Recife (PE) - Não se enganem os leitores. O mensalão no
STF é, na essência, um julgamento político. E se ainda têm dúvida,
observem a mídia massificada, o abuso de imagens na televisão, a
telenovela em que se tornou o tribunal cuja chamada é punição aos
corruptos para um novo Brasil. Um leitor calejado diria que as notícias
se fabricam como as salsichas, com sangue e gordura fartos em ambiente
de náusea. No entanto, o que há de mais pedagógico nesse julgamento é o
fim das ilusões de como age o Supremo Tribunal Federal. Ali também se
produzem salsichas, a saber, votos e juízos se fazem em obediência à
sociedade de classes, na feroz luta política.
Se ainda têm dúvida, observem que o conceito de prova foi reinventado.
Indícios, que possuem a natureza, por definição, de serem hipóteses,
viraram fatos, sob o especioso argumento de “é impossível que ele não
soubesse”. Houve provas como deduções de retórica, digna de sofistas, na
base do se isso, então aquilo. O elementar de qualquer tribunal do
mundo civilizado, do não basta supor, não basta desconfiar, não basta
ter como provável, foi jogado às favas. E por que ministros tão
ilustres, pelo menos no brilho de suas ideais funções, sepultaram as
nossas melhores ilusões de justiça acima de classes? O alvo do
julgamento é Lula. O alvo são as conquistas de um governo de esquerda,
que se trouxe ganhos maiores para o capital, também redistribuiu renda, e
no que tem de pior, ameaça uma permanência no poder que pode gerar
insuportável democracia: leis de regulação da mídia, perdas irreparáveis
de privilégios.
Daí que foi dado o passo necessário para a condenação do ex-presidente
Lula: a punição de José Dirceu. Falta só mais um degrau. Na verdade,
muito antes desta semana, o julgamento de Zé Dirceu estava escrito
desde o século dezenove. Em escrita criadora, o seu julgamento já havia
sido feito desde 1865. Mais precisamente, sob a pena de Lewis Carrol, em
Alice no País das Maravilhas. O leitor por favor acompanhe estas linhas
de Alice.
“- Não, não! - berrou a Rainha. - Primeiro a sentença, depois o veredicto”.
Se substituímos a Rainha pelo conjunto imprensa e tribunal do
Brasil, perceberemos que aqui também a condenação estava antes
sentenciada. Mas continuemos com Alice:
“Neste momento o Rei, que estivera ocupado por algum tempo escrevendo em seu caderno de notas, gritou:
- Silêncio! - e leu: ‘Artigo Quarenta e Dois: Todas as pessoas com
mais de um quilômetro e meio de altura devem deixar o tribunal.’
Todo o mundo olhou para Alice.
- E não irei de jeito nenhum - disse Alice; - além do mais, este artigo não é legal: você acabou de inventá-lo.
O Rei empalideceu e fechou apressadamente seu caderno de notas. ‘Façam o seu veredicto’, disse ao júri, com voz baixa e trêmula”.
Se fazemos a diferença de que no Brasil os ministros do Supremo não
empalideceram, os procedimentos criados pelo STF para esse julgamento
repetem à perfeição Alice. Mas continuemos com o julgamento de José
Dirceu, agora de modo mais claro:
“- Com licença de Vossa Majestade, ainda há provas a examinar -
disse o Coelho Branco dando um salto: - este documento acaba de ser
encontrado.
- Do que se trata? - indagou a Rainha.
- Ainda não abri - respondeu o Coelho Branco. - Mas parece ser uma carta, escrita pelo prisioneiro para alguém.
- Só pode ser isso - disse o Rei, -a menos que tenha sido escrita para ninguém, o que não é muito usual.
- A quem é endereçada? - perguntou um dos ministros.
- Não é propriamente endereçada...- disse o Coelho Branco, - na
verdade, não há nada escrito do lado de fora. Enquanto falava, desdobrou
o papel, acrescentando: - Nem é uma carta, afinal de contas: são
versos.
- Estão escritos com a caligrafia do prisioneiro? – perguntou outro.
- Não, não estão - respondeu o Coelho Branco - e isso é o mais estranho de tudo. (Todos pareciam perplexos.)
- Ele deve ter imitado a caligrafia de outra pessoa – disse o Rei. (Todos animaram-se outra vez.)
- Com licença de Vossa Majestade - disse o réu, - eu não escrevi
isso, e ninguém poderá provar o contrário: não há nenhum nome assinado
embaixo.
- Se você não assinou - disse o Rei - isso só piora a situação. Você
certamente deve ter feito algo de errado, ou então teria assinado seu
nome como qualquer pessoa honesta...
- Isso prova a sua culpa, é claro - disse a Rainha: - Logo, cortem a sua cabeça!”
O logo acima foi conjunção para Lula e advérbio de tempo, urgente, em
uma só palavra. Logo, cortem a cabeça da esquerda, foi, é a sentença.
Provas para quê?
É
pernambucano, jornalista e autor de "Soledad no Recife", recriação dos
últimos dias de Soledad Barret, mulher do cabo Anselmo, executada pela
equipe do Delegado Fleury com o auxílio de Anselmo.Direto da Redação
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