Ex-líder de Lula e de Dilma Rousseff, Cândido Vaccarezza (PT-SP)
decidiu buscar nos arquivos da Câmara elementos para refutar o
entendimento do STF de que houve compra de votos de deputados no
primeiro governo petista.
A pesquisa está apenas no início. Mas Vaccarezza julga já ter reunido
dados que lhe permitem dizer que o raciocínio esgrimido pelo relator
Joaquim Barbosa e endossado pela maioria dos ministros do Supremo “não
condiz com a realidade.”
O deputado iniciou seu levantamento pela proposta de emenda
constitucional de reforma da Previdência. Foi votada pela Câmara no
segundo semestre de 2003, primeiro ano do governo Lula. Nessa mesma
época aprovou-se uma proposta de reforma tributária.
Servindo-se de cifras citadas na denúncia da Procuradoria, Barbosa
anotou no seu voto que, em datas próximas aos dias das votações, o
esquema operado por Marcos Valério molhou as mãos de deputados aliciados
com R$ 14,8 milhões.
Vaccarezza recuperou no Diário da Câmara a transcrição dos discursos da
sessão de 14 de agosto de 2003. Constatou que o PTB de Roberto
Jefferson divergiu do governo num “ponto crucial” da reforma
previdenciária.
Discutia-se a fixação de um teto para a remuneração de servidores
públicos. Não poderia exceder o salário dos ministros do STF. A regra
valeria inclusive para detentores de mandatos eletivos.
Abrangente, a proposta anotava que “proventos, pensões ou outra espécie
remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as
vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o
subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal
Federal…”
O PTB torceu o nariz para a expressão “vantagens pessoais ou de
qualquer outra natureza”. O partido entendeu que, aprovada a proposta,
os deputados perderiam o direito de receber verbas para o custeio de
despesas dos seus gabinetes.
Em nome da bancada do PTB, Nelson Marquezelli (SP), vice-líder da
legenda na Câmara, apresentou uma emenda. No jargão legislativo,
serviu-se de um DVS (destaque para votação em separado). Previa a
supressão da expressão “ou de qualquer natureza”.
Relator do projeto, José Pimentel (PT-CE) informou que as verbas
indenizatórias dos parlamentares não seriam podadas. “Ora, se não nos
afeta, vamos retirar essa expressão”, discursou Marquezelli.
Em nome da bancada do PL (hoje rebatizado de PR), foi ao microfone o
então deputado Bispo Rodrigues (RJ), um dos condenados no julgamento do
mensalão. Ele liberou seus liderados para votar como bem entendessem.
“Quero dizer aqui que não sou líder de criança alguma”, disse Bispo
Rodrigues. “O mais bobinho aqui é deputado e chegou à Casa graças à sua
capacidade. E cada um sabe o que é melhor para si. Portanto, vamos
liberar a bancada. Que cada um vote com a sua consciência e seja senhor
das consequências do seu voto.”
Roberto Jefferson, outro réu já condenado pelo Supremo, também
discursou. Disse que havia alertado sua bancada para o fato de que o
risco de corte das verbas dos deputados seria tratado pelos demais
partidos com “farisaísmo”.
Jefferson foi contra a apresentação da emenda. Mas rendeu-se à vontade
da maioria de sua bancada. “Essa não é uma questão do PTB, é uma
questão da Câmara como um todo”, declarou ele na sessão. “[…] Eu disse à
minha bancada que, pessoalmente, preferia jogar no farisaísmo. Por que
não aparecer de cara boa no retrato amanhã? Só o PTB vai apanhar? Só
eu vou apanhar?…”
Levada a voto, a emenda do PTB foi rejeitada. Prevaleceu o texto do
governo. Mas Vaccarezza afirma que, se estivessem comprados, os
deputados do PTB não teriam apresentado a emenda. E o líder do ex-PL não
teria liberado sua bancada.
Vaccarezza realça, de resto, que o texto original foi mantido com o
auxílio do PPS, do PSDB e do então PFL. Fovoráveis à reforma da
Previdência, os líderes das três legendas de oposição recomendaram o
voto a favor da preservação do texto.
Um detalhe enfraquece o argumento de Vaccarezza. A base do texto da
reforma já havia sido aprovada quando o PTB apresentou a sua emenda.
Quer dizer: discutia-se um detalhe da proposta, não a sua essência. Ao
final, aprovou-se a proposta nos termos do governo. Foi promulgada em 19 de dezembro de 2003. As verbas de gabinete dos deputados continuaram fluindo.
Alheio à pesquisa do deputado petista, o STF começa a julgar nesta
quarta (3) a “fatia” do processo que inclui os corruptores do mensalão.
São dez os acusados de corrupção ativa. Entre eles os grão-petistas
José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares.
A sessão será aberta com a leitura do voto do relator Joaquim Barbosa. Conforme já noticiado aqui,
ele irá condenar a tróica do PT. Fará isso em homenagem aos dados
contidos nos autos e à lógica. Se o STF condenou os deputados
corrompidos, precisa levar ao patíbulo os corruptores.
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