PIB e na população mundiais. O aspecto mais relevante dos BRICS é sua capacidade de projetar a perspectiva do mundo em desenvolvimento, que por muito tempo foi uma perspectiva lateral, para o centro das principais discussões internacionais.
 
Os BRICS, por seu peso internacional e pela agenda que representam, têm a capacidade de rearticular e de reprojetar o mundo em desenvolvimento. Essa projeção depende não só do crescimento das economias dos BRICS. Ela também evoluirá à medida que esses países consigam projetar, internacionalmente, sua própria imagem como sociedades em desenvolvimento.
 
CM: Qual é, na sua opinião, o principal desafio da diplomacia brasileira hoje.
 
AS: Ano passado, o Brasil se tornou a 6ª economia do mundo (em função de diferenças cambiais, alguns argumentam que este ano seríamos a 7ª). Projeções indicam que nos tornaremos a 5ª economia mundial em breve. O principal desafio da diplomacia brasileira hoje, é, nesse sentido, se consolidar como a diplomacia de uma quinta economia do mundo. Precisamos mostrar que somos uma diplomacia dinâmica e criativa, que mantém fortes relações com os países vizinhos, mas que também é capaz de agir em termos globais, participando ativamente em instrumentos de articulação, como o G20 e o BRICS.
 
Muito mais além, é preciso, sobretudo, que a sociedade brasileira se conscientize do que significa ser a 5ª economia do mundo. Grande parte da população ainda tem uma imagem do Brasil como país periférico, de menor importância no cenário internacional. Mas essa imagem é totalmente equivocada. O Brasil, ao lado dos Estados Unidos e da China, são os únicos três países que estão, ao mesmo tempo, na relação dos dez países de maior território, dos dez países mais populosos e dos dez países com maior PIB no mundo. Isso é muito significativo.
 
O principal desafio da diplomacia brasileira é, portanto, mostrar à sociedade brasileira que o Brasil precisa ter uma atuação externa à altura de sua potencialidade econômica, política e social.
 

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