Por Rory Carroll
De certa maneira, é como nos velhos tempos. Multidões cercam o candidato
presidencial enquanto ele percorre cidades e aldeias empoeiradas,
prometendo uma nova Venezuela. Elas rodeiam o ônibus entoando seu nome, e
quando ele aparece gritam e avançam desesperadas para abraçá-lo. Muitos
seguram bilhetes – pedidos escritos à mão de um emprego, uma casa, uma
operação –, e quando conseguem colocá-los em suas mãos ou seus bolsos
quase explodem de alegria. “Ele sabe que as coisas não podem continuar
assim. Ele sabe que estamos prontos para a mudança”, gritava acima dos
aplausos o estudante Josmir Meza, 25.
O problema de Hugo Chávez é que ele não é mais aquele candidato. Em 1998
era um desconhecido rebelde, um candidato jovem e atlético que prometia
derrubar a ordem estabelecida e “refundar” a Venezuela. Ele era
incontível, e disparou para a vitória.
Catorze anos depois, porém, enquanto tenta um terceiro mandato na eleição do próximo domingo, é seu desafiante mais jovem, Henrique Capriles, 40, quem eletriza as multidões.
Em comparação, Chávez, com 58 anos, é uma figura doente e fugidia, que
hoje representa o establishment. Ele não deseja explodir o palácio
presidencial de Miraflores, uma construção neocolonial cor-de-rosa no
centro de Caracas, mas mantê-lo. Depois de dominar a Venezuela como um
colosso, liderando sua revolução socialista em avalanches eleitorais
consecutivas, ele enfrenta a batalha eleitoral de sua vida.
Com os dois lados retratando o voto como um teste existencial para
derrotar ou salvar o experimento político e econômico único conhecido
como chavismo, as apostas não poderiam ser maiores. Se Chávez perder,
seu movimento quase certamente se romperá, decepcionando os apoiadores
estrangeiros que saudaram a “revolução bolivariana” como uma vitrine da
esquerda. Se ele vencer, os críticos no país e no exterior vão falar em
uma queda na autocracia e na disfunção.
De qualquer maneira, será mais um capítulo no grande drama que é a vida
de Hugo Chávez. Como o menino de uma família humilde de Sabaneta, uma
cidade minúscula nas vastas planícies conhecidas como “los llanos”,
conseguiu se tornar não apenas presidente, mas uma figura global ao
mesmo tempo adorada e repudiada, é uma história notável.
Como as lendas à beira do fogo de cavaleiros, demônios e rebeldes que
encantavam o jovem Hugo – ele decorava os poemas, histórias e canções –,
sua ascensão é a matéria-prima do mito. Ele foi o segundo filho de pais
professores; se fosse menina, pretendiam chamá-lo de Eva,
complementando o primogênito que se chamava Adán, mas então lhe deram o
nome do pai. Quando chegaram mais filhos (seis, todos meninos), os dois
mais velhos foram mandados para morar com sua avó, Rosa, uma mulher boa e
diligente que amava os meninos.
Segundo todos os relatos, Hugo era um menino feliz e falante, que quando
não estava na escola jogava beisebol com um taco e uma bola feitos em
casa, pintava, lia livros e complementava a renda familiar vendendo as
“aranhas” feitas por sua avó – tiras de mamão açucaradas. “Eu saía
andando e gritando ‘Aranhas quentes, aranhas gostosas para meninas
bonitas!’”, ele lembrou recentemente. Como um adolescente magro, de pés
grandes, ele foi apelidado de Pateta.
Na década de 1960, a Venezuela, que já foi um recanto sonolento da
América do Sul governado por ditadores, era uma democracia nascente com
receitas do petróleo cada vez maiores e uma fome de modernidade. Uma
nova elite e uma classe média cresciam entre os arranha-céus, mas a
maioria dos migrantes rurais acabava em favelas nos morros ao redor das
cidades.
Hugo, um talentoso jogador de beisebol, não sonhava com a política, mas
em jogar nos grandes times. Ele tornou-se um cadete militar, esperando
saltar da academia para os clubes de beisebol de Caracas. Em vez disso,
apaixonou-se pela vida militar. “O uniforme, a arma, uma área, a
formação cerrada, marchas, corridas de manhã, estudos de ciência militar
– eu estava como peixe na água”, ele lembrou mais tarde.
Enquanto Chávez galgava as fileiras, estudou os textos de Simón Bolívar,
o libertador do século 19 que expulsou os espanhóis, assim como
filósofos como Nietzsche e Plekhanov. Também notou a extrema pobreza e a
desigualdade em meio ao êxito do petróleo. Inspirada pelos líderes
militares revolucionários do Panamá e do Peru, e por intelectuais de
esquerda venezuelanos, uma ideia começou a se formar: rebelião.
Apoiadora de Chávez entra no que foi a casa onde Chávez nasceu e que
hoje é sede de seu partido em Sabaneta. Foto: Leo Ramirez / AFP
Durante uma década ele reuniu colegas oficiais em uma conspiração para
substituir o que consideravam uma democracia venal e espúria por uma
democracia real e progressista. O golpe de fevereiro de 1992 foi um
fiasco militar, que permitiu a continuação do governo impopular, mas
Chávez transformou seu discurso de rendição na televisão em uma vitória
política. Eloquente e galante com sua boina vermelha, ele se apresentou a
um país atônito – “escutem o comandante Chávez” – e disse que seus
objetivos não haviam sido alcançados “por enquanto”. Ele merecia 30 anos
de cadeia, dizia a piada: um pelo golpe, 29 por fracassar.
Perdoado e libertado depois de dois anos, foi adotado como figura de
proa por uma coalizão de movimentos populares e partidos de esquerda, e
levado à vitória na eleição de 1998, aplaudido não apenas pelos pobres
mas por uma classe média cansada dos partidos políticos fossilizados.
Com o barril de petróleo a apenas US$ 8, o Estado estava quase falido.
Poucos fora da Venezuela, até então mais conhecida por suas “misses” e
pelo petróleo, sabiam o que fazer desse novo elemento dinâmico, que
elogiava Fidel Castro mas disse que não era nem de esquerda nem de
direita, mas um seguidor da “terceira via” à moda de Tony Blair. Em
poucos anos Chávez se tornou uma das figuras mais polarizadoras e
conhecidas do mundo.
A retórica veemente – ele criticava os ricos como “porcos guinchando” e
“vampiros” que saqueavam a riqueza do petróleo – o tornou atraente para
os pobres e alienou a classe média e as elites tradicionais. Estas o
chamavam de “macaco” ou pior. Em abril de 2002, as elites brevemente o
depuseram em um golpe apoiado pelo governo Bush, tentaram novamente com
uma greve do petróleo e depois com um referendo. Chávez sobreviveu e
tornou-se mais radical, declarando-se socialista e nacionalizando
grandes setores da economia. O aumento acelerado dos preços do petróleo
despejou bilhões de dólares no Tesouro, que ele usou para fundar
hospitais dirigidos por cubanos e outros programas sociais, atenuando a
pobreza. Ele criou um império de mídia estatal que promoveu um culto da
personalidade e endureceu o controle executivo das forças armadas, do
judiciário e do legislativo.
Chávez chamou George Bush de “burro”, de “Senhor Perigo”, “imbecil” e,
durante um memorável discurso na ONU, de “diabo”. Defensores como Ken
Livingstone, Sean Penn, Danny Glover e Noam Chomsky lhe renderam
homenagem visitando Caracas. Depois de conquistar um segundo mandato em
2006, Chávez ganhou um referendo que aboliu os limites de mandatos e
falou em governar até 2021, depois 2030. Isso parece duvidoso hoje. À
frente em algumas pesquisas, ele está atrás em outras.
Chávez continua sendo reverenciado nos “barrios”. “Ele é um presente,
ele significa tudo para nós”, disse Aleira Quintero, 55, uma
cabo-eleitoral de camiseta vermelha em Petare. Mas mesmo seus seguidores
estão cansados dos terríveis índices de criminalidade, da inflação, da
escassez de produtos e da infraestrutura em ruínas. Pontes desmoronam,
refinarias explodem, blecautes envolvem as cidades.
Chávez mostrou-se um hábil estrategista político e comunicador
inspirado, mas um administrador desastroso, distorcendo a economia com
controles contraditórios, criando e dissolvendo ministérios por
capricho, lançando e abandonando iniciativas, negligenciando
investimentos e manutenção. Apesar das receitas do petróleo recordes, a
Venezuela toma bilhões de dólares emprestados para tentar tapar os
buracos.
Carisma, benesses e controle institucional, para não falar na capacidade
de monopolizar as ondas aéreas, ainda poderão conseguir a reeleição,
mas Chávez enfrenta dois obstáculos formidáveis.
Esgotado e inchado pelo tratamento do câncer, às vezes ele tem
dificuldade para andar. Em vez dos comícios fogosos de antigamente, suas
aparições públicas são raras e muitas vezes melancólicas. “Se eu
pudesse, vocês sabem que desceria deste palco e iria andando, como no
passado”, ele disse em um comício, com lágrimas nos olhos. Alguns
seguidores temem que o câncer seja terminal e que votar em Chávez seja
um voto na incerteza e na disputa de poder por ministros e cortesãos não
apreciados.
O outro obstáculo é Capriles. Ao contrário de líderes de oposição
anteriores, ineptos e estridentes, o governador estadual é um político
disciplinado e enérgico na campanha. Um corredor e jogador de basquete,
seu apelido é El Flaquito, “o magricela”. Ele aproveitou a iniciativa
atravessando o país em visita a 274 cidades e projetando-se como um
centrista que manterá os programas sociais de Chávez, enquanto oferece
uma administração competente. Para atrair os “chavistas moderados”, ele
não chama Chávez de ditador ou mesmo de Chávez. Consciente do poder do
nome, Capriles o chama de “o candidato do [partido dominante] PSUV”.
Se o presidente vencerá ou não – e dado seu histórico eleitoral seria tolo ou ousado apostar contra ele –, sua fama continuará viva. No poder ou fora dele, não se esquecerá o nome de Hugo Chávez.
O arquivo Chávez
Nascimento.
Em 1954, na casa de sua avó em Sabaneta,
estado de Barinas. Seus pais, Hugo de los Reyes Chávez e Elena Frías de
Chávez, eram professores escolares. Chávez foi criado por sua avó, uma
católica devota. Formou-se na academia militar em 1975. Melhores
momentos. Chávez conquistou a presidência em 1998 com promessas de
varrer os corruptos, os partidos políticos enquistados e de ajudar os
pobres no país rico em petróleo.
Piores momentos. Rumores do câncer terminal de Chávez dominaram a campanha eleitoral contra seu jovial adversário, Henrique Capriles.
O que ele diz. “Eu gostaria que Obama se concentrasse
em governar os EUA e esquecesse as pretensões imperialistas de seu
país”. Chávez manifestou decepção com o presidente americano em uma rara
entrevista à mídia ocidental.
O que os outros dizem. “Chávez controla o Estado, o
exército, o partido e as organizações assistencialistas. Ninguém goza da
mesma legitimidade, ninguém pode reivindicar substituí-lo. Se ele
deixasse a política haveria vários processos de transição: para
encontrar um substituto em curto prazo, um novo líder e um candidato
capaz de vencer a eleição. Eles não são necessariamente a mesma pessoa.”
Carlos Romero, analista político, sobre a vida na Venezuela sem Chávez.
The Observer
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